"Seguimos No Ranking Como O Estado Com O Maior Número De Desemprego" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
“Seguimos no ranking como o estado com o maior número de desemprego”

Revista Algomais

​​As causas que colocam o Estado com o maior percentual de desempregados no País são analisadas pelo economista Sandro Prado, da Fcap/UPE, que também aponta as possíveis soluções. Ele defende a qualificação da mão de obra e faz um alerta sobre os impactos da uberização no mercado de trabalho e a tendência de aumento de desocupados entre a população 50+.

 Brasil, segundo o IBGE, atingiu no segundo trimestre deste ano, a menor taxa de desocupação desde o início da série histórica da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), em 2012. O índice ficou em 5,8% e Pernambuco acompanhou a queda ao registrar o percentual de 10,4% contra a taxa de 11,6% aferida no primeiro trimestre de 2025. Apesar da boa notícia da recuperação, o Estado, porém, amarga a incômoda posição de ter o maior nível de desemprego em todo o País.

Cláudia Santos conversou com o economista Sandro Prado, professor da Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco (UPE) para analisar os motivos que levam o Estado a figurar no indesejável topo desse ranking. Ele também apontou as políticas públicas necessárias para elevar o número de vagas no mercado de trabalho, em especial para os jovens – grupo mais afetado pelo desemprego – e também para população 50+. São pessoas que esperavam se aposentar, mas, surpreendidas pela Reforma da Previdência, terão de atuar por mais 10 anos num mercado de trabalho que as rejeitam devido ao etarismo. Resultado: recorrem ao Bolsa Família, sem perspectiva de sair do benefício. 

Prado também analisou o impacto da uberização, que seduz homens jovens com a ilusão de um trabalho sem patrão, mas também sem sustentabilidade no longo prazo. Em consequência, muitas vagas destinadas à população masculina começam a ser preenchidas por mulheres.  “O deslocamento delas para atividades ocupadas culturalmente por homens pode ser um caminho sem volta”, estima o economista. 

carteira de trabalho digital Marcelo Camargo Agencia Brasil

Embora tenha apresentado quedas ao longo dos meses, a taxa de desemprego em Pernambuco, segundo o IBGE, foi de 10,4% no segundo trimestre de 2025. É a maior do Brasil e a única com dois dígitos. O que vem ocasionando esse desempenho?

O fato de Pernambuco liderar o ranking – sempre disputando com a Bahia – do maior índice de desemprego do Brasil, foi muito trabalhado por alguns candidatos oposicionistas ao Governo de Pernambuco. Com a entrada desse novo governo, houve esforços, como a criação de uma secretaria específica para empreendedorismo e empregabilidade. Já no âmbito nacional, considerando o recorte do Governo Lula, o desemprego, no Brasil, cai drasticamente, temos a menor taxa dos últimos tempos (5,8%) e isso fez com que o desemprego diminuísse também em Pernambuco. 

Porém, nosso crescimento na diferença entre empregos de novos contratados e de pessoas demitidas não foi suficiente para Pernambuco sair dessa incômoda posição. O Governo do Estado, como todos os governos, tem trabalhado na redução, fez a lição de casa e evoluiu na criação de emprego, devido ao crescimento econômico do Brasil. Mas, além de sustentarmos o último lugar na taxa de emprego, estamos mais distantes da Bahia, que é o segundo colocado negativo, depois vem o Distrito Federal. 

Por meio do nosso polo industrial, com Suape, Hemobrás, Stellantis, criamos e conseguimos atrair muitas vagas de empregos na indústria que pagam melhor. Mas hoje as plantas são muito enxutas, têm baixa empregabilidade e não temos ainda o número suficiente de fábricas. O agribusiness, uma agricultura com muita tecnologia, também cresceu muito com a irrigação do São Francisco, gerando uma boa empregabilidade a partir da produção de uva e manga que, embora elevada, é também sazonal.

MANGA

Mas o padrão típico aqui é viver muito de serviços por causa do turismo, das praias e das grandes festas, como São João e Carnaval. A maioria da população vive dessas vagas de emprego que são voláteis e pagam menos.  O setor não possibilita a criação de vagas sustentadas com média salarial mais elevada a ponto de termos um desempenho melhor do que o restante da Federação. 

Portanto, por mais que tenham existido esforços do Governo do Estado e da Prefeitura do Recife, que é o município que cria o maior número de oportunidades com muitos postos de trabalho, ainda não há uma interiorização dessa empregabilidade. Essa interiorização poderia ter ocorrido se a Transnordestina tivesse evoluído, por exemplo. Porém, nosso Estado ainda é muito dependente da criação polarizada de postos de trabalho na Região Metropolitana do Recife e, infelizmente, seguimos no ranking como o estado com o maior número de desemprego. 

Isso é horrível, porque não somos o estado mais pobre, nem com menor infraestrutura, pelo contrário, somos uma grande potência no Nordeste, mas não conseguimos fazer o básico que é dar emprego às pessoas. Esse ranking mostra que estamos muito mal em termos de emprego. Evoluímos, crescemos, mas cabe ao Governo do Estado e aos municípios a criação de postos de trabalho para que Pernambuco evolua e saia dessa horripilante posição.

