Uma Rota Para Revitalizar O Centro Do Recife - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Uma rota para revitalizar o Centro do Recife

Revista Algomais

O Centro do Recife na Rota do futuro propõe a revitalização da região central da cidade, a partir do resgate da habitação e da vitalidade urbana e econômica

O Centro do Recife, como o de muitas capitais brasileiras e mundiais, foi sendo fragmentado ao longo das décadas. Um verdadeiro processo de envelhecimento das cidades que, como um quebra-cabeça antigo, suas peças foram se desconectando em meio às inúmeras mudanças econômicas e sociais que o município atravessou. O esforço de reconectar esse território nasce com a concepção de um plano que é de longo prazo mas que, nos últimos meses, já conseguiu vitórias importantes. Algumas ações já têm resultados reais e concretos, enquanto outras apontam para uma regeneração dos bairros centrais nos próximos anos com horizonte em 2037, marco dos 500 anos da fundação do Recife.

Nas últimas décadas, por diferentes motivos, a cidade também perdeu algumas peças que foram atividades econômicas e se deslocaram para edifícios empresariais em outros bairros em ascensão. Parte do lazer de rua e mesmo do comércio foi reposicionado nos shoppings. A falta de estacionamento e a fuga dessas empresas levou também à saída de moradores. Associado a essas peças perdidas, diversos problemas de controle urbano, de mobilidade e, especialmente, de segurança combinaram em um incômodo cenário de abandono.

Desde a criação do Recentro – o Gabinete do Centro do Recife – há uma série de iniciativas que aponta para a remontagem desse quebra-cabeças que estão ancoradas no recém-lançado plano estratégico de desenvolvimento para a área central do Recife, O Centro do Recife na Rota do Futuro. O documento foi desenvolvido em parceria pelo Recentro, pela Aries (Agência Recife para Inovação e Estratégia) e pelo ICPS (Instituto da Cidade Pelópidas Silveira).

“Nesse processo participativo, usamos diversos instrumentos para garantir que a escuta fosse plural, como é a cidade. Fizemos reuniões com a instância de governança do Recentro, com universidades, com a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), com representantes da cultura e com outros diversos atores estratégicos. Também realizamos uma pesquisa de percepção, tanto presencial quanto online, que teve mais de 12 mil respostas. Com isso, conseguimos mapear as dores, os desejos, os potenciais e a visão de futuro que as pessoas têm para o Centro do Recife”, afirmou Mariana Pontes, diretora-presidente da Aries.

Marina Pontes Evento CITinova Recife Foto Giselle Cahu

"Fizemos reuniões com universidades, com a CDL, com representantes da cultura e outros atores, e uma pesquisa de percepção que teve mais de 12 mil respostas. Conseguimos mapear as dores, os desejos, os potenciais e a visão de futuro que as pessoas têm para o Centro do Recife". Mariana Pontes

A estratégia de revitalização, segundo Mariana, está ancorada no conceito “Habitar o Centro”. Essa visão propõe não apenas o retorno das moradias à região mas, também, o resgate da vitalidade urbana e econômica por meio de uma ocupação multifuncional, com circulação de pessoas ao longo do dia e oferta diversificada de serviços. Para isso, o plano se sustenta em três pilares: dinamização econômica, desenvolvimento sociocultural e resiliência ambiental. 

Na prática, o plano se desdobra em programas e projetos que traduzem esses eixos em ações concretas. Entre os destaques estão o Centro para Morar, que incentiva a habitação na área central; o Centro Inclusivo, voltado à equidade no uso do espaço urbano; e o Centro Histórico Dinâmico, que valoriza o patrimônio com novas funções. Outros programas incluem o Centro Seguro, focado na segurança, o Centro em Movimento, com foco na mobilidade, e o Centro Parque Resiliente, que integra soluções ambientais à paisagem urbana.

Esse quebra-cabeça não é composto apenas pelo Bairro do Recife, que já tem um processo mais acelerado de recuperação desde a chegada, décadas atrás, do Porto Digital e de empreendimentos mais recentes, como o Moinho Recife. Mas o desafio de regeneração contempla a ilha de Antônio Vaz e parte do também histórico bairro da Boa Vista.

