*Por Francisco Cunha
Desde o redesenho, em 2003, do antigo traçado da ferrovia Transnordestina, com a criação do que se chamou de “Nova Transnordestina”, partindo de Eliseu Martins, no Piauí, e bifurcando em Salgueiro para os portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco), que sinto cheiro de queimado em relação à contemplação dos interesses de Pernambuco.
Nunca entendi, por exemplo, o porquê de a construção começar do interior para o Porto de Suape e, não, do porto para o interior como seria o mais lógico. Afinal, se fosse do porto para o interior, ela poderia ir sendo logo operada com o transporte de carga, tanto de importação quando de exportação ou, mesmo, distribuição interna, como era o caso de combustíveis cuja demanda é enorme, em especial após a instalação da Refinaria Abreu e Lima.

Depois, informaram que a bitola de Salgueiro para Pecém seria mista e a de Salgueiro para Suape larga, o que conferia ao trecho cearense muito mais competitividade. Sem falar do abandono pela concessionária da malha métrica centenária que interligava os portos do Nordeste Oriental (RN/PB/PE/AL) entre si e, eles, com o interior, além da criação de uma outra empresa que tratou de desativar progressivamente todos os trechos dessa região.
E o cheiro de queimado só fazia aumentar ao longo do tempo até que as labaredas surgiram, aos 45 minutos do segundo tempo do Governo Bolsonaro, entre o Natal e o Ano Novo em 2022, com a exclusão do trecho pernambucano do contrato de concessão. Aí, ficou explícita a urdidura nefasta de beneficiar Pecém em detrimento de Suape.

Depois de uma mobilização pernambucana, da qual fez parte ativa a Revista Algomais, conseguiu-se fazer com que o trecho eliminado do contrato de concessão fosse assumido pelo Governo Lula e passasse a fazer parte do novo PAC, com a previsão de um valor correspondente a 10% do custo estimado do trecho a ser concluído entre Custódia e Suape (algo em torno de R$ 400 milhões). Enquanto isso, a Sudene, por determinação do Ministério da Casa Civil, liberou R$ 5,6 bilhões dos Fundos de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e de Investimentos do Nordeste (Finor) e já assegurou até 2026 mais R$ 2,6 bilhões, praticamente a totalidade do FDNE até lá, para o trecho do Ceará.
Comparando os números e fazendo uma conta elementar, é possível concluir que, enquanto o Ceará já anuncia o começo do funcionamento do seu trecho para 2026, o pernambucano levará na melhor das hipóteses, 10 anos para ser concluído (se forem garantidos recursos anuais equivalentes a 10% do valor total, como ocorrido em 2025).
Isso, sem falar das dúvidas técnicas que remanescem para o trecho de Custódia a Suape considerando que a sua mera retirada do contrato de concessão tem implicações que levam, na prática, à necessidade de uma reconfiguração do próprio projeto. Por exemplo: como não mais será transportado minério de ferro para Suape desde o interior do Piauí (que só irá para Pecém), tem sentido manter a bitola larga nesse trecho já que ela requer um investimento bem maior e, por conseguinte, uma tarifa mais cara para cargas leves? Em sendo assim, o traçado deve permanecer o mesmo? Não seria o caso de implantar, pelo menos a bitola mista?

Além dessas, pelo que dá a entender da opinião de técnicos independentes, muitas outras questões são cabíveis, o que aponta para a necessidade de rediscussão da própria configuração da ferrovia. Todavia, o que se tem visto é a licitação para reinício da construção a partir de Custódia com as mesmas especificações técnicas do projeto original.
Para quem está na janela, como é o meu caso, observando as questões estratégicas relativas a Pernambuco há quase cinco décadas, salta aos olhos a atual falta de densidade política para tratar a questão da Transnordestina, um eixo logístico de fundamental importância para o desenvolvimento estadual. Quando se compara, então, com a mobilização que está sendo feita pelo estado do Ceará, chega a ser humilhante o vazio da articulação pernambucana.

Desde que Pernambuco perdeu importância nacional pela mudança do centro de gravidade da economia nordestina para à do Sudeste e pela brutal perda da maioria do seu território como represália à Revolução Pernambucana de 1817 e à Confederação do Equador de 1824 (Comarca das Alagoas e Comarca do São Francisco, respectivamente), observou-se a permanência de uma forte representação política com bancadas federais e estaduais expressivas e aguerridas. Fazendo um hiper-resumo histórico desse período, pode-se dizer que Pernambuco virou, no contexto nacional, um estado fraco do ponto de vista econômico, mas permaneceu politicamente forte, inclusive finalizando o Século 20 com a ascensão à Vice-Presidência da República de um natural do Estado (Marco Maciel) e iniciando o Século 21 com outro chegando à própria Presidência (Lula).
Mas nos dias que correm, a apatia em relação à garantia do trecho pernambucano da Transnordestina nas condições em que o Porto de Suape precisa é impressionante. Sem ele, o porto perde um requisito fundamental para a sua competitividade que é a retaguarda ferroviária. Não existe nenhum porto competitivo no mundo que não a tenha.
Pelo andar devagar quase parando da maria fumaça pernambucana e pelo que estou pressentindo daqui a pouco o processo de retomada vai ser interrompido por causa de indefinições técnicas e/ou falta de recursos, enquanto o trem-bala cearense vai chegar desembestado no Porto de Pecém.
Parece que Pernambuco virou uma espécie de gato maracajá do semiárido nordestino em expansão. Um destino muito triste para quem já foi considerado o Leão do Norte! Talvez só nos reste orar pela proteção do Padrinho Padre Cícero mesmo sabendo que ele era cearense...
