80 Anos Do Hospital De Câncer De PE: Transformando Dor Em Esperança - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
80 anos do Hospital de Câncer de PE: transformando dor em esperança

Revista Algomais

*Por Rafael Dantas

Há 80 anos um grupo de 13 senhoras decidiu criar uma instituição para atender os pacientes indigentes no Recife. Esse grupo se constituiu inicialmente na Sociedade de Assistência aos Indigentes Hospitalizados de Pernambuco que, alguns anos depois, se constituiu na SPCC (Sociedade Pernambucana de Combate ao Câncer), entidade que fundou o HCP (Hospital de Câncer de Pernambuco). “Elas transformaram compaixão em ação. São verdadeiras heroínas da saúde pública”, resume Ricardo de Almeida, atual presidente do Conselho de Administração da SPCC. Mais que prestar assistência à saúde, a instituição atua também na formação de profissionais no setor – com programas de residência e até doutorado – e contribui com importantes esforços na pesquisa do tratamento e diagnóstico da doença.

Muita gente pode imaginar que o HCP é um hospital estatal. No entanto, apesar de todos os seus atendimentos serem de pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), trata-se de uma entidade privada filantrópica. Ou seja, todos os meses luta para fechar as contas e garantir o atendimento de milhares de pacientes, com tecnologias avançadas e medicações de referência. Nos cálculos da instituição, passam por dia 2,3 mil pessoas pelos corredores do hospital, seja para fazer exames, consultas ou internamentos.

Uma das pernambucanas que recebeu atendimento no HCP foi Andréa Mota da Silva, de 58 anos. Em 2018, ela começou a perceber sinais de que algo não ia bem: um incômodo na mama, aparentemente inofensivo, mas que despertava uma sensação persistente de alerta. Determinada a entender o que estava acontecendo, Andrea insistiu na investigação – e só em 2019, após realizar uma ultrassonografia em uma clínica popular, veio o diagnóstico: um câncer de mama agressivo. “Foi um soco no estômago. Muito forte”, recorda. Entre o medo e a incerteza, ela enfrentou o início do tratamento em busca de respostas e do apoio da família.

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"O diagnóstico do câncer de mama foi um soco no estômago. Eu tinha 30% de chance de sobrevivência. No HCP, fiz quimioterapia, cirurgia, fisioterapia, atendimento psicológico e participei de pesquisa para receber medicação experimental para o pós-operatório." Andréa Mota

O tumor, de crescimento rápido, exigiu um tratamento rigoroso: 16 sessões de quimioterapia, seguidas de cirurgia em março de 2020, durante o início da pandemia. Ela relata que tinha apenas 30% de chances de sobrevivência, mas decidiu não baixar a cabeça. “Encarei o câncer como vida, não como morte”, relembra.

No HCP, além de todo o tratamento e da cirurgia, ela ainda participou de uma pesquisa clínica, com medicação experimental para o pós-operatório, ajudando a desenvolver alternativas no tratamento do câncer. Ela fez também fisioterapia e recebeu atendimento psicológico. Ainda hoje participa de consultas periódicas, de forma semestral. Encontrou no hospital um segundo lar no momento mais difícil da sua vida.

Além do tratamento, Andréa tornou-se voluntária no Hospital de Câncer de Pernambuco no projeto Mulheres de Rosa. Feliz com sua história de superação e grata aos médicos, familiares e a Deus, ela distribui abraços, informações e apoio emocional, compondo uma rede forte de acolhimento de pacientes em tratamento. “Salvar vidas é minha maior alegria. Se eu puder ajudar alguém, estarei à disposição”, afirma.

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Ao superar o câncer, Andréa Mota tornou-se voluntária do hospital no projeto Mulheres de Rosa. Ela distribui abraços, informações e apoio emocional, compondo uma rede forte de acolhimento de pacientes em tratamento.

A trajetória dela sintetiza um pouco as diferentes áreas de atuação do HCP e exemplifica a história de muitos pacientes que passam pelos corredores do hospital. Com o crescimento do número de diagnósticos de câncer no mundo, muitos brasileiros e pernambucanos vivem dramas semelhantes e precisam de tratamento e apoio. 

De acordo com o Inca (Instituto Nacional de Câncer), apenas os casos de mama devem superar os 73 mil novos diagnósticos no Brasil em 2025. O número total deve ultrapassar a marca dos 700 mil casos. Números que têm levado a uma expectativa entre os especialistas de que a doença se torne a principal causa de morte no Brasil em 2030.

EXPANSÃO E INVESTIMENTOS TECNOLÓGICOS

Para atender à crescente demanda, o HCP tem investido para crescer. Novos equipamentos e reformas vêm sendo realizadas para aumentar a eficiência dos tratamentos. A entidade atende 56% dos pacientes de câncer de Pernambuco que dependem do SUS. Ao todo, são mais de 22 mil consultas por mês em 15 especialidades médicas. “Uma cidade inteira passa aqui por dia. O Hospital de Câncer de Pernambuco é um dos quatro únicos do País que são filantrópicos, 100% SUS e 100% oncológicos. Mesmo com todas as dificuldades, não tenho um paciente internado que não tenha um antibiótico ou qualquer material”, ressaltou o superintendente Sidney Neves.

A modernização da infraestrutura tem sido uma prioridade. Nos últimos anos, o HCP instalou um novo acelerador linear (equipamento de radioterapia), reestruturou laboratórios e unificou o serviço de imagem que passou a funcionar até mais tarde e agora oferece tomografia 24 horas. “São mudanças com impactos grandes, com resultados mais rápidos para os pacientes. Melhoramos muito a assistência”, comemora o gestor. Essas melhorias ampliaram a capacidade de atendimento e reduziram o tempo de espera dos pacientes. Para 2026, estão previstos novos investimentos como a chegada de um segundo tomógrafo, e a substituição do antigo equipamento de cobalto por mais um acelerador linear. 

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"Mais de 22 mil consultas por mês são realizadas no HCP. “Uma
cidade inteira passa aqui por dia. O Hospital de Câncer de
Pernambuco é um dos quatro únicos do País que são filantrópicos,
100% SUS e 100% oncológicos",
diz Sidney Neves.

Cada nova máquina que chega e cada setor modernizado são celebrados na instituição, pois o tratamento de câncer é caro e conta sempre com novas tecnologias. O recém-chegado Acelerador Linear Halcyon custou R$ 6,5 milhões, sendo adquirido a partir de emenda parlamentar do deputado Eduardo da Fonte. Com inauguração prevista para novembro, o novo equipamento ampliará a capacidade da radioterapia do hospital em 50%, com a realização de até 100 atendimentos adicionais por dia.

Além de novas estruturas e a garantia das medicações para os tratamentos, Sidney destaca entre os avanços o trabalho de manutenção preventiva adequada dos equipamentos. “Não podemos deixar esse parque hospitalar velho e muito menos sem segurança para o paciente. No nosso centro cirúrgico todos os equipamentos têm a manutenção em dia e estão calibrados. Isso garante uma segurança fantástica para a assistência do paciente”.

DESAFIO DO CUSTEIO

Todos os meses, o HCP tem uma conta entre R$ 18 milhões e R$ 18,5 milhões. Da Secretaria de Saúde do Estado, há um financiamento contratualizado em torno de R$ 14,5 milhões. Os demais vêm de uma variedade de fontes que a gestão do hospital se desdobra para conquistar. Há emendas parlamentares, doações diretas de pessoas físicas e jurídicas, campanhas como o Troco Solidário (em que empresas parceiras estimulam seus clientes a doarem o troco das compras ou o valor que preferir para ajudar os pacientes). “Só conseguimos suprir essa diferença com apoio parlamentar, de empresários – em troca de renúncia fiscal –  e da população. Isso faz com que a gente consiga rodar a máquina”, explica Sidney.

Muitos hospitais que atendem pelo SUS no Sul e Sudeste do País ofertam parte dos seus serviços para atendimentos privados que ajudam a fechar as contas. Mas no caso do HCP, está no DNA da instituição o atendimento gratuito para todos os pacientes. Um dos motivos do desafio mensal de manter a instituição é o congelamento da tabela do SUS que está há 20 anos sem reajustes. Uma realidade que impõe dificuldades a todas as entidades filantrópicas ou que têm parte dos seus atendimentos para pacientes do SUS.

Uma das forças do hospital, que ajuda na captação de recursos, está no modelo de gestão que combina eficiência e transparência. “Todas as nossas contas são auditadas por grandes empresas. Já fomos auditados pela KPMG e, mais recentemente, pela Deloitte. Isso dá conforto a quem doa e confia no nosso trabalho”, destaca Ricardo de Almeida.

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O trabalho realizado pelo HCP foi reconhecido pelo prêmio Marcas que Eu Gosto, na categoria Filantrópica, concedido pela Folha de Pernambuco e o Ipespe. Na foto Ricardo de Almeida recebe de Eduardo Queiroz Monteiro o troféu da premiação.

O vínculo de Ricardo com o HCP, inclusive, começou ainda em 2007, quando a instituição enfrentava uma grave crise. “Quando Eduardo Campos assumiu o governo, o hospital estava em condição precária, faltava até comida para os pacientes”, conta. A partir da intervenção decretada pelo então governador, iniciou-se um processo de recuperação financeira e estrutural. Depois do falecimento de Campos, em 2015, Ricardo de Almeida foi eleito presidente do Conselho de Administração e segue esse trabalho de reconstrução e profissionalização da gestão.

Ricardo compartilha um dado que traduz o reconhecimento do trabalho pelos pernambucanos ao esforço de manter os serviços prestados pela instituição filantrópica: “A Folha de Pernambuco e o Ipespe, que fazem a pesquisa Marcas que eu Gosto, criaram a categoria filantrópica – e nós ganhamos. Também vencemos no Recall de Marcas do JC. Somos queridos pela sociedade”, afirma.

PESQUISA E FORMAÇÃO NO DNA DO HOSPITAL DE CÂNCER

Além da assistência, o hospital tem forte atuação em ensino e pesquisa. “Somos também um hospital de ciência. Temos mestrado, doutorado, residência médica e multiprofissional. Produzimos conhecimento e inovação”, afirma o presidente do Conselho de Administração da SPCC. Essa vocação científica coloca o HCP entre os centros de referência nacional em estudos oncológicos.

Na verdade, o Hospital de Câncer de Pernambuco tem se consolidado como um importante centro de formação e produção científica na área da oncologia. Desde 2014, a instituição investe em programas de pós-graduação stricto sensu em parceria com instituições de referência, como o AC Camargo Center, a Escola Paulista de Medicina/Univesf (Universidade Federal de São Paulo) e o Imip (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira). Esses programas já formaram 27 doutores e 8 mestres, todos profissionais ligados ao hospital, com o objetivo de qualificar a equipe e pavimentar o caminho para a criação de um programa próprio de pós-graduação. Além disso, o HCP mantém residências médicas em sete especialidades e uma residência multiprofissional que envolve áreas como fisioterapia, enfermagem, nutrição e farmácia.

Na área de pesquisa, o HCP também se destaca com o Centro de Pesquisa Clínica, implantado em 2018, que se tornou referência no Norte e Nordeste em estudos oncológicos com a indústria farmacêutica. O centro conduz ensaios clínicos que testam novas drogas para o tratamento do câncer, oferecendo aos pacientes acesso a terapias ainda não disponíveis no Brasil. “Tivemos pacientes com câncer de mama metastático que se beneficiaram desses estudos, apresentando aumento no tempo de sobrevida e melhora na qualidade de vida”, destacou Leuridan Torres, coordenadora do Programa de Doutorado com a Unifesp e do Centro de Pesquisa Clínica do hospital. Além dos estudos clínicos, o HCP também realiza pesquisas acadêmicas voltadas à descoberta de biomarcadores preditivos de resposta a tratamento e sobrevida, fundamentais para o avanço do diagnóstico e da terapia oncológica.

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"Com investimento de R$ 13,2 milhões, obtidos com a Finep, o HCP vai ampliar Centro de Pesquisa Clínica e implantar o Laboratório de Pesquisa Translacional. “Isso é um marco e um grande legado para a instituição”, comemora Leuridan Torres.

Com o apoio da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), o hospital se prepara para um novo salto em sua estrutura científica: a ampliação do Centro de Pesquisa Clínica e implantação do Laboratório de Pesquisa Translacional, orçado em R$ 13,2 milhões. O espaço reunirá laboratório de biologia celular e molecular e áreas dedicadas à pesquisa aplicada, ampliando as possibilidades de colaboração entre a academia e a indústria farmacêutica. “A implementação deste centro integrado representa um marco e um grande legado para a instituição, sendo essencial pois o fomento à ciência e o aprimoramento do ensino são pilares fundamentais para o crescimento contínuo e à excelência na qualificação do nosso hospital”, ressaltou Leuridan Torres.  “O laboratório vai permitir potencializar nossas pesquisas institucionais. É o maior investimento que o HCP teve em 80 anos”, ressaltou Felipe Bonifácio, superintendente de Ensino e Pesquisa do hospital, em recente entrevista à Algomais.  A previsão é que as obras comecem no próximo ano, marcando um novo capítulo da instituição como polo de pesquisa clínica e translacional em oncologia.

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"O Laboratório de Pesquisa Translacional vai permitir potencializar nossas pesquisas institucionais. É o maior investimento que o HCP teve em 80 anos." Felipe Bonifácio

PLANOS FUTUROS

Com olhar voltado para o futuro, a instituição já planeja seus próximos passos. “Implantamos um processo de planejamento estratégico construído por todos os gestores, com metas para os próximos 20 anos”, revela Ricardo de Almeida. Entre as metas, estão a ampliação da radioterapia, a interiorização de unidades e o fortalecimento da inovação tecnológica no planejamento dos 100 anos.

Apesar dos desafios diários com as 15 especialidades atuais, Sidney sonha com o atendimento de um novo serviço. “O nosso sonho agora é avançar para o transplante de medula óssea. Pernambuco precisa desse serviço e a gente vai correr atrás”, anuncia. Segundo ele, o hospital tem capacidade técnica e estrutura para dar esse novo passo.

Um outro passo que está no horizonte dos próximos anos do hospital é sua expansão para o interior do Estado. Hoje, muitos pacientes atendidos no Recife são de cidades da Zona da Mata, Agreste e até do Sertão. A descentralização dos serviços reduziria o esforço dessas famílias em se deslocar para cada consulta, exame ou cirurgia. “Queremos levar o HCP mais perto das pessoas. Imagine sair do Sertão para vir ao Recife fazer uma sessão de radioterapia ou quimioterapia e voltar no mesmo dia. Isso é sofrimento. Interiorizar é ampliar o alcance e diminuir a dor”, explica.

Ao completar oito décadas, a entidade vai costurando a sua histórica com investimentos tecnológicos, ações solidárias e planos de expansão. Uma garra que  mantém vivo o sentimento das mulheres que a fundaram: transformar dor em cuidado, desafio em aprendizado e cada tratamento em uma nova chance de recomeço. 

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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