Um dos principais problemas seria a ausência de descentralização de oportunidades de emprego?

Sim. Claro que há outros fatores. O comércio varejista sentiu muita dificuldade por causa do e-commerce, dos grandes marketplaces. Há também reconfigurações diante do avanço tecnológico, pois o emprego tem mudado de cara. Profissionais como porteiros de edifícios, por exemplo, são substituídos por portarias eletrônicas. Contudo, ao mesmo tempo, criam-se outras oportunidades, no serviço, como é o caso do turismo. Então, tem-se o desempenho estrutural do desemprego, que não é só em Pernambuco. Se outros estados brasileiros estão com números de desemprego muito menos incômodos do que os nossos, há sinalização de que realmente o poder público tem que fazer mais, o papel do estado é fomentar emprego e o empreendedorismo, é fomentar situação de renda para a população. 

A partir do momento que se consegue isso, melhora-se, inclusive, a tributação, a receita, menos pessoas passam a depender de programas assistencialistas. Percebe-se que há um esforço, tivemos uma evolução, por exemplo, no número de creches, condição essencial para que as mulheres possam trabalhar fora. 

Mas ainda é necessário haver preparação da mão de obra, cursos profissionalizantes, cursos técnicos, novos negócios. Ou seja, o estado deve atuar na atração de novas empresas, no empreendedorismo, na preparação de pessoas e na conscientização dessas pessoas para o mercado de trabalho. Isso é uma situação complexa por causa da uberização. Devido a esse fenômeno, o jovem tende a imaginar que vai se dar bem empreendendo e que empreender é ter um trabalho com aplicativo de transporte. O que esse jovem não sabe é que, como motorista de aplicativo, vai ter que trabalhar, no mínimo, até os 65 anos de idade, sem se preparar para o futuro e talvez nem aguente essa vida durante muito tempo.

cursos tecnicos 1 1 senai

Como essa ideologia fantasiosa do empreendedorismo e da uberização impacta a empregabilidade?

Isso é péssimo, principalmente para os jovens do sexo masculino, pois quem dá continuidade aos estudos normalmente são as mulheres. O homem de 20 e poucos anos tende a abandonar a escola, financia um carro ou uma moto para trabalhar em aplicativo e acha que isso é empreender. Muitos cargos antes ocupados por homens estão sendo preenchidos pela população feminina. 

Ele não percebe que está interrompendo a construção de uma carreira, não está construindo conhecimento, ele tem um trabalho extremamente volátil. Se adoece, não vai ter renda. Poucos desses jovens contribuem [para a Previdência Social] como MEI, a maioria é informal, não paga o INSS, não tem uma retaguarda financeira. Eles não conseguem fazer uma reserva de emergência para um momento de dificuldade, ficam de 10 a 14 horas diárias trabalhando com a impressão de que são donos do próprio trabalho, do próprio tempo, que não precisam bater ponto, nem obedecer a ninguém e que vão enriquecer. Isso, na verdade, é um engodo, uma geração toda está se perdendo com a uberização. 

Não que a pessoa não possa fazer isso circunstancialmente, mas, manter-se nessa situação impede-a de entrar no mercado de trabalho em profissões formais. Então é bastante preocupante, tanto para o INSS, porque essas pessoas não contribuem e depois vão depender de benefício de prestação continuada, de assistencialismo, não têm recursos, não têm direito ao seguro-desemprego. Muitas pessoas estão sendo mal orientadas quando optam por isso, na tentativa de ganhar dinheiro no curto prazo, esquecendo do médio e longo prazo.

Então, a uberização está impulsionando o trabalho das mulheres?

Sim. Com a uberização e o fato de muitos homens optarem por esse empreendedorismo teoricamente fácil, tem aberto uma mudança característica no trabalho formal. Muitas mulheres estão ocupando esses espaços deixados pelos homens principalmente as operações administrativas e no varejo. Esse deslocamento de mulheres para atividades ocupadas culturalmente por homens pode ser um caminho sem volta. 

Mas elas enfrentam um problema cultural: a sociedade brasileira ainda vê a mulher como a responsável por cuidados com a família, com a casa. A partir do momento em que tem um filho, ela que tem a maior parte ou a total responsabilidade de cuidar da criança. Muitas delas saem do mercado de trabalho e quando retornam também têm dificuldade de recontratação. Muitas também começam a trabalhar tardiamente por achar que podem ser dependentes de um homem como provedor. Essa não é uma questão cultural superada, principalmente entre os evangélicos. 

Na maioria das faixas etárias, o maior índice de desemprego no Brasil é verificado na população feminina (6,9% contra 4,8% verificado entre os homens, segundo a Pnad Contínua). Existe ainda a questão étnica. Mulheres negras têm dificuldade muito maior para obter um emprego, principalmente os de melhor qualidade. Nesse recorte de gênero estamos, como eu disse, melhorando, mas é ainda preciso muito mais equidade.

