Transe e deixe transarem

*Por Beatriz Braga

Max morava ao lado do bar em que estávamos. Ele, com seu micro short prateado brilhante, jaqueta cinza e longos cabelos loiros, desceu para dar uma olhada no movimento da madrugada. Elogiei o look e viramos amigos. Mais cedo, um homem tranquilamente caminhava na rua vestindo apenas uma espécie de cueca descolada em um dia ensolarado. Na porta de uma loja, o aviso: “São Francisco aceita todo o tipo de gente”. O alerta chamava imigrantes sem documentos, qualquer raça, orientação sexual, gênero… “Seja quem for, você está seguro aqui”, completava.

Esta cidade é uma aula de convívio para o mundo. Nos bares, nas ruas, vemos casais gays, héteros, poliamor. Jovens e pessoas mais velhas frequentam as mesmas baladas na madrugada. É uma explosão de diversidade de cor, origens e carinho.
Max nos disse que SF é assim porque, em algum lugar, os “weirdos” tinham que se agregar. A minha aposta é diferente. Em essência, sob a superfície, todos nós somos weirdos. Somos feitos de um quebra-cabeça com centenas de peças diversas que fazem de nós quem somos. Mas ao crescermos em um lugar onde ser diferente não é ok, somos orientados a seguir o rebanho. Crescemos camuflados, tolhemos nossas peças dissonantes e não nos damos conta disso.

No Brasil, agora, homossexualidade pode ser considerada doença. Apesar de estar viajando no oásis californiano, hoje tomei café ao som das palavras odiosas de Trump. Aparentemente vivemos tempos bipolares. Enquanto uma parte do mundo evolui para celebrar a diversidade, outra retrocede. São Francisco é resistência. E nós, do lado verde e amarelo, andamos para trás. Por isso precisamos, cada um, ser um pedaço da resistência também.

O short prateado de Max é um exemplo banal, eu sei. Mas de onde eu venho, a maioria das pessoas não parecem estar preparadas nem para esse começo de liberdade. Quando penso em enfrentar os que confundem amor e doença, acredito que o time dos que acreditam na igualdade precisa estar fortalecido.

Estou rodeada de pessoas que constantemente levantam a bandeira da diversidade. Mas se estamos em um bar e alguém com um cabelo bem diferente entra pela porta, elas ainda vão olhar e comentar. O primeiro passo é reconhecermos nossas hipocrisias do dia a dia e lutarmos contra elas. Sejamos, simplesmente. E deixemos os outros serem também.

Quando um dos meus irmãos me contou que é gay foi um dos momentos mais felizes da minha vida por motivos que merecem um texto só para isso. O fato veio para mim naturalmente, como deve ser. No entanto, sempre achei muito estranho o fato de alguém precisar justificar por quem se atrai ou deixa de se atrair. Notei que as pessoas esperavam que eu fosse até elas e contasse a grande novidade.

O mesmo aconteceu quando uma das minhas melhores amigas se assumiu lésbica. As mesmas pessoas que reclamam de Malafaia, têm medo de Bolsonaro e postam arco-íris nas redes sociais, ainda falam coisas como “sabe quem é a nova lésbica da cidade? ”

Percebi que, na prática, as pessoas não sabem lidar com uma notícia que nem deveria ser notícia. Ser gay é um dos milhares de detalhes que fazem do meu irmão e da minha amiga dois dos seres humanos mais incríveis que a Terra já teve a sorte de abrigar. Nunca precisei justificar a minha preferência por homens e ninguém deveria ter que fazê-lo.

Sabe o que as pessoas fizeram quando um homem de tranças longas, barriga de fora e calça rosa pink passou na rua em São Francisco em um dia comum? Nada. “Eu fico achando que estou em um sonho”, falou um potiguar, que mora aqui com o marido, sobre ter encontrado o seu lugar no mundo. O nosso dever na vida é conceder a liberdade para o outro para ser quem se é em todos os níveis. Dos shorts prateados aos seus desejos mais profundos.

“You are safe here”, repito para mim com um suspiro brasileiro. Que inveja, São Francisco. Algo me diz que viajamos para entender e voltamos para lutar. Para estar lá, atenta, a cada comentário, constrangimento e olhar torto. “Transe e deixem transarem”, será meu lema constante. E quanto a você, São Francisco, está seguro dentro de mim.

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