*Por Rafael Dantas
Há uma década, quando apenas começaram as obras do polo automotivo, quem liderava as exportações do Estado era o tradicional setor açucareiro. Em pouco tempo, os veículos, fabricados em Goiana, e os óleos combustíveis, produzidos em Suape, se tornaram os principais produtos made in PE a atravessar as fronteiras do País. Uma transição histórica que reposicionou Pernambuco no mercado global, passando a integrar duas cadeias produtivas de valor agregado mais elevado.
Apenas um ano após o início da operação da fábrica da Stellantis, em 2015, os veículos já deixaram bem atrás a exportação de açúcar. De acordo com levantamento da TACTIC - Inteligência de Mercado, em 2016, o setor foi responsável por exportar em valores o total de US$ 304,4 milhões. Neste ano, a liderança foi dos combustíveis, que alcançou o patamar de US$ 342,9 milhões, enquanto que o setor de açúcar alcançou US$ 132,8 milhões.
“Em 2012, os automóveis representavam apenas 0,04% das exportações de Pernambuco. No mesmo ano, os principais segmentos da nossa pauta eram embarcações (produzidas pelos estaleiros) e açúcar, representando 30% e 25%, respectivamente. Apenas em 2016, a exportação de automóveis atingiu uma participação robusta, representando 21,5%. Nesse ano, é possível verificar a saída do açúcar (9%) como principal produto exportado”, afirmou João Canto, sócio-fundador da TACTIC e diretor-executivo do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia).
O auge do volume financeiro das exportações da montadora foi em 2017. Mesmo com a redução das vendas para o exterior nos anos seguintes, o setor segue se revezando entre primeiro e segundo lugar na pauta pernambucana. “Em 2017, atingiu o pico de US$ 736,5 milhões exportados, representando pouco mais de 37% da pauta exportadora. Naquele ano, os automóveis passam a assumir a liderança, seguido de combustíveis minerais (18%) e plásticos (12%). Importante apontar que entre 2012 e 2017, o crescimento das exportações de Pernambuco foi de 48,9%”, declarou Francisco Mendonça, sócio-fundador da TACTIC.
A partir de 2018, as exportações de automóveis tiveram uma queda, mas o setor se manteve atrás apenas dos combustíveis minerais (conforme o gráfico abaixo).
Um dos fatores que motivou o impulso da exportação de combustíveis foi a política de preços da Petrobrás, que elevou o valor do produto, além do próprio cenário internacional. “As circunstâncias atuais da economia são muito complexas, recém-saídas do pior período da pandemia e com a guerra no Leste Europeu. O efeito chicote, após a demanda de consumo reprimida pela crise econômica e pela Covid-19, aumentou muito o preço do produto”, afirmou Werson Kaval, economista e professor do Departamento de Pós-Graduação em Gestão de Negócios do Unit- -PE (Centro Universitário Tiradentes).
Sobre a queda nas exportações do polo automotivo entre 2017 e 2020, o consultor Mauricio Laranjeira, CEO da Continentes Consultoria, explica que uma das causas foi a crise na vizinha Argentina, principal destino dos veículos fabricados em Goiana. O desarranjo na economia dos hermanos fez a empresa apostar em outros países para levar seus produtos.
“O principal motivo que impactou a exportação de automóveis, não só em Pernambuco, mas em todo o Brasil, foi a crise argentina. Como o país era o principal destino das nossas vendas, os números foram impactados, e a indústria começou um trabalho de diversificação de mercados, e passou a exportar para outros países, tais como o México, Colômbia, Chile, Peru, entre outros. Fora o fator Argentina, em 2020 tivemos o grande impacto da pandemia na indústria, com a falta de componentes e de mercado, além do fantasma da falta de competitividade que ronda as exportações brasileiras de produtos industrializados”, declarou Laranjeira.
De acordo com Mateus Marchioro, plant manager da Stellantis, entre 12% e 15% do total de veículos produzidos em Goiana são destinados às exportações. A empresa vem operando com sua capacidade máxima atualmente, um volume de mil carros por dia.
Além do seu papel nas exportações, o polo automotivo é também líder nas importações, mesmo tendo 75% dos seus fornecedores nacionais. “O polo automotivo é o maior importador de Pernambuco, adquirindo as partes e acessórios para a montagem dos veículos num valor aproximado de US$ 1,7 bilhão, representando em torno de 25% das importações do Estado. Goiana se beneficiou da dinamização resultante da instalação da montadora e de suas sistemistas na região e se tornou o segundo município pernambucano em exportações e importações”, afirmou Carlos Fontes, coordenador do Centro Internacional de Negócios da Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco).
