“Nós somos a cidade. Nós somos o trânsito, nós produzimos o lixo, a energia. Portanto, nós somos, ao mesmo tempo, o problema e a solução. A partir do momento em que eu sou sustentável, estou fazendo uma cidade mais saudável”. A provocação do arquiteto Roberto Montezuma sobre a participação cidadã nas transformações urbanas indica um caminho que passa pela conscientização popular e por atitudes transformadoras. E, de forma geral, elas começam em um novo modelo de consumo.
De acordo com a vice-coordenadora do curso de Ciências do Consumo da UFRPE, Laurileide Silva, o incentivo ao consumismo que existia no mundo anos atrás começa a ser repensado. “A partir do início desta década, o mundo compreendeu que os nossos recursos são finitos e que o modelo de vida norte-americano é insustentável. Temos que repensar nossas formas de produzir e consumir, com ênfase para reaproveitar, reciclar e reutilizar”, sugere a acadêmica.
O servidor público Sérgio Andrade Lima, 49 anos, é um adepto da permacultura. Esse sistema propõe a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza. “Estou preocupado com tudo o que consumo, seja roupa ou alimentos. Procuro saber de onde vem esses produtos”, explica.
Na prática, ele prioriza adquirir alimentos que são produzidos regionalmente e, quando possível, consome produtos de feiras agroecológicas. Ele tem como costume comprar o tecido no mercado e encomendar as roupas por lá mesmo. “Isso não quer dizer que eu nunca compre em um shopping. Mas essa é uma forma de estimular um desenvolvimento local e sustentável, com menos gastos de energia e de combustíveis fósseis na sua cadeia de produção”, afirma Sérgio, que é agrônomo de formação. Outras práticas sustentáveis são a reciclagem e realização anual do plantio de árvores em um sítio que possui.
Mestranda em Extensão Rural na UFRPE, Maria Clara Dias, 32, também mede sua forma de consumo e de usar a cidade a partir de princípios da sustentabilidade. Uma das práticas que entraram no seu hábito diário é o uso da bicicleta para a maioria dos seus deslocamentos urbanos. “Hoje vejo a bike como um meio de andar no Recife sem perder tanto tempo no trânsito. Conseguimos nos deslocar mais rápido. Além de garantir uma condição mais saudável de vida”, afirma Clara. Ela mantém algumas práticas de compras dentro do viés da sustentabilidade. “Procuro comprar em feiras e estabelecimentos próximos a minha casa”, afirma. Antes, quando morava em Mossoró (RN), Clara comprava produtos agroecológicos. Uma prática que ficou difícil na capital pernambucana, devido aos horários e à distância para as feirinhas.
Além das compras conscientes, da reciclagem e do deslocamento com meios não poluentes, uma série de outras práticas tem sido introduzida no cotidiano da população. Para Laurileide, o avanço dessa atitude sustentável acontece pela própria necessidade de cada local enfrentar os seus problemas mais agudos. “Quanto mais o recurso é escasso, mais existe essa mudança no comportamento. No Sertão, por exemplo, várias metodologias para reaproveitamento da água estão em uso. Aqui no Recife há uma grande motivação em usar energia solar, porque o consumo da eletricidade é muito alto. Várias pessoas estão recorrendo a essa matriz energética porque a conta de luz é absurda”, exemplifica.
A maior motivação cidadã pelas práticas sustentáveis tem sido o pontapé para o surgimento de vários negócios para atender essa demanda. A Less is More, por exemplo, nasceu com a proposta de ser uma loja virtual de moda que aposta no consumo consciente. “Nossa proposta vai de encontro ao fast fashion, que é aquele tipo de consumo de roupas legais, mas que não têm durabilidade nem qualidade, que são extremamente descartáveis”, afirma a proprietária Márcia Botelho. A loja comercializa roupas, bolsas, sapatos e outros produtos, em sua maioria de designers brasileiros, com perfil de médios e pequenos empreendedores. Ela aposta ainda numa seção chamada Armário Enxuto, que é um espaço de troca de peças.
Para o secretário estadual de Meio Ambiente, Sérgio Xavier, introduzir o paradigma da sustentabilidade passa pela transformação do perfil econômico dos municípios. “É a economia que define os rumos da cidade. Nosso modelo é baseado na geração de muito resíduo, que desperdiça muita energia, emite muita poluição de gases. Sem mexer nesse modelo fica difícil buscar uma solução”, adverte. A economia do compartilhamento e as energias renováveis são algumas das tendências que estão se consolidando.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais