*Por Eduardo Martins
No último domingo (26), em boletim divulgado pela Organização Mundial de Saúde, o número de infectados pelo COVID-19 ultrapassa mais de 3 milhões e mais de 208 mil mortes em consequência do vírus. No Brasil, são mais de 63 mil casos confirmados e mais de 4 mil mortes. Em Pernambuco, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, há 4.898 casos confirmados, além de 415 óbitos. O estado tem o terceiro maior número de mortes pelo COVID-19.
Na estréia da Coluna Gibitown, espaço totalmente dedicado a nona arte, infelizmente, esse assunto não poderia passar em branco. Como a indústria, profissionais, lojas e vendedores de quadrinhos estão lidando com a pandemia e toda crise econômica desencadeada por ela? Quais são as alternativas e o que vai mudar daqui pra frente no mercado editorial? São inúmeras dúvidas e perguntas ainda sem respostas. Indubitavelmente, parece que estamos vivendo o que éramos acostumados apenas em livros, filmes e quadrinhos de ficção científica.
Quadrinistas ao redor do mundo sentaram em suas pranchetas e prestaram homenagem às vítimas e também aos profissionais, sobretudo aqueles que estão na linha de frente do combate. Através das redes sociais reverências em forma de desenho, do artista italiano Milo Manara, do americano Frank Miller, entre muitos outros.
Dentro do universo dos quadrinhos, o lamento por duas perdas irreparáveis: o ilustrador argentino Juan Giménez, conhecido pelo seu trabalho para as revistas Heavy Metal e pela cultuada saga de ficção-científica Metabarons e o brasileiro Daniel Azulay, famoso principalmente na década de 1980, pela criação da Turma do Lambe Lambe e pelas aulas de desenho destinadas ao público infantil em canais de televisão. Ambos morreram por complicações devido ao COVID-19.
Para pequenas empresas, bancas de revistas e lojas especializadas em quadrinhos, o momento é bastante delicado e novas estratégias estão sendo criadas para atravessar a crise financeira causada pela pandemia. A Diamond, maior distribuidora de quadrinhos dos Estados Unidos, ainda continua com as atividades suspensas. Responsáveis pela distribuição de quadrinhos das maiores editoras norte-americanas – Marvel, DC, Image e DarkHorse – o último envio às lojas foi feito em 25 de março. As editoras, um pouco antes disso, começaram a pausar ou reagendar novas edições. Tanto material impresso, quanto digital. As famosas comic-shops, sem lançamentos e por conta da quarentena, viram-se com o faturamento quase nulo.
Na sexta-feira (17), a Diamond enviou uma carta para os vendedores de quadrinhos, onde explicam que estão monitorando toda a situação e que provavelmente no final de maio a distribuição volte a acontecer. Em trecho do comunicado, eles afirmam que “esse é um momento delicado e é necessário o equilíbrio entre gerenciar as preocupações de saúde e segurança, e atender à demanda reprimida por produto”. Separadamente do anúncio da Diamond, a DC anunciou que novas publicações impressas serão enviadas em 28 de abril, contudo em um número limitado de títulos e tiragem menor. De acordo com uma nota publicada pela editora, a decisão de voltar a lançar alguns títulos surgiu depois de pesquisar mais de 2.000 lojas nos EUA e no Canadá. Eles observaram que “muitos proprietários de lojas de quadrinhos estão encontrando maneiras novas e criativas de levar os quadrinhos para os fãs mais fiéis.” A medida está sendo criticada pela maioria dos revendedores e pequenas livrarias independentes que ainda estão fechadas durante a quarentena.
Enquanto isso, diversos artistas consagrados internacionalmente começaram a leiloar desenhos originais em prol das comic-shops americanas. Encabeçado por Jim Lee, artista e editor-chefe da DC Comics, os leilões acontecem no eBay e toda renda será destinada aos pequenos varejistas. Uma imagem do Batman que Ri obteve 64 lances e o vencedor pagou 10.800,00 dólares, aproximadamente 56.937,70 reais. Com o reforço da hashtag #Creators4Comics, doações em dinheiro estão sendo organizadas pela Fundação Binc, para ajudar livreiros e revendedores de quadrinhos afetados pelo COVID-19.
