10 e outras razões contra o distritão - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

10 e outras razões contra o distritão

Rafael Dantas

*Por Maurício Costa Romão

A proposta de substituir o sistema proporcional brasileiro de voto pelo modelo majoritário “distritão” continua avançando na Câmara dos Deputados (no bojo da PEC 125/11), com riscos de ser aprovada.

Agenda TGI

Tudo isso inobstante a advertência de especialistas e de organizações da sociedade civil (Manifesto sobre reforma partidário-eleitoral em curso no Congresso Nacional, maio 2021) de que tal mudança se constitui num tremendo retrocesso político-eleitoral, jogando por terra as mais importantes conquistas da reforma eleitoral de 2017.

Ao fim e ao cabo a adoção imediata do distritão para o pleito de 2022, ainda mais como modelo transitório, visa a tão-somente socorrer parlamentares com dificuldades de reeleição por conta do fim das coligações proporcionais, e a dar sobrevida financeira a partidos sem musculatura de voto para atenderem à cláusula de barreira eleitoral.
Depois, é cediço que o modelo sugerido, em que pese sua simplicidade (inteligibilidade) e o mérito de sempre respeitar a vontade do eleitor, elegendo os mais votados (a chamada “verdade eleitoral”), tem algumas características reprováveis.

Primeira. Reduz o pluralismo político, já que com o mecanismo em questão o Parlamento deixa de refletir a proporcionalidade dos segmentos sociais;

Segunda. As minorias perdem influência e reduzem sua participação na esfera legislativa, assim como grupos subrepresentados institucionalmente, como o das mulheres;

Terceira. Os partidos são relegados a papel sem importância. A ênfase é toda centrada no indivíduo;

Quarta. Aumenta a personalização da representação, sinalizada desde a campanha e salientada no exercício da atividade parlamentar;

Quinta. Há supervalorização de pessoas famosas, prováveis campeãs de voto, em detrimento da qualidade da representação;

Sexta. Existe competição acirrada entre candidatos do mesmo partido, lutando para figurarem nas primeiras colocações do pleito;

Sétima. Há pouca ligação entre o parlamentar e sua base (ausência de accountability), pois o distrito é grande, plurinominal;

Oitava. Há pouca renovação da representação (propicia chances de maior recall dos eleitos);

Nona. Favorece a influência do poder econômico (o candidato precisa figurar entre os primeiros colocados);

Décima. Os votos conferidos aos não eleitos são completamente descartados (wasted votes).
Sobre este último aspecto, matéria recente de Bruno Boghossian e Ranier Bragon (Folha de S. Paulo, 19/06/2021) mostra, com base na eleição de 2018, que se o distritão for implantado para 2022 cerca de 70% dos votos válidos poderão ser descartados. Grosso modo, isso quer dizer que os votos de aproximadamente 69 milhões de eleitores dados aos seus preferidos não terão valor algum na próxima eleição.

Visto sob outro ângulo, apenas 30% dos votos válidos (cerca de 29 milhões de votos) iriam para candidatos eleitos, o que significa que 30% dos eleitores seriam representados no Parlamento, ao passo que 70% não seriam.
Esse descarte de votos é tóxico para a democracia: o descontentamento paulatino e crescente de grande parte do eleitorado devido à reiterada desconsideração de sua vontade nas urnas vai potencializando o alheamento eleitoral (um dos fatores de o Japão abandonar o distritão em 1993). O já abissal fosso entre representantes e representados aumentaria ainda mais.

Da mesma forma são desconsiderados também os votos em excesso dos que se elegeram. Por exemplo, em Pernambuco os votos do primeiro colocado para deputado federal em 2018 (460.387 votos) têm o mesmo peso dos votos do último colocado entre os 25 eleitos (52.824 votos). Em São Paulo, na mesma eleição, o mais votado (1.843,7 milhão de votos) se equivale ao menos votado entre os 70 eleitos (69.256 de votos), etc.

Vale salientar ainda que o modelo distritão pode gerar sub ou sobre-representação de algumas áreas ou regiões do grande distrito. De fato, em determinada eleição os mais votados podem estar concentrados em certas localidades do distrito (na região metropolitana, por exemplo), causando assimetria na representação.

Troca de sistema eleitoral no mundo democrático contemporâneo é algo que se aventa de quando em vez, mas que ocorre raramente. Dada sua transcendência, deveria mobilizar o país, pois diz respeito a uma mudança estrutural no seu aparato institucional e é vista como veículo de consolidação de sua democracia. Envolve transparência, ampla discussão parlamentar, debates na sociedade e, se for o caso, concebida para implantação de forma programática e duradoura.

A mudança esboçada atualmente, ao contrário, é feita de forma açodada, interna corporis, já para viger em 2022 e, pasme-se, como mecanismo transitório, para logo em seguida, em 2024, se implantar outro sistema, completamente diferente. O Brasil vai ser traumatizado com trocas radicais de sistemas de voto e conviver com três deles em um espaço temporal de três anos!

Uma combinação de casuísmo com agressão ao bom senso e escárnio com a população.


*Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

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