IMPACTOS DA TRANSIÇÃO
Quando os protagonistas pernambucanos no mercado global mudam, há um efeito interno também no cenário de internacionalização da nossa economia. Na avaliação de Fontes, a liderança dessas novas cadeias produtivas sofisticou a infraestrutura local, estimulou as atividades do segundo setor e atraiu novos players de outros países. “Os reflexos da instalação de uma empresa do porte da Stellantis para a indústria pernambucana ocorrem com uma maior dinamização do parque industrial do Estado, havendo uma melhoria e adequação da infraestrutura portuária para movimentação de cargas, bem como atração de outros empreendimentos complementares, gerando mais investimento na economia e tornando o ambiente econômico mais atrativo para outros grupos internacionais”.
Além das mudanças promovidas no Estado, Maurício Laranjeira ressalta que a transição dos líderes da comercialização internacional ampliou o leque de países com os quais o Estado tradicionalmente compra ou vende. “Refletiu nos países com os quais mantemos relações comerciais, com o surgimento de novas nações como destino ou origem das nossas vendas e nossas compras, bem como com o aumento do comércio com países com os quais já tínhamos algum relacionamento comercial, mas cujos números aumentaram bastante devido aos automóveis, como é o caso das importações da Itália e do Japão”.
Singapura, que é o principal mercado dos combustíveis de Suape, lidera como destino da maioria das exportações pernambucanas. Na sequência, entre os cinco primeiros lugares, estão países da América Latina que recebem veículos do polo automotivo, como Argentina, México e Chile.
“Nos primeiros sete meses de 2022, exportamos cerca de US$ 270 milhões em automóveis, cerca de 18% do nosso total de US$ 1,5 bilhão em exportações. Ao olharmos para os 10 principais destinos de nossos produtos, temos uma grande participação do polo automotivo. Para a Argentina, metade de tudo o que vendemos é de automóveis, o mesmo ocorre com o México. Para o Chile, os automóveis representam 75% das nossas vendas, o que é um percentual extremamente alto”, destacou Laranjeira.
Os nossos fluxos de importações e exportações, que têm diversificado a nossa pauta na balança comercial, contribuem, segundo analistas, para estimular novos negócios para os empresários locais, além de impactar a própria cultura dos atores econômicos de Pernambuco. “Isso se reflete na cultura empresarial na medida que as empresas devem fornecer serviços de extrema qualidade a players do porte da Stellantis e, portanto, tendo que adotar práticas empresariais que estejam alinhadas às do mercado”, avalia Laranjeira.
TENDÊNCIA DE CRESCIMENTO
Com o reaquecimento das atividades econômicas, após os piores dias da pandemia, as exportações pernambucanas cresceram 33,1% entre 2021 e 2022. A aceleração segue acontecendo em 2022, quando comparamos com o primeiro semestre do ano passado. “No ano de 2022, de janeiro a julho, observamos um crescimento de 28,6% nas exportações de Pernambuco, quando comparado com o mesmo período de 2021. As exportações do setor automotivo cresceram em torno de 45% no ano de 2021 e neste ano de 2022, de janeiro a julho, o crescimento está em torno de 22%. Portanto, a tendência é de aumento nos valores e nas quantidades exportadas pela economia pernambucana e pelo setor automotivo, por consequência, com uma maior participação do setor automotivo na pauta de exportações do Estado”, declarou Carlos Fontes.
Para o setor de combustíveis, o único no Estado que possui um volume maior exportado do que o polo de Goiana, as previsões também são positivas, ao menos para 2023. “As exportações para esse setor tendem a ter maior demanda, o que é importante para a balança comercial de Pernambuco. Por outro lado, o esperado efeito de crescimento do preço nas bombas, após a PEC Kamikaze que só segue até dezembro, deve representar um impacto grande no preço para o consumidor. E essa conta deve vir para 2023”, declarou Werson Kaval. O economista lembra que o setor de açúcar segue sendo um forte exportador do Estado, principalmente para os países africanos.
Com o avanço do polo automotivo e da produção de combustíveis e os novos investimentos do Complexo de Suape, o cenário de exportações e importações de Pernambuco pode ser acelerado nos próximos anos.
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