Grupo JB chega aos 60 anos e sua diretora executiva, Carolina Beltrão, conta a trajetória da empresa que começou com um pequeno engenho produtor de aguardente e hoje atua no mercado de etanol, açúcar, energia e CO2, tem cinco mil empregados e operações em Pernambuco e no Espírito Santo.
Saber perceber as oportunidades do mercado para impulsionar os negócios tem sido uma estratégia de sucesso de muitas empresas. Ao completar 60 anos este mês, o Grupo JB foi uma das companhias do setor sucroenergético que direcionou os investimentos de acordo com as novas realidades que se apresentavam na economia brasileira e global. De um pequeno engenho que fabricava aguardente, a atuação do grupo expandiu-se para a produção de etanol, impulsionado pela política do Pro-Álcool dos anos 1980.
Com a Crise do Apagão, no início dos anos 2000, os negócios expandem para a cogeração de energia elétrica a partir de biomassa de cana. Em seguida, as preocupações com as mudanças climáticas e a oportunidade de abastecer a indústria de alimentos e bebidas, levou o grupo a fornecer o dióxido de carbono puro grau alimentício, em vez de jogá-lo na atmosfera.
Hoje o Grupo JB engloba três empresa: a Companhia Alcoolquímica Nacional, a Carbo Gás (ambas em Vitória de Santo Antão) e a Lasa Bioenergia (em Linhares, no Espírito Santo) e emprega cinco mil pessoas. Para saber mais sobre a trajetória da empresa nessas seis décadas, Cláudia Santos conversou com Carolina Beltrão, diretora executiva do Grupo JB. Ela também abordou alguns gargalos enfrentados pelo setor sucroenergético, como a infraestrutura dos portos e a escassez de mão de obra.
Fale um pouco sobre a trajetória da empresa. Como ela começou?
Começou em 1964, com meu avô. No último dia 16, comemoramos 60 anos. Começamos, como muitas usinas de Pernambuco começaram: um engenho pequenininho que fazia só aguardente. Um dos nossos primeiros clientes foi um o Engarrafamento Pitú porque nossa usina fica em Vitória de Santo Antão.
Também vendíamos para outros engarrafamentos que havia por perto. Quando meu avô faleceu muito jovem, meu pai e meus tios tiveram que tomar conta do negócio. Eu sou a terceira geração, com cara de segunda geração, porque o grupo cresceu mesmo na mão do meu pai e dos meus tios. Em 1980, quando aconteceu o Pro-Álcool, enxergamos o tamanho da oportunidade que se abriu. Foi um boom no negócio, tanto que, em seis meses, construímos uma destilaria nova com recursos próprios.
Consequentemente, entramos também pesado no comércio exterior, exportando e importando muito álcool. Trazíamos um tipo de álcool, reprocessava, mandava embora outro tipo. Fazíamos isso junto com outras usinas de Pernambuco e da Paraíba. Devido a essa movimentação com o comércio exterior, construímos, junto com esse grupo de usinas do Nordeste, um terminal de graneis líquidos na Paraíba que impulsionou nossas operações de importação e exportação de álcool. Mas hoje, graças a Deus, esse terminal tem tantos clientes que não é possível mais fazer esse movimento de exportação lá.
Nessa época em que abrimos essa destilaria de álcool, com muita importação e exportação, conseguimos nos capitalizar bem. Sempre fomos um grupo inquieto, que não se acomodou e sempre de olho em possibilidades que pudessem levar a JB a um novo patamar. No início dos anos 2000, quando o Brasil enfrentou a Crise do Apagão, já gerávamos nossa própria energia, éramos autossuficientes. Então, montamos uma nova termoelétrica com biomassa, a primeira de Pernambuco, queimando o bagaço da cana para gerar energia. E, assim, surgiu outro negócio dentro do que já tínhamos. Em 1996, adquirimos a empresa Lasa Linhares Agroindustrial, no Espírito Santo, numa estratégia para garantir que tivéssemos produção de álcool durante o ano inteiro, já que as safras da região Nordeste e Sudeste acontecem em períodos distintos, sendo complementares. O passo seguinte foi uma nova ampliação das nossas atividades. Fizemos investimentos em aquisição de terras e processos agroindustriais para entrar na indústria alimentícia por meio da produção de açúcar a granel.
Com o bagaço da cana, vocês geram energia para o consumo próprio e para o mercado?
Nos anos 2000, conforme mencionei, instalamos a termoelétrica para consumir nossa própria energia e sobrar para colocar no mercado. Hoje, a gente vende muita energia diretamente para a Eletrobras, temos um contrato de alguns anos, por meio do Programa de Energias de Fontes Alternativas [Proinfa]. A operação é daqui de Pernambuco e tudo que sobra vai para o Proinfa, lá no Espírito Santo, no mercado livre. É importante ressaltar que, na crise energética de 2001, quando o governo brasileiro conscientizou a todos de que não poderíamos deixar nossa nação sem energia, surgiram várias fontes alternativas, e fizemos parte disso. Ajudamos o Brasil a passar por aquela confusão em que era preciso diminuir e controlar o uso de energia elétrica em casa e também nas empresas, muitas tiveram que desligar máquinas, parar a produção.
Outra iniciativa importante foi a primeira fábrica de CO2, a Carbo Gás que instalamos em Pernambuco. O insumo, matéria-prima essencial em diversos segmentos fabris, é um subproduto dos processos das usinas, oriundo da fermentação do álcool. Vimos que, numa era de debate intenso sobre o aquecimento global, poderíamos reduzir significativamente nossas emissões diretas, reaproveitando o dióxido de carbono. Assim, ao invés de lançar esse gás na atmosfera, ele é vendido para as fábricas, como a Coca-Cola, que precisam de CO2 de grau alimentício, usado no refrigerante, na água com gás e na cerveja. Também abrimos uma fábrica desse gás no Espírito Santo. Assim, com uma usina em Pernambuco e uma destilaria no Espírito Santo, cujas safras são invertidas por causa das chuvas, é possível produzir o CO2 alimentício o ano todo.
Como é a produção desse tipo de gás?
Na produção do álcool, esse gás escapava para a atmosfera, hoje a gente capta, purifica, limpa, liquidifica e vende. Então é mais um tipo de negócio inserido na nossa empresa, é um lindo exemplo de economia circular. A gente planta e colhe todos os anos, e o CO2 que antes iria para a atmosfera é revertido para a indústria alimentícia e de bebidas. Ou seja, é o próprio conceito de energia circular: um círculo contínuo de reutilização, recuperação e reciclagem de recursos, tentando reduzir ao máximo o desperdício e minimizando o impacto ambiental. Esse é o nosso negócio, estamos sempre tentando minimizar o impacto ambiental.
Nesse processo de minimizar o impacto ambiental, vocês têm utilizado bioinsumos?
Antigamente colocava-se muito veneno na plantação da cana. Hoje estamos trocando por fezes de boi, de galinha. Para isso, adquirimos esses bioinsumos de vários fornecedores, são as chamadas fábricas de organominerais. Há algumas delas na região de Ribeirão Preto e Bebedouro, em São Paulo. É algo que está sendo testado e usado ao mesmo tempo. Mas, não é uma questão que ainda vai começar, já começou e “estamos na dança”.
É preciso sair do uso dos químicos. Mas não é de uma hora para outra, estamos na transição, saindo do químico para entrar no bioinsumo, e passar a utilizar tudo que é processo verde e o que vem por aí. Esse mercado de bioinsumo no Brasil movimentou perto de R$ 5 bilhões na safra de 2023 e 2024. Ou seja, em escala mundial, o País teve um crescimento de 21% nas últimas safras, expansão quatro vezes maior do que o crescimento global.
O Brasil é tudo que a Europa quer ser em termos de energia verde. A Alemanha é um país muito arrojado em metas energéticas e o maior sonho da vida dela é o Brasil: temos sol, vento, muita biomassa, muito resíduo para as termoelétricas e para as plantas de biogás e biometano que estão vindo aí com tudo. Então, enquanto a matriz energética mundial é 15% de energia renovável, a brasileira é quase 50% renovável e tende a aumentar a cada dia com as fábricas de biogás.
Recentemente duas grandes indústrias automobilísticas, a Stellantis em Pernambuco, e a BYD na Bahia, estão investindo em carros híbridos, elétricos com etanol. Como essa conjuntura tem favorecido o grupo?
Não favoreceu ainda, por enquanto. Quando tivemos a notícia de que a Stellantis e a BYD estão estudando o híbrido com etanol, achamos que é o melhor dos mundos. Continuar com etanol e com energia limpa tem tudo para dar certo porque o álcool você plantou, colheu e, no ano seguinte, colhe novamente, então, não há nada mais verde que isso.
Estamos com uma perspectiva bem grande porque, ano passado, quem produziu apenas etanol sofreu bastante, porque o preço estava muito baixo, pois varia de acordo com a gasolina. O que segurou essas despesas foi o açúcar. Então, quem só fez álcool, como nossa operação lá no Espírito Santo, por exemplo, que não tem açúcar, sofreu muito ano passado.
E como está o mercado do açúcar, esse produto secular aqui em Pernambuco?
Como exportamos muito açúcar, o dólar alto é vantajoso para a empresa. No ano passado, 90% do nosso açúcar foi para fora do Brasil. Por isso, estamos sempre calculando custos de exportação. E esse custo sobe muito porque os portos estão abarrotados, seja no Recife ou em Suape. A infraestrutura do Brasil continua a mesma de anos atrás. Temos sofrido muito com infraestrutura, mas não tanto como o pessoal de São Paulo. No ano passado, estava preocupada porque não conseguia exportar o açúcar já que a fila do porto estava enorme. Aí, fiz uma viagem para São Paulo e lá disseram que a fila do Porto de Santos era de 30 dias. Então eu falei: “eu sou feliz e não sei”. Quando é safra, é safra para todo mundo, todas as usinas têm que exportar na mesma hora e não tem espaço nos portos.
Qual a expectativa de crescimento da empresa para este ano?
A expectativa de crescimento de faturamento é de aproximadamente 15 % este ano em comparação ao ano anterior.
Quanto à reforma tributária, ela trouxe algum impacto para o setor?
Ainda não, ainda estamos estudando. Há muito o que ser aprovado. A chave não vai virar de uma vez só, vamos ficar alguns anos com o sistema novo e o antigo juntos. A minha expectativa é boa mas há muita mudança, de muitas “vírgulas” de estado para estado e do que pode ou não pode em um estado ou em outro. Como temos uma operação em Pernambuco e no Espírito Santo, é uma confusão, principalmente diante da guerra fiscal, que não acabou.
Qual o papel do RenovaBio no estímulo ao uso do etanol?
É um superincentivo para quem produz etanol e para quem, como nós, incentiva o seu uso por ser mais limpo e simples. Então, o que a gente vender de álcool, a gente se credita no RenovaBio. Isso é muito legal. Um dos objetivos do programa Nova Indústria Brasil é incentivar as cadeias agroindustriais sustentáveis.
Como a senhora vê essa política industrial e quais oportunidades ela pode trazer para o setor sucroenergético?
Vão chegar algumas linhas de crédito verde. Ao provarmos que nossa produção é verde, será possível conseguir algum tipo de linhas de créditos bem mais baratas, subsidiadas para o nosso segmento. Ainda bem que isso vem acontecendo, o governo está conseguindo ver com bons olhos tudo que o agro está trazendo. Somos um celeiro de alimentos e hoje o Brasil exporta mais algodão do que o Egito. A produção de soja, milho, açúcar vem batendo um novo recorde todo ano. Esses financiamentos do Governo Federal atrelados a essa nova política industrial ainda não chegaram, mas já está bem-sinalizado.
A questão da sustentabilidade está bem ressaltada nessa nova política industrial. Nós publicamos o nosso relatório de sustentabilidade no ano passado. Ele tem uma riqueza de detalhes, tanto na parte de meio ambiente – onde mencionamos a recuperação das nascentes, a reutilização da água da caldeira – quanto na parte social e de governabilidade, temas que são comuns para a gente porque muitos trabalhos já fazíamos, porém, não eram catalogados. As usinas no País já praticavam ESG, mesmo antes da sigla ser inventada.
E em relação ao social e valorização das pessoas, quais são as iniciativas do grupo?
Uma operação como a nossa tem a vantagem social de gerar muitos empregos. Meu grupo é pequeno mas chega a gerar cinco mil postos de trabalho. Temos quatro mil funcionários em Pernambuco e mil no Espírito Santo, onde foi possível mecanizar nossa operação devido ao relevo. Assim, além da dificuldade de encontrar máquinas que subam morros, outra grande dificuldade das usinas hoje em Pernambuco, Alagoas e Paraíba é mão de obra. Ainda dependemos muito da força braçal dos cortadores de cana e, como cortar cana não é uma função desejada, os postos de trabalho nessa função não são renovados.
O cortador de cana hoje deseja um futuro melhor para os filhos, quer que eles estudem e incentivamos isso. Temos cada projeto social lindo para que essas próximas gerações tenham um nível melhor de escolaridade. Recentemente, lançamos um projeto em que os filhos de funcionários que se inscreverem podem ganhar computadores de acordo com as notas do boletim escolar. A gente pode mudar a vida de uma criança dessas. E é isso que queremos, tentar mudar, de alguma forma, a vida das pessoas.