Eventos ligados aos quadrinhos e a cultura geek, que rendem milhões em receita, também já estão sendo afetados. A mais tradicional delas, A San Diego Comic-Con foi cancelada devido a pandemia do coronavirus. A próxima convenção vai ocorrer de 22 a 25 de julho, em 2021. Em 50 anos de história, essa é a primeira vez que o evento é cancelado. Aqui no Brasil, o 11º FIG! – Festival Internacional de Quadrinhos também foi adiado como medida de controle de transmissão do vírus. A Comic Con Experience, CCXP, ainda não comunicou o cancelamento da edição brasileira deste ano. Já a versão alemã da convenção foi cancelada. Postergados para 2021, os maiores eventos geeks do planeta movimentam o mercado e são nestes locais que os artistas independentes e as editoras usam como vitrine para expor novos trabalhos e interagir com o público-alvo. E aqui, no Brasil, sem esse elo de sustentação, o bicho vai pegar, ou melhor, a gente vai precisar se reinventar.
Não é de hoje que o mercado editorial de livros no Brasil está em crise. São pelo menos cinco anos de livrarias fechadas e declínio nas vendas. O COVID-19, veio para acentuar ainda mais essa queda. As editoras tentam estratégias focadas em descontos e no comércio virtual. O problema é que a grande maioria não estava preparada tecnicamente para vender via e-commerce. Faltam mais investimentos em arquitetura de informação e desenvolvimento de uma loja virtual de fácil acesso e usabilidade. Porém, mesmo assim, essas alternativas ajudam, e muito, a fortalecer o comércio de quadrinhos. As pequenas e médias editoras conseguem ter um público mais fiel e nessas horas acabam ajudando e fortalecendo a marca, com posts de seus livros favoritos e comentários positivos nas redes sociais.
Também pelas redes sociais, lojas especializadas e bancas de revistas estão mais próximas dos clientes, porém para Orlando Oliveira, 63 anos, dono da Banca Guararapes HQ, O Templo dos Quadrinhos em Recife, sem a distribuição de novos lançamentos na região, a situação ficou bem mais complicada “Nós, da Guararapes HQ, já estamos fechados há um mês. Quadrinhos é um produto diferente e está sempre se renovando quanto aos lançamentos; não adianta eu tê-los na banca e não ter novidades”, disse. Segundo ele, foi “justamente nesse contrapé que a pandemia nos pegou. Na primeira semana de isolamento, iam sair vários lançamentos. Eles já haviam chegado em um caminhão e, em virtude dos acontecimentos, só foram descarregados depois e continuam lá, esperando a reabertura da distribuidora para seguir para os estabelecimentos”.
Odin, como é chamado pelos frequentadores da banca, entendeu que o momento é de resiliência e inovação: “No começo da pandemia, fui um pouco resistente com a questão do dellivery, mas vi que era algo necessário tanto para mim quanto para meus clientes, pois muitos perderam alguns números anteriores de suas coleções e, estão aproveitando esse tempo em casa, para completá-las”, ponderou. Ele sabe que o mundo não será mais o mesmo e que teremos que nos adaptar à nova realidade, mas não deixa de sentir falta da interação física com os clientes da banca, “embora a maioria gosta mesmo de ir à banca pegar suas reservas, vasculhar, bater um papo com quem estiver por lá. E é disso que sinto falta e sei que todos também sentem”. Eu sou um desses. Todo mês, pelo menos uma vez, eu passo na banca de Odin para pegar minhas encomendas e tinha que ser dele, o primeiro depoimento na Coluna Gibitown.
Por outro lado, ainda no ambiente digital, em nossas timelines, a quantidade de quadrinistas independentes mesclando-se com artistas mais conhecidos aumentou substancialmente e muita coisa boa e de qualidade que o grande público não tinha acesso imediato, por conta de todo o longo processo editorial, da produção até a finalização e impressão de uma obra, acabam surgindo em diversos canais. Foi navegando pelo Twitter que conheci Confinada, uma web série em quadrinhos da dupla Leandro Assis e Triscila Oliveira. Confinada mostra um retrato do cotidiano de uma digital influencer fitness diante do isolamento social com uma boa dose de crítica social. Entre lives, curtidas e comentários, o leitor descobre quadro-a-quadro o lado desumano e fútil da protagonista da história. Como algumas pessoas estão tirando proveito da situação, em benefício de si ou de um coletivo? Até onde vai a falta de escrúpulo de algumas pessoas em um momento como esse. Um soco no estômago!
