De acordo com o Censo Oftalmológico de 2014, existem cerca de 68 milhões de pessoas míopes no Brasil. E esse número vem aumentando. Pesquisas apontam que em 2050, metade da população brasileira terá miopia. Essa deficiência visual dificulta a visualização de objetos que estão a certa distância. Isso acontece porque o foco da imagem se forma, incorretamente, antes da retina. Essa formação pode ser motivada por duas razões: ou porque a córnea é muito curva ou porque o olho é mais comprido que o normal.
“Quando nascemos nossos olhos têm um tamanho menor que o do adulto, ou seja, são hipermétropes. Quando essa hipermetropia não existe ou é muito pequena, as crianças ao crescerem vão desenvolver com muita probabilidade miopia”, explica Durval Valença, oftalmologista e sócio-fundador do IOR (Instituto de Olhos do Recife), que indica realizar o exame preventivo na criança entre os 3 e 4 anos.
As causas mais comuns do distúrbio são relacionadas a hábitos como ler muito próxima do objeto (livro, tablet etc) e coçar os olhos, o que faz com que a córnea fique mais curva, ocasionado a chamada miopia de índice, onde o foco fica antes da retina. Após os 30 anos de idade, esse risco começa a ser menor. Alterações hormonais, diabetes e catarata também podem causar o problema.
Há cerca de 20 anos, a hereditariedade era o fator mais preponderante. Hoje em dia, isso já não é tão comum. Mesmo pessoas que não são míopes passaram a ter filhos com miopia. O estilo de vida adotado pela população nas últimas décadas tem sido o principal motivo que fez crescer exponencialmente a incidência do distúrbio. De acordo com a última metanálise da Academia Americana de Oftalmologia, até 2050 a previsão é de que 50,7% dos brasileiros tenham miopia. Isso representa um aumento de 83% no número de caso em relação a 2014.
AO AR LIVRE
“O aumento está muito atrelado à educação, ao tempo em que se permanece lendo, principalmente com atividades indoor, realizadas dentro de casa”, esclarece Fábio Casanova, oftalmologista e diretor do Memorial Oftalmo. Segundo o especialista, quando estamos ao ar livre a luminosidade natural nos dá menos probabilidade de desenvolver uma futura miopia, ao contrário da luz artificial. O uso recorrente das novas tecnologias, com destaque para os aparelhos celulares, é hoje o maior fator de risco, já que levam os usuários a ler a uma distância bem próxima dos dispositivos e a permanecerem em ambientes fechados.
Foi justamente a utilização excessiva de eletrônicos e a leitura muito próxima ao rosto que desencadearam na recepcionista Luciana Anacleto, de 23 anos, miopia e astigmatismo. “O uso de celular, computador, muita televisão, e o fato de eu quase ‘enfiar a cara no caderno para escrever’ fez com que eu passasse a não enxergar de forma nítida. De uns tempos para cá descobri que estou com miopia”, conta Luciana, que não tem histórico do distúrbio na sua família.
O problema pode ser solucionado por meio de óculos, lentes de contato ou, em casos extremos, por procedimento cirúrgico. Os óculos e a lente de contato não corrigem a miopia, mas oferecem um foco adequado para a retina. E esqueça a crença de que se o míope não usar óculos ou lentes poderá ter o grau aumentado. Isso é mito!
Já a cirurgia é considerada um tratamento, porque corrige a miopia. Chamada de cirurgia refrativa, é feita na córnea com o emprego do laser e indicada para ser realizada após os 21 anos, quando o grau da miopia está estabilizado. O procedimento também soluciona casos de astigmatismo (irregularidade na córnea que causa distorção de imagem) ou hipermetropia (dificuldade de enxergar de perto).
O procedimento não requer muitos cuidados no pós-operatório. “A cirurgia é rápida e segura. O paciente é operado nos dois olhos no mesmo dia. O tempo de duração é de no máximo 15 minutos. Ele sai com um protetor de plástico, para evitar que coce o olho. No outro dia ele entra no consultório sorrindo porque já está enxergando tudo”, salienta Durval Valença. “Aqueles que apresentam graus mais fortes passam uma semana usando protetor, só o retiram na hora de dormir”.
Somente no IOR, segundo o diretor executivo do instituto, Afonso Medeiros Filho, foram feitas 513 cirurgias refrativas em 2017. Quando o paciente míope é mais velho, entre os 50 e 65 anos, pode haver uma alteração do cristalino associado a uma catarata. Nesse caso a própria cirurgia de catarata também pode corrigir o distúrbio.
Rodrigo Arthur é acompanhado por Valença desde o início do seu problema, aos 8 anos de idade. Hoje, aos 21, realizou há menos de um mês, a cirurgia a laser, uma vez que seu grau havia estabilizado fazia dois anos. Um dia após o procedimento já conseguia enxergar tudo perfeitamente. “Não tenho do que reclamar”, comemora o paciente.
Já Laila Araújo, de 21 anos, tem 8 graus. Desde a bisavó da família, o histórico é de grau de miopia bem alto. Quando era mais nova, precisou passar por uma cirurgia ótica: “eu tive um princípio de descolamento de retina nos dois olhos e fiz um procedimento cirúrgico para corrigir esse problema”.
O desejo de Laila é fazer a cirurgia refrativa, mas o grau ainda não está estabilizado, e mesmo com o procedimento cirúrgico, ela ainda precisará usar os óculos com um grau abaixo do que ela utiliza hoje. “Meu médico disse que a partir dos 21 anos eu já poderia fazer a cirurgia, porém meu grau não está estacionado e todo ano ele aumenta um pouquinho”.
Cuidados
Para prevenir problemas futuros na visão, os cuidados devem começar de muito cedo. Os pais devem estimular as crianças a brincarem ao ar livre e evitar passar muito tempo com os olhos a uma distância muito perto dos objetos, seja lendo, escrevendo, vendo televisão ou utilizando aparelhos eletrônicos, como celulares, tablets, entre outros.
Fábio Casanova conta que nas escolas públicas da China, têm-se colocado em muitos lugares anteparos paras as crianças de 6 e 7 anos não aproximarem o rosto dos livros. Esse anteparo fica no queixo, parece até algo medieval, mas que é usado para evitar a proliferação da miopia. Tudo isso porque existe um impacto socioeconômico muito importante: pacientes míopes acima de 3 a 4 graus de miopia descolam a retina em mais de 40 vezes, se comparado aos pacientes não-míopes.
Descolamento de retina é uma das principais causas de perda visual. Existe um impacto grande na vida da população, e, além disso, pacientes míopes têm alterações mióticas, que ocorrem no fundo do olho, e baixa de visão ao longo da vida.
Sabe-se que 30% dos pacientes com miopia acima de 6 graus, considerados altos míopes, vão ter baixa ou perda visual, em pelo menos um dos olhos. “Esses números nos assustam e transformam a miopia numa gestão de utilidade pública. Por isso que é importante a prevenção para minimizar o impacto do distúrbio na população”, alerta Fábio Casanova.