*Por Francisco Cunha
Comecei minha vida profissional como auditor do Tesouro Estadual e, para o concurso, tive que estudar direito tributário e a legislação relativa ao antigo ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias). O que me chamou a atenção, logo de partida, foi que a relação das isenções era mais volumosa do que a própria legislação. Aí, comecei a desconfiar de que havia alguma coisa errada com nosso sistema tributário.
Quando, cinco anos depois do concurso, deixei o quadro da Secretaria da Fazenda Estadual para me dedicar à consultoria e, mais tarde, fundar com outros sócios a TGI, o fiz com a certeza de que a situação era bem pior do que minha impressão inicial. E, desde então, acompanhando a situação, agora pelo lado das empresas, só vi a coisa piorar mais ainda, inclusive pós-Constituição de 1988.
Acompanhei também de longe várias tentativas de Reforma Tributária que deram com os burros n’água enquanto a situação só ia ficando mais emaranhada. Isso a ponto de se dizer, a meu ver com toda razão, que o País não tinha um sistema mas, sim, um “manicômio” tributário dada a bagunça que se criou com legislações federais, estaduais e municipais, conflitantes e superpostas. Além de uma carga tributária das mais elevadas do mundo para um país de renda média como o Brasil.
Já tinha perdido a esperança de ver uma reforma digna deste nome quando um estudo feito pelo Centro de Cidadania Fiscal, uma think tank independente, dirigida por Bernard Appy, começou a ganhar corpo e a conquistar corações e mentes, por meio de um amplo debate nacional, até chegar ao Congresso na forma de dois Projetos de Lei, um na Câmara e outro no Senado.
Com a ida de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda foi criada uma Secretaria Extraordinária para a Reforma Tributária, encabeçada pelo próprio Bernard Appy, e iniciado o trabalho de negociação que resultou na surpreendente aprovação de uma Reforma Tributária que simplifica enormemente o sistema com unificação de cinco tributos em um imposto de valor agregado (IVA) dual (estadual e municipal). Agora que a regulamentação da Reforma acaba de passar na Câmara dos Deputados (faltando ainda passar pelo Senado Federal) já é possível dizer que, mesmo sem entrar no mérito do que foi aprovado, a reforma já é um sucesso pelo que conseguiu em termos de emprestar racionalidade e simplificação ao sistema, acabando com uma infinidade de distorções adquiridas ao longo do tempo, praticamente desde 1965 quando o sistema ainda vigente foi implantado.
Procurando entender o quê permitiu o desenvolvimento e a aprovação de um tema tão complexo, deduzi que foram seguidos os passos fundamentais: (1) formulação técnica bem feita (embasada num diagnóstico preciso da realidade); (2) envolvimento da sociedade civil organizada (com amplas e circunstanciadas discussões); (3) articulação competente com a imprensa e os meios de comunicação; (4) adequada inserção do Poder Executivo no processo (depois do tema ter sido amplamente discutido); (5) negociação republicana com o Poder Legislativo; (6) tempo de implantação alargado para permitir transição segura, testagem e ajustes. Praticamente um roteiro para realização de reformas necessárias e complexas num país que não é, como disse Tom Jobim, “para amadores”…
Samuel Pessoa, economista e não propriamente um defensor do governo atual, chegou a dizer que a Reforma Tributária aprovada tem o potencial de vir a ser “o Plano Real do governo Lula” pelo que pode trazer, ao longo do tempo, em termos de competitividade para a economia.
Tomara que esteja certo porque o Brasil, as empresas e os contribuintes mais do que merecemos um refresco para trabalhar e empreender sob o abrigo de um sistema racional, depois de tanto tempo mergulhados na mais ampla insanidade tributária.