Ciro Pedrosa, gerente de projetos da Aries, explicou ainda que além da escuta popular e dos diversos estudos já realizados sobre esse território, o plano levou em consideração também a experiência de outras cidades que enfrentam o mesmo problema de esvaziamento e decadência dos seus centros urbanos. “É o que a gente chama no plano de benchmarking, que é o olhar para outras cidades. Estudamos casos como o do Rio de Janeiro, que teve o processo de revitalização da região central, principalmente da área portuária. Olhamos também para a cidade do Porto, em Portugal, para Nantes, na França. A ideia era justamente ver o que essas outras cidades fizeram e fazem com suas áreas centrais para inspirar aqui o nosso desenho de estratégia para o Centro do Recife”. 

Ciro Pedrosa Oficina Plano do Centro 2024 Foto Giselle Cahu 2

"Estudamos o Rio de Janeiro, que teve o processo de revitalização da região central, principalmente da área portuária. Olhamos também para Porto, em Portugal, e Nantes, na França. A ideia era ver o que essas cidades fizeram e fazem para inspirar nossa estratégia." Ciro Pedrosa

Uma das gratas surpresas desse processo de escuta popular foi o desejo forte de metade da população (49,4%) de morar no Centro, caso houvesse oferta de moradia. Quando questionados o que mais esperavam do futuro dessa região, 87% responderam que desejavam que fosse mais segura e limpa. 

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O QUE JÁ ESTÁ EM TRANSFORMAÇÃO

O plano indicou dois caminhos para alcançar a reestruturação do Centro, que  já apresentam resultados visíveis. Um deles é a reabilitação urbana (por meio da preservação e requalificação de áreas antigas, integrar o território às dinâmicas contemporâneas, sem perder sua identidade histórica e cultural) e a dinamização econômica (a partir do “fortalecimento, diversificação e modernização das atividades econômicas no Centro do Recife”).

Um dos marcos desse processo foi a Lei do Recentro que, além de criar o Gabinete, oferecia redução ou isenção do IPTU e outras taxas para quem recupera imóveis no Centro. No início, havia burocracias que dificultavam o acesso ao incentivo fiscal. Porém, mudanças foram introduzidas que facilitaram esse acesso.

Quatro anos após o lançamento da lei, a secretária Ana Paula Vilaça já apresenta resultados desse esforço, como ter conseguido aprovar 37 obras de restauros em prédios nos bairros centrais, que somam 90 mil m² de imóveis em reabilitação. Após a aprovação da lei que incentiva os retrofits, o Gabinete havia aprovado apenas um empreendimento no seu primeiro ano de funcionamento, em 2022, e seis projetos no segundo. A mudança que facilitou o acesso ao benefício fiscal fez o número saltar para 31 imóveis aprovados em 2024. Cada imóvel é uma nova peça nos 3,5 mil edifícios dos bairros centrais (na Zona Especial de Preservação do Patrimônio Cultural do Bairro do Recife, de Santo Antônio, São José e de parte da Boa Vista). O diagnóstico estruturado pelo Recentro identificou apenas no Bairro do Recife 417 imóveis. Desses, 232 estão em funcionamento mas 23 estão em abandono e 85 fechados. Apesar do caminho ainda ser longo, os quase 40 imóveis em processo de restauro, com alguns projetos bem icônicos como o Moinho e o Edifício Sertã, representam um início relevante da retomada desse território. 

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Além do avanço dos projetos de retrofit no Centro, Ana Paula Vilaça destacou a retomada de algumas atividades econômicas e o surgimento de novas construções, com aportes milionários, que estão reanimando o território. Ao todo, já são 350 empreendimentos contabilizados pela Prefeitura do Recife, que somam R$ 450 milhões de investimentos privados. Os maiores projetos dessa retomada são o Novotel Marina e o Recife Expocenter, que se consolidam como uma âncora da atividade turística e de eventos no Centro.

“Estamos percebendo o interesse e a volta dos investidores privados para essa região central da cidade. Foram gerados mais de cinco mil novos empregos nesses empreendimentos. Quem trabalha na região percebe como ela vem mudando nos últimos anos, com mais empresas funcionando e mais pessoas trabalhando”, afirmou Ana Paula Vilaça. 

Ana Paula Vilaca
Quatro anos após o lançamento da lei que oferece incentivos fiscais para quem recupera imóveis no Centro, a secretária Ana Paula Vilaça já apresenta resultados, como ter conseguido aprovar 37 obras de restauros em prédios nos bairros centrais, que somam 90 mil m² .

