P rofissionais do setor cultural constataram que eles são os últimos a retomar às atividades dentro do esquema de flexibilização imposta pela pandemia. E, não poderia ser diferente, afinal, as apresentações artísticas e culturais envolvem o encontro de pessoas, a aglomeração. Por isso, uma das primeiras ações da atual gestão da Secretaria de Cultura do Recife foi socorrer as pessoas envolvidas na cadeia produtiva do Carnaval e do São João. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o secretário Ricardo Mello comenta os planos para expandir essa estratégia e garantir a sustentabilidade do setor cultural, seja por meio de políticas públicas, como a Lei Aldir Blanc, seja com a participação da iniciativa privada.
Ricardo Mello também contou algumas novidades projetadas para um futuro breve como a escolha do Recife para integrar a Rede de Cidades Criativas da Unesco. A validação oficial deve acontecer até outubro. “Isso nos garante o ingresso numa rede de intercâmbio internacional para troca de experiência”, comemora o secretário, que também anuncia projetos que abrangem o espaço público, como a requalificação do Pátio de São Pedro e o emprego da arte urbana para revitalizar o Centro. Ricardo Mello também comenta a proposta elaborada pelo Porto Digital, pela Associação Pernambucana de Ópera, Dança Cênica e Música de Concerto e pela UFPE para transformar a gestão do Teatro Santa Isabel numa OS (organização social), o que envolveria também a Orquestra Sinfônica do Recife. O assunto foi tratado na edição 184.4 da Algomais e causou muitas controvérsias nas redes sociais.
Qual o impacto da pandemia na cultura do Recife?
Um dos compromissos que assumimos com o setor da cultura, ainda no ano passado, quando João Campos era candidato, foi que se aprofundasse uma escuta com o meio cultural para procurar os caminhos para enfrentar a situação. O primeiro movimento realizado foi o Chama a Cultura, no qual ouvimos as pessoas do setor cultural. Tínhamos que criar novos caminhos porque enfrentávamos um padrão desconhecido como, por exemplo, o fato de não acontecer o Carnaval. Começamos trabalhar nos primeiros dias de janeiro e em 9 de fevereiro enviamos para a Câmara o projeto de lei do AME Carnaval do Recife, que é o auxílio municipal emergencial, um projeto estimado em cerca de R$ 4 milhões. O objetivo era dar um socorro a todo mundo que ia ficar sem remuneração por não poder atuar na festa.
A ausência da atividade cultural não mexe só com a vida de quem vive da cultura mas, também, com a vida da cidade e não apenas do ponto de vista do impacto socioeconômico mas inclusive sobre a saúde mental das pessoas. Precisamos da fruição da cultura, do contato com a arte. Tínhamos a expectativa de que poderia acontecer o ciclo junino mas acabamos editando um novo auxílio municipal emergencial, o AME São João do Recife.
Com as atividades culturais suspensas, o que a secretaria tem realizado?
Como os equipamentos culturais estão fechados, decidimos cuidar deles. Lançamos o Move, Movimento de Valorização dos Equipamentos Culturais, para prepará-los para a volta das atividades. Anunciamos a requalificação da Casa do Carnaval, no Pátio de São Pedro, e da Escola de Frevo, que completou 25 anos, e tem um valor afetivo e uma importância cultural muito fortes para várias gerações.
Pouco tempo depois de inaugurada, a escultura de Reginaldo Rossi foi vandalizada. Eu disse: não é possível que a gente não crie uma relação de afeto com essas pessoas que são representações da nossa relação de amor com a cidade. A Secretaria e a Fundação de Cultura do Recife organizaram discussões com segmentos culturais e, daí, o projeto Circuito da Poesia virou o Recife Poesia Viva. Agora, junto às estátuas, há um QRCode que permite acessar um vídeo com atores e atrizes declamando trechos das obras desses homenageados. É uma maneira de criar uma relação de aproximação, mesmo com os protocolos necessários. A ideia foi recebida de uma forma muito emocionada. O Sesc foi parceiro e garantiu o cachê dos artistas porque a priorização das verbas da prefeitura é para a vacinação.