A maior parcela de desempregados ainda é de jovens?

Sim, 17,4% no recorte de pessoas de 18 a 24 anos no Nordeste. Exige-se do jovem experiência, mas como ele será experiente sem oportunidade? O mercado demanda pessoas com experiência e com salários muito próximos ao salário mínimo. Em Pernambuco, a média de entrada hoje é de salário de R$ 1.950 aproximadamente. Ainda assim, mesmo em atividades remuneradas com esses salários, o jovem encontra dificuldades de ingressar no mercado de trabalho, especialmente diante da decadência do comércio tradicional, que costumava absorver essas pessoas em sua primeira experiência. 

Em contrapartida começamos a ter agora outra questão que são pessoas acima de 50 anos que, até pouco tempo, estavam próximas da aposentadoria, mas descobrem que, com a Reforma da Previdência, só vão se aposentar, a princípio, com 65 anos. Ainda têm 10 a 15 anos pela frente e o mercado de trabalho é extremamente seletivo para pessoas com mais experiência e mais idade, que encontram dificuldade em conquistar uma vaga. 

Antigamente, quando essas pessoas estavam desempregadas, elas empreendiam no comércio tradicional. Investiam o dinheiro da rescisão para abrir uma loja ou um salão de beleza. Mas hoje, como o varejo tradicional está com muita dificuldade e o e-commerce é dominado mais por jovens, há muita gente desempregada. Em Pernambuco, a taxa de desemprego é de 3,9%, entre pessoas de 40 a 59 anos e de 2,3% na população 60+. Os números parecem baixo porque elas são atendidas pelo Bolsa Família.

Precisamos de políticas públicas muito fortes na empregabilidade, na conscientização das empresas e na preparação psicológica de recondicionamento de carreira para essas pessoas.  É papel do estado ativo.  São essas pessoas que vão ficar desalentadas, não buscando emprego, dependentes do Bolsa Família, sem ter uma possibilidade de sair. É muito alarmante a bomba relógio que está sendo armanda. 

O estado tem que ser mais ativo dentro desse compromisso do emprego porque, numa sociedade capitalista complexa, uma pessoa sem emprego está acabada. O governo tem que ser atuante porque isso acaba sempre repercutindo na violência, na saúde física e mental. A pessoa empregada sente-se útil. Se ela gosta do que faz, se está bem remunerada, ela muda totalmente o seu comportamento. Se deixarmos os jovens ou as pessoas com mais idade desalentadas, o que vai ser da nossa sociedade futura?

Apesar do desemprego, alguns setores têm reclamado de falta de mão de obra. Por que isso acontece?

Ter 10,4% da população economicamente ativa desempregada não significa que essas pessoas tenham um perfil para trabalhar em certas atividades que estão demandando mão de obra. Hoje, para trabalhar na construção civil, por exemplo, é preciso ter formação, um treinamento especializado. O mesmo acontece com o setor de hospitalidade e turismo que carece de mão de obra, principalmente porque faltam profissionais forjados para aquele tipo de atividade específica. 

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Cabe ao estado verificar quais setores demandam trabalhadores e preparar mão de obra local, especialmente diante da migração. Antes, muitos pernambucanos iam para São Paulo, hoje muitos paulistas vêm para cá ocupar, principalmente, os empregos de hospitalidade. Não me refiro aos cargos gerenciais, são cargos operacionais. Precisamos de camareiras e outros profissionais de hotelaria no geral. 

Então, é preciso forjar essas pessoas dos setores da construção e hotelaria, por exemplo, para que mostrem competência para executar as funções com maestria. Não é só porque a pessoa está desempregada que teria um perfil para trabalhar em áreas complexas como o atendimento a pessoas, como é o caso do setor de serviços. 

Outra dificuldade nesses setores específicos é o fato de os empregadores não quererem pagar um pouco mais, nivelando todos pelo salário mínimo. Assim, ninguém quer trabalhar, inclusive sábado e domingo, para receber apenas R$ 1,6 mil. É preciso melhorar essas condições de trabalho. Uma pessoa trabalhando, por exemplo, final de semana, na escala 6×1, como é o padrão na hospitalidade, com bancos de horas muito pesados, sem praticamente ter nem finais de semana, é complicado.

Até que ponto a extinção da escala de trabalho 6×1, como tem sido reivindicada no País, poderia ajudar a reduzir o desemprego?

Essa escala foi permitida desde a nossa Constituição, e alguns setores já faziam uso dela. O que acontece hoje é que várias atividades econômicas, como shopping center, farmácias, logística e hospitais, funcionam aos finais de semana. A partir do momento que todas as atividades econômicas possam abrir sábado e domingo, cada vez mais vai se usar a escala 6×1. Se limitássemos essa escala apenas para atividades extremamente essenciais, indiscutivelmente seriam criados novos postos de trabalho. 

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