Na última quarta (10), teve pré-estreia em Recife do premiado O Agente Secreto. Dois famosos cinemas de rua da cidade, o Cinema São Luiz e o Teatro do Parque exibiram o novo projeto de Kleber Mendonça Filho, com direito até a bloco de carnaval. Antes do início da sessão no São Luiz, o grupo Guerreiros do Passo frevou junto com a plateia. Se levaram frevo ao tapete vermelho do Festival de Cannes, em Recife não podia ser diferente.
“O Agente Secreto” transpira memória. Do plano fechado na manchete de jornal que anuncia a quantidade de homicídios na cidade aos relatos das personagens ameaçadas de morte, escondidas sob a proteção de um novo nome. Relatos de um passado que não se acanha em trazer à memória quem realmente são.
Na história, Wagner Moura encarna Marcelo, um misterioso professor universitário que viaja de Fusca de São Paulo a Recife no intuito de reencontrar o filho e conseguir documentos para fugir do país. O personagem transita por uma fase sombria do Brasil. O ano é 1977, pleno AI-5, período marcado por forte repressão e autoritarismo. A Ditadura Militar como pano de fundo imprime no ar um clima de desconfiança e medo.

A narrativa é desenvolvida sem pressa, cena por cena sendo tecida como os intrincados padrões de um belo tapete persa, revelando aos poucos detalhes do passado do protagonista. O centro do Recife serve de cenário para a história. Locais como a praça do sebo, a Rua da Aurora, a Ponte Duarte Coelho e o Cinema São Luiz, este, cenário de grande importância para a história.
Paralelamente à trama principal, Kleber atiça o imaginário pernambucano ao revisitar uma das mais famosas lendas urbanas da região, a lenda da perna cabeluda, conhecida por tirar o sossego das pessoas nas noites recifenses. A perna ganhou tanto destaque que virou xodó da produção, a ponto de protagonizar uma ação de divulgação da produtora francesa MK2, que levou um molde para o Festival de Cannes.
Kleber costuma construir figuras complexas, difíceis de esquecer, como Lunga, o cangaceiro queer de “Bacurau” e a inesquecível Clara, interpretada de forma brilhante por Sônia Braga em “Aquarius”. Acertou outra vez em “O Agente Secreto”. Além de Marcelo, outros personagens se destacam como Dona Sebastiana, vivida pela atriz Tânia Maria. O bom trabalho da potiguar chamou a atenção da Revista Variety, que a incluiu na lista de possíveis indicadas ao Oscar, ao lado de nomes como Michelle Yeoh, Laura Dern e Emma Stone.

Brasil outra vez no Oscar?
Após um ano de muita alegria para o Brasil no Oscar através do prêmio de Melhor Filme Internacional para “Ainda Estou Aqui”, a esperança ressurge, desta vez com “O Agente Secreto”. Em 2016, outro projeto de Kleber, “Aquarius”, também esteve entre os favoritos a representante do Brasil, porém foi preterido pela comissão responsável pela escolha, que indicou “Pequeno segredo”, de David Schurmann.
A jornada até a maior festa do cinema mundial no Dolby Theatre, em Los Angeles, é árdua e parte de uma boa presença nos festivais europeus. Em maio, “O Agente Secreto” foi aplaudido de pé por mais de 10 minutos em Cannes. Conquistou o prêmio de Melhor Diretor para Kleber, o de Melhor Ator para Wagner Moura, o Prêmio da Crítica de Melhor Filme e o Prix de Cinémas d’Art et Essai. Em agosto passado, no 29º Festival de Cine de Lima, ganhou a estatueta de Melhor Filme do Júri Oficial e de Melhor Filme pela crítica internacional.

Outro desafio é chegar forte aos cinemas norte-americanos. A Neon, empresa americana de produção e distribuição, adquiriu os direitos do filme, o que é uma excelente notícia, considerando que a empresa foi responsável por lançar “Anora”, obra ganhadora do Oscar de Melhor Filme deste ano.
O escolhido do Brasil ao Oscar será anunciado pela Academia Brasileira de Cinema nesta segunda (15). “O Agente Secreto” disputa com outros cinco pré-selecionados, entre eles, “O Último Azul”, dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro.
A estreia nos cinemas brasileiros está marcada para 6 de novembro.