E quais os planos para a retomada?
Temos alguns caminhos possíveis. Neste ano, teve o caminho do socorro, agora tem que ter o caminho do fomento. Onde apareceu edital, a gente foi atrás para viabilizar projetos. Foi o caso do edital da Rede de Cidades Criativas, da Unesco, que não concede recursos, mas garante o ingresso numa rede de intercâmbio internacional para troca de experiência e oferece um selo reconhecido mundialmente de cidade criativa em uma determinada área. Optamos pela área da música. Montamos um grupo de trabalho com músicos, artistas e produtores. Entrevistamos cerca de 20 artistas que atuam na música, desde o brega, o maracatu, até a nova cena, como o coletivo Reverbo (na foto abaixo). Reunimos essas informações num relatório que foi enviado ao Ministério do Turismo e ao Itamaraty, para chancelar a indicação ao título de Cidade Criativa da Unesco, na categoria Música. No final, só duas cidades são escolhidas para ter um processo remetido à Unesco, na França. No caso, foram o Recife e Campina Grande. O que falta agora é a validação oficial da Unesco, dizendo que aceitou aindicação, o que deve acontecer até outubro.
Vamos ter Carnaval em 2022?
O Carnaval do Recife precisa de um tempo para se preparar. Então, precisamos começar a preparar o Carnaval, mesmo sem saber se ele vai acontecer, porque não se faz um Carnaval em 15 dias. O que pode acontecer – e a gente espera que não aconteça – é não poder efetivar o que foi projetado. Mas a discussão sobre Carnaval já começou, já temos grupos de trabalho atuando, voltados para a festa.
O que você achou do projeto que propõe uma nova gestão para o Teatro Santa Isabel e a Orquestra Sinfônica do Recife apresentado pelo Porto Digital e pela UFPE?
É um projeto com muitos méritos, inclusive pela ousadia de propor um modelo de gestão. Agora, o que conversei com Geber e Wendell (integrantes que estão à frente do projeto, confira na edição 184.4 da Algomais) é que temos que avaliar a situação da prefeitura, da orquestra e dos teatros. A Fundação de Cultura tem um processo de discussão de gestão colaborativa dos seus equipamentos culturais e tem realizado reuniões com a Comissão dos Músicos.
Hoje, o que a orquestra precisa é de um olhar para a continuidade daquilo que ela vinha vivendo. Ela teve um processo de parada mas não dá para penalizá-la por tudo que a pandemia causou. O primeiro passo que tem que ser dado é viabilizar um novo regente que funcione como aglutinador e coordenador do trabalho da orquestra. Houve um contrato encerrado com o regente anterior e o momento agora é de uma discussão com os músicos para que isso possa ser restabelecido. Tem que haver uma reestruturação gradual dentro das condições que a prefeitura tem hoje.
Temos um segmento cultural muito variado na cidade, inclusive a entrevista de Geber e Wendell na Algomais gerou uma reação muito grande das pessoas que nos perguntaram: “Mas só vai ter ópera agora no teatro?” Uma semana depois da entrevista, recebemos aqui quatro entidades perguntando sobre esse projeto. Mas dissemos que não implementamos projetos transformadores sem discutir com quem está envolvido.
A gestão do Teatro Santa Isabel é exitosa e está aberta às discussões. A gestão num modelo de OS, proposta pelo projeto, tem que ser colocada em pauta mas tem que discutir também a viabilidade do ponto de vista jurídico e orçamentário. Então, é um projeto que tem muitos méritos mas eu acho que, talvez, não tivesse viabilidade de implantação agora, diante das principais demandas existentes da orquestra e do próprio teatro neste momento.
LEIA A ENTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO 185.3 DA REVISTA ALGOMAIS: assine.algomais.com