Outro trabalho que vale destacar está sendo feito pelo estúdio da Maurício de Souza Produções. A criadora da Turma da Mônica, lançou a segunda cartilha “Saiba Tudo sobre o Coronavírus – Parte 2”, com apoio da Unicef. Na capa, algo inesperado mostra que todos precisam seguir as orientações de limpeza para evitar a contaminação do vírus. Uma imagem do Cascão, famoso pelo medo que tem de água, segurando um cartaz escrito “Lave as mãos!” tornando-se o embaixador das mãos limpas. A cartilha foi publicada gratuitamente nos canais digitais da MSP e do Unicef e traz orientações para toda a família, de crianças a idosos e pessoas com doenças crônicas. Além disso, no app deles, você encontra mais de 188 títulos da Turma da Mônica para ler de graça em formato digital. Iniciativa que você também pode encontrar nos sites das principais editoras daqui e também de lá de fora. No final, vou deixar uma lista com 10 links com quadrinhos digitais de graça. Espero que gostem e aproveitem dentro de suas casas.
Na velocidade em que essa situação se alastra é extremamente recomendável seguir as orientações e diretrizes das secretarias de saúde regionais, no que diz respeito às melhores práticas e principalmente seguir os requisitos de isolamento social e, se for possível, ficar em casa de quarentena. Com tantas notícias falsas, a melhor maneira de se informar é através da OMS. Sem ficção.
Para finalizar, por que Gibitown? Quem me conhece bem sabe que sempre fui um aficionado pelos quadrinhos. Meu pai sempre me trazia um gibizinho da banca quando voltava do trabalho. Primeiro, os desenhos me paralisava. Depois, ajudando na minha alfabetização, comecei a entender o que cada personagem estava dizendo. Chico Bento, Recruta Zero e Pato Donald foram meus melhores amigos no finalzinho dos anos 80. E os super-heróis me deram asas a minha imaginação. Verdade que durante o período da faculdade de jornalismo, de 2001 a 2004, eu deixei de lado esse “hobby”, para dedicar meu tempo livre para “atividades mais adultas”. Esses adolescentes! No final de 2017, quando me mudei para São Paulo por conta do trabalho, transformei aquele antigo hobby em colecionismo e hoje, aos 36 anos de idade, consigo perceber o quanto os quadrinhos é importante para formação do caráter de um indivíduo. De volta a Recife, ficou nítido para mim, o quanto somos carente de informação e de bons locais para bater um papo sobre quadrinhos. A Gibitown tem a finalidade de se tornar um canal catalisador de tudo isso. Toda semana, a gente se encontra nesse mesmo local para trazer o que existe de melhor no universo da nona arte em Pernambuco, no Brasil e ao redor do mundo. Sem distinção e preconceito. Até a próxima!
10 links com quadrinhos gratuitos para curtir durante a quarentena*
1 – Comics For Good
2 – CoronaConBR
3 – Marvel Comics
4 – Comixology
5 – Social Comics
8 – Quadrinhos infantis na Culturama
9 – Coletânea Mulheres & Quadrinhos
10 – Quadrinhos de Terror Made in Recife
*Alguns sites e quadrinhos podem necessitar de um cadastro. Alguns links contém tanto quadrinhos gratuitos, quanto alguns pagos. O negócio é garimpar, nem que seja no formato digital.
Mais sobre a coluna – Parafraseando Chico Science, a cidade do mangue ergueu uma nova e assim surge a Cidade do Gibi. O assunto aqui é quadrinhos. Marvel, DC, Image, editoras nacionais, quadrinhos independentes. Do clássico ao contemporâneo, vamos trazer o que existe de melhor no universo da nona arte em Pernambuco, no Brasil e ao redor do mundo. Sem distinção. A coluna é escrita pelo empresário e jornalista pernambucano Eduardo Martins.