Você é daqueles que custa a pegar no sono, fica rolando na cama, conta carneirinhos e nada de se entregar aos braços de Morfeu? Saiba que não está sozinho. Nada menos de um terço da população em todo o mundo sofre de insônia. A boa notícia é que esse mal – que atinge cada vez mais um número maior de pessoas – tem tratamento.
A insônia, na verdade, é um sintoma, não uma enfermidade. Suas causas podem ser de origem orgânica, como o hipertireoidismo – doença hormonal que provoca falta de sono. Mas, grande parte das pessoas que passam a noite em vigília sofre de ansiedade, que pode evoluir para um quadro de depressão. Chamado de “mal do século”, o estado ansioso e depressivo disseminou-se na sociedade contemporânea, em razão do estilo de vida ocidental.
“Tende a crescer o número de indivíduos com insônia porque a competição no trabalho é cada vez maior”, prevê Cláudio José Falcão, neurocirurgião do Hospital Jayme da Fonte. “Existem metas a serem batidas e o profissional têm que alcançá-las. Essa situação provoca ansiedade, a pessoa, ao ir para a cama, fica pensando no que vai fazer no dia seguinte. Ela deita e não consegue dormir”, diagnostica.
Computadores, tablets e smartphones também tem-nos deixados mais ansiosos. Não raro, eles ajudam a estender o tempo de trabalho para além do expediente estabelecido, invadindo até os finais de semana. “Esses aparelhos, assim como a TV, também fazem com que o cérebro fique num nível de hiperestímulo, dificultando o sono”, acrescenta Falcão.
Segundo Rodrigo Pedrosa, cardiologista e especialista em medicina do sono, o problema tende a ser mais frequente com a idade avançada. “Os idosos apresentam mais distúrbios do humor, como ansiedade e depressão, e estão mais propensos a apresentar insônia”, justifica. No caso do sexo feminino há o agravante da menopausa, quando ocorre queda no nível de estrógeno e progesterona. A mudança hormonal provoca um desequilíbrio no chamado ciclo circadiano, ritmo que determina as funções do ciclo biológico dos seres vivos num período de 24 horas. Uma dessas funções é o estabelecimento do sono e da vigília. Em outras palavras: mulheres, a partir do climatério, podem apresentar mais dificuldade para adormecer.
Mas a população masculina não está livre desse tormento. “Com o envelhecimento, os homens enfrentam queda no nível de testosterona. Embora essa mudança hormonal ocorra de maneira mais tardia e lenta que a da mulher, ela também interfere no ritmo circadiano”, explica Cláudio Falcão.
Noites maldormidas não provocam apenas sonolência no outro dia. Isto porque, quando dormimos nosso organismo não está parado. Pelo contrário. “Durante o sono são liberados hormônios relaxantes”, explica o neurocirurgião. Por isso, ele é restaurador. Dormir também é fundamental no processo de memorização. No chamado sono REM – que é o mais profundo – a memória sedimenta as informações consideradas importantes e o aprendizado é consolidado. Também quando dormimos são liberados hormônios protetores do sistema cardiovascular.
Não é difícil deduzir, portanto, que pessoas insones têm propensão a serem mais irritadas, correm risco maior de sofrerem problemas cardiovasculares, distúrbios de aprendizagem e problemas de memória. “Esses pacientes tendem também a ter dores tensionais crônicas no pescoço e nas costas”, salienta o neurocirurgião.
Além disso, estudo realizado pela American Cancer Society, nos Estados Unidos, concluiu que homens com menos de 65 anos que dormiam entre três e cinco horas por noite tinham o risco 55% maior de morrer de câncer de próstata, quando comparado aos que dormiam 7 horas. Embora a ligação entre o sono limitado e o câncer não seja exata, sabe-se que dormir pouco bloqueia os genes que nos protegem contra o crescimento de tumores e a falta de sono pode inibir a produção de melatonina, hormônio que regula o ciclo do sono. “Baixos níveis de melatonina podem contribuir para mutações genéticas e enfraquecimento do sistema imunológico, que podem auxiliar no desenvolvimento do câncer de próstata”, explica o urologista Guilherme Maia, do Hospital Santa Joana Recife.
TRATAMENTO
Feito o diagnóstico por um especialista, o tratamento é prescrito. “É necessário identificar as causas. Há pessoas por exemplo, que passam por um período forte de estresse, como a perda de um familiar , e essa situação pode ser um gatilho para a dificuldade de dormir”, exemplifica Pedrosa. No entanto, independente do diagnóstico é essencial realizar a chamada higiene do sono (veja na página 8). “Todos devem seguir essas orientações, não apenas quem tem problemas para adormecer”, alerta Pedrosa.
Para os casos de ansiedade e depressão, o tratamento é à base de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos. Mas, atenção: eles devem ser prescritos apenas por especialistas, nada de tomar o Rivotril do amigo ou parente. Essas medicações podem causar dependência – o indivíduo não consegue ficar sem a droga – e tolerância, quando necessita tomar doses cada vez maiores.
Mais recentemente, a melantonina foi acrescentada ao artesanal terapêutico, mas sua eficácia, segundo Falcão, não é comprovada por estudos científicos. Trata-se de um hormônio produzido naturalmente no nosso organismo pela glândula pineal, que estimula a sensação de sonolência e é produzido em grande quantidade quando estamos num ambiente escuro. Graças a esse hormônio, sentimos vontade de dormir à noite.
“Não é considerado um medicamento, é um suplemento, por isso pode ser comprado sem receita médica”, distingue Pedrosa, que no entanto, alerta que a substância não é eficaz para a maioria dos pacientes com insônia, como nos casos de ansiedade e depressão. “Pode ser útil apenas na síndrome de atrasado de fase de sono-vigília (distúrbio caracterizado por um ciclo circadiano fora do comum) e em pacientes com baixos níveis de melatonina”, afirma Pedrosa, alertando que o suplemento parece ser seguro quando usado durante três meses ou menos. Acima disso, pode provocar efeitos colaterais.
Exemplo da eficácia do tratamento contra a insônia, o comerciário Reginaldo Correia de Melo, 59, há cerca de 3 anos não conseguia “pregar o olho”. Dormia apenas de 3 a 4 horas por dia. “O motivo era a correria do cotidiano. Durante o dia sentia muita sonolência, quando dirigia chegava a parar o carro para descansar. Mas na hora de ir para cama não dormia”, recorda-se.
Reginaldo admite que era muito ansioso. “Eu ia dormir e pensava no que eu ia fazer no dia seguinte e via muita TV. Aí não conseguia pegar no sono”. Durante 2 anos, ele tomou medicamentos para a ansiedade. “Agora durmo tranquilo”, comemora. Precavido, Reginaldo, porém, não deixa de seguir as recomendações do seu médico para não voltar ao tormento das noites em claro. “Hoje só assisto à TV depois das 19h quando tem jogo ”. E quanto ao smartphone? “Durante o dia recebo muita mensagem pelo WhatsApp, mas na hora de dormir, boto o celular no silencioso e só vou checar as mensagens no outro dia”, afirma, decidido Reginaldo.
*Por Cláudia Santos, editora da Revista Algomais Saúde (claudia@revistaalgomais.com.br)