DESAFIOS PARA ACELERAR A RECUPERAÇÃO URBANA CENTRAL

O processo de aprovação de um projeto de revitalização de um imóvel histórico e de encontrar a sua viabilidade comercial não é fácil. Mas, diante do desejo dos empreendedores de investirem na região e de moradores de habitarem o Centro, há um esforço, dos setores mais técnicos da arquitetura e da engenharia de encontrar soluções sustentáveis, como do setor jurídico para preparar as empresas e os ativos imobiliários para viabilizar os contratos. 

“O retrofit representa uma oportunidade estratégica para transformar o Recife sem apagar sua história. Mas, para isso, é preciso união de várias instâncias, do Iphan, da Prefeitura do Recife, da Câmara dos Vereadores, da Secretaria de Patrimônio da União, além das instituições financeiras e dos investidores”, afirmou Thiago Bezerra, sócio da Área Imobiliária de Urbano Vitalino Advogados.

Thiago Bezerra

"O retrofit é uma oportunidade para transformar o Recife sem apagar sua história. Mas é preciso a união de várias instâncias: do Iphan, da prefeitura, da Câmara dos Vereadores, da Secretaria de Patrimônio da União, das instituições financeiras e dos investidores." Thiago Bezerra

Durante um evento específico sobre retrofit, promovido pelo escritório no início deste mês, Thiago Bezerra ressaltou que há possibilidades de investimentos em imóveis para obter benefícios nas atividades de construção, recuperação total ou parcial, renovação, além dos serviços de manutenção. No caso da capital pernambucana, os incentivos em impostos como o IPTU, o ITBI e as taxas de licenciamento urbano e ambiental representam uma atratividade para os investidores, mas há uma complexidade relevante na preparação das empresas para aproveitar as oportunidades e minimizar os riscos.

Além dos incentivos já em vigor, há uma expectativa no mercado acerca da Nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), que será aprovada neste ano. Os players do setor esperam que a atualização legal incentive ainda mais a reocupação residencial desses bairros. 

Além dos retrofits, o presidente da Ademi-PE, Rafael Simões, defendeu também que seja considerado o incentivo para novas construções nos bairros centrais. “É possível conviver o antigo com o novo. Retrofit é importante, mas é insuficiente. Novas construções devem ser incentivadas nas áreas centrais também. Os centros podem voltar a ser protagonistas”.

Rafael Simoes Recife

"É possível conviver o antigo com o novo. Retrofit é importante, mas é insuficiente. Novas construções devem ser incentivadas nas áreas centrais também. Os centros podem voltar a ser protagonistas." Rafael Simões

Nas suas sugestões de calibrar a legislação para incentivar o setor imobiliário nas regiões centrais, Rafael Simões sugeriu estender os incentivos de imóveis para habitação também para os empreendimentos turísticos. Além disso, permitir também para o greenfield (novas construções) os benefícios fiscais que hoje são voltados para os retrofits.

Outro projeto que está cercado de expectativas e também foi apresentado no evento é o Distrito Guararapes. Desenvolvido pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), ele projeta uma grande transformação na região da Avenida Guararapes, contemplando a regeneração do desenho urbano de 14 hectares. 

Apresentado pelo analista do banco, Raphael Azeredo, o Distrito Guararapes tem entre inúmeras propostas o projeto de arquitetura para 35 ativos imobiliários, a requalificação dos espaços públicos e novos desenhos de ruas e passeios que priorizam os pedestres e os ciclistas. Para estimular a transformação urbana, o BNDES propõe a indução por  benefícios (a exemplo dos incentivos fiscais do Recentro e do “Potencial Construtivo Adicional condicionado ao Retrofit habitacional) ou por “desconforto” (com a arrecadação de bens abandonados e pela utilização compulsória). 

A novidade trazida por essas ferramentas, em articulação com a nova LPUOS, é a introdução do chamado potencial construtivo adicional. Por meio desse instrumento, quem realizar obras de reforma ou retrofit com finalidade habitacional dentro do perímetro aprovado pelo Recentro poderá submeter projetos em áreas de Boa Viagem e do Pina com a possibilidade de adquirir esse benefício urbanístico, que permite construir além do limite básico estabelecido para determinada área.

A reconstrução do Centro do Recife exige articulação e persistência, mas as primeiras peças de transformação já começam a ser posicionadas no território e nos números. Com a combinação de incentivos fiscais, escuta participativa, parcerias institucionais e um planejamento urbano ancorado em boas práticas internacionais, a capital pernambucana começa a reverter décadas de esvaziamento. O desafio agora é sustentar esse movimento, acelerar os mecanismos que viabilizam retrofits e a restauração do espaço público rumo aos 500 anos do Recife.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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