A queda na taxa de desemprego traz a perspectiva de recuperação econômica e, para alguns analistas, também influencia na redução da vulnerabilidade social e estabilidade política
*Por Rafael Dantas
A taxa de desemprego do País chegou a 6,6%. É a menor taxa registrada pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de toda a série histórica, que começou em 2012. Em Pernambuco, os números ainda são bem maiores, mas estão em queda. O Estado registrou 11,5% de desemprego, que é 2,6% menor do que no ano anterior. Essa mudança vem acompanhada com um aumento da renda dos trabalhadores. Transições que têm efeitos importantes na economia local e nacional.
Luiz da Silva Neto, 48 anos, representa essa mudança no cenário do trabalho formal. Após dois anos de desemprego, o trabalhador, que já atuou como auxiliar de serviços gerais, cortador de cana e lavador de veículos, encontrou esperança em um novo emprego como ajudante de pedreiro em um empreendimento da Construtora Carrilho, no Recife. Com dois filhos, de 13 anos e 1 ano e meio, e sendo o único gerador de renda da casa, a carteira assinada dá uma tranquilidade que ele não tinha há mui- to tempo. “Eu deixava currículo em toda parte e sempre esperava uma chance. O que aparecia, eu tentava. Agora, espero com essa carteira assinada crescer na empresa e dar um futuro melhor para meus filhos”, planeja Luiz, que é morador de São Lourenço da Mata. “Estamos sempre na luta. A gente, pai de família, é quem mais sofre quando as coisas não vão bem. O trabalho é tudo, e quanto mais eu puder aprender, melhor”, diz ele, esperançoso.
Sua história se entrelaça com o crescimento do emprego em Pernambuco. No setor da construção civil, o Estado registrou um aumento de 250,8% na geração de vagas na comparação entre os meses de janeiro e julho de 2024 com o mesmo período do ano passado. O total de geração de postos superou a casa de 6 mil contratações. A empresa em que Luiz trabalha, a Construtora Carrilho, está construindo oito novos empreendimentos. Para essas obras, ampliou o quadro em mais 150 profissionais.
O avanço da geração de postos de trabalho e a redução do desemprego é fruto do crescimento econômico sustentado nos últimos anos e em 2024, segundo o economista e professor da UPE (Universidade de Pernambuco) Sandro Prado. “Nos últimos três anos (2022-2024), o Brasil viu um crescimento econômico significativo, com taxas que se aproximam dos 3%. Essa recuperação tem sido um fator crucial na luta contra o desemprego pois significa mais investimentos e, consequentemente, mais contratações. Esse cenário não só gera novas oportunidades, mas também atua como um motor para a formalização do trabalho, refletindo um ambiente econômico mais saudável.”
Pernambuco recebeu em 2023 e neste ano grandes anúncios de empreendimentos, como da Stellantis, em Goiana, e da Refinaria Abreu e Lima, em Suape. O economista ressalta que Pernambuco lidera o percentual da geração de empregos no País, mas ressalva que o Estado ainda apresenta um dos patamares mais elevados de desemprego. Pernambuco e o Recife chegaram a superar as marcas de 14% e 16%, respectivamente, de desocupação, cravando por anos, com Bahia e Salvador, os postos de liderança do desemprego.
Se o agronegócio foi o grande protagonista dos desempenhos econômicos do País na última década, a recente onda de avanço do emprego tem sido puxada principalmente pela indústria e pelos serviços. Apenas em agosto, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), foram 6.498 novas vagas na indústria e 5.815 nos serviços. No ano, o saldo de empregos no Estado, em todos os setores, é de 43.492 novos trabalhos formais.
No ano, o comércio gerou 5.594 vagas, enquanto os serviços foram responsáveis por contratar 33.274 profissionais. O presidente da Fecomércio-PE, Bernardo Peixoto, destaca o ciclo positivo da economia do País e os impactos positivos nos setores representados pela federação. “O comércio varejista, o comércio por atacado e o comércio e reparação de veículos automotores são os segmentos que mais empregam no Brasil e os mais sensíveis à empregabilidade. Com mais pessoas empregadas, há um aumento no consumo local. Isso gera um ciclo positivo em que o comércio e os serviços prosperam, contribuindo para a recuperação da economia. O aumento da empregabilidade melhora a condição econômica das famílias, contribui para uma melhor qualidade de vida, reduzindo a vulnerabilidade social”.
Além desse olhar por setores, Sandro Prado destaca que houve uma retomada dos empregos públicos a partir de 2023. A retomada dos concursos públicos e o aumento das contratações também das prefeituras, em áreas como ensino fundamental e na administração pública, também contribuíram. “Nós tivemos crescimento de empregos na iniciativa privada, mas tivemos de igual modo o aumento do número de empregos no setor público. Isso acontece após praticamente seis anos sem concursos públicos, sem que novos servidores estivessem sendo contratados.”
EFEITOS ECONÔMICOS DA ATIVAÇÃO DO EMPREGO
O efeito renda criado pelo avanço do emprego e também pelo aumento da remuneração se espalha por toda a economia. “A redução do desemprego resulta em um aumento da renda disponível das famílias, o que pode impulsionar o consumo. Com mais pessoas empregadas e recebendo salários, a demanda por bens e serviços tende a crescer, estimulando o setor privado e promovendo o crescimento econômico”, avalia Bernardo Peixoto.
O presidente da Fecomércio-PE aponta ainda que enquanto uma região com alto índice de desemprego tende a refletir um quadro de insegurança financeira, altos índices de violência e baixo resultado dos setores produtivos, a virada que está sendo vista no País tende a gerar benefícios sociais relevantes. “A diminuição das taxas de desemprego pode contribuir para uma maior estabilidade social e política. Com menos pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, há uma tendência de redução da criminalidade e dos conflitos sociais, criando um ambiente mais otimista para investimentos”.
A diminuição da vulnerabilidade econômica das famílias pode gerar, segundo Sandro Prado, uma menor pressão no Governo Federal e no Governo do Estado em relação aos programas de distribuição direta de renda, como o Bolsa Família e o Mães de Pernambuco. “Diminuindo o desemprego, diminui a dependência das pessoas dos programas de transferência de renda. A família tem uma libertação dessa dependência, ainda que seja na geração dos seus filhos. Ou seja, se dá oportunidade para que as crianças consigam romper a barreira da pobreza. Além disso, essas pessoas vão consumir mais e melhorar o mercado do bairro onde residem”.
Para adensar o aquecimento econômico gerado pela maior circulação de renda, o economista sugere que haja um fomento por parte do Governo do Estado para o estímulo das atividades produtivas. “O Estado de Pernambuco precisa se concentrar mais na geração de emprego, com a desburocratização, a regulação dos mercados, a atração de novas empresas, estímulo da formalização e da preparação da mão de obra para o mercado de trabalho”. Esse estímulo à qualificação é fundamental, segundo o especialista, pois muitos postos de trabalho que exigiam menor escolaridade foram automatizados, como porteiros e ascensoristas, por exemplo.
Outro efeito é elevar as expectativas dos profissionais por melhores oportunidades de carreira e frear um processo de redução de direitos trabalhistas. Sandro Prado lembra que isso tem relação também com as novas gerações, que não aceitam se submeter a condições muito ruins de trabalho. “A nova geração não quer ficar escrava trabalhando 44 horas em um emprego de baixíssima qualidade. Há uma mudança geracional”.
PREOCUPAÇÕES DO MUNDO DIGITAL
Enquanto o País comemora a reativação do mercado de trabalho e o avanço de novos empreendimentos, há preocupações com dois fenômenos do mundo digital. Se, no passado, a inquietação era apenas com a automação da mão de obra, que aumenta a competitividade mas reduz o volume de postos de trabalho, em 2024 as Bets são o problema mais agudo. O sonho de se tornar milionário da noite para o dia nas redes sociais é outro fenômeno que ainda persiste.
A situação das Bets preocupa pois, parte da renda gerada pelo trabalho acaba sendo dissipada nessas plataformas de jogos eletrônicos, gerando um menor impacto esperado na circulação da economia local. O volume de gastos das famílias brasileiras com as Bets, segundo estudo da PwC de 2023, equivale a até 76% do orçamento dedicado à lazer e cultura ou 5% do que esse grupo gasta com alimentação. “A tendência é de um avanço ainda maior, o que pode ter implicações importantes nos diversos segmentos de consumo”, indicou o relatório O impacto das apostas esportivas no consumo.
Em 2022, um estudo conduzido pela startup INFLR mostrou que 75% dos jovens no Brasil aspiram se tornar influenciadores digitais. Desses, 64% afirmavam que o desejo pelo segmento é pela motivação financeira. Um estudo da Nielsen indicou que a quantidade de influenciadores no País já superou o número de engenheiros civis e igualou o de médicos. Essa tendência é vista por Sandro como um caminho que desestimula a preparação dos jovens – com a busca de cursos profissionalizantes ou formações superiores – para outros setores do mercado de trabalho que já carecem de mão de obra qualificada.
Ambos os fenômenos geram disfuncionalidades relacionadas com a geração de emprego e com as estimativas dos impactos do aumento da renda das famílias decorrente da melhoria do crescimento dos empregos formais.
EFEITOS NO EMPREENDEDORISMO E NO CENÁRIO DAS PEQUENAS EMPRESAS
Os pequenos negócios pernambucanos crescem, em média, 11,1% ao ano, atingindo 543 mil CNPJs em 2024. No entanto, a redução no número de empreendedores tem desacelerado esse ritmo desde 2023. Entre 2022 e 2023, por exemplo, foi de 8,6%. Em 2024, o número tende a seguir caindo. O arrefecimento identificado no ritmo de crescimento, segundo Murilo Guerra, superintendente do Sebrae em Pernambuco, é no segmento do empreendedorismo por necessidade, que é quando alguém começa um negócio por falta de alternativas de emprego formal ou outras fontes de renda. Ele destacou que, sempre que há um crescimento nas contratações com carteira assinada, muitos deixam de empreender por necessidade e optam por esses empregos.
Esse contexto, no entanto, não é visto de forma negativa. Com menor demanda dos empreendedores por necessidade, a instituição foca em outras atuações. Além de incentivar a construção de novos negócios, o Sebrae atua ainda no apoio às micro, pequenas e médias empresas. Com a melhoria do cenário do emprego, a instituição intensifica a aposta na qualificação do tecido empresarial local para a inovação e, também, no empreendedorismo por oportunidade (que ocorre quando alguém decide abrir um negócio para aproveitar uma ideia inovadora ou uma demanda de mercado). “Os impactos do crescimento do emprego são positivos, ganha a economia de Pernambuco e o desenvolvimento, incluindo o comércio local e pequenas empresas de serviços que são em maior número no setor dos micros e pequenos negócios. O Sebrae tem um forte programa de inovação e de desenvolvimento territorial, robusto, com foco nas vocações dos municípios. É um momento para fortalecer o ambiente para as pequenas empresas e permitir que elas tenham mais competitividade e uma vida mais longa”, afirmou Murilo Guerra.
O avanço do emprego enfrenta muitas barreiras, como a automatização da mão de obra, o cenário internacional instável e as taxas de juros estratosféricas no Brasil. Mesmo assim, a recuperação é inegável. Os efeitos na inflação, movidos pela demanda, estão no cenário de possibilidades.
Os impactos na qualidade de vida e no otimismo do cenário econômico, ao menos no curto prazo, são certezas. Os desafios de Pernambuco são induzir a queda do desemprego, que ainda está na casa dos dois dígitos, e fomentar atividades que sejam menos susceptíveis às turbulências do mercado.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)