Entrevista a Camila Moura e Cláudia Santos
Jorge José Pioneiro da TV e personagem do rádio em Pernambuco fala de sua trajetória na comunicação
Uma verdadeira enciclopédia do rádio e TV pernambucanos, Jorge José Santana trabalhou ainda garoto nos estúdios radiofônicos e integrou a primeira equipe que atuou na televisão no Estado. Nesta conversa com Algomais ele fala dessa trajetória e da sua vida como escritor.
Como foi a infância no Recife?
Quando garoto, brincava na praça de Casa Forte, depois eu fui morar em Apipucos, depois Dois Irmãos. Morei num sítio enorme ao lado da casa de Gilberto Freyre. Ficava vendo Fernando Freyre e Sonia Freyre andado de patins. Como eu era pobre, não tinha dinheiro para comprar patins, pelo menos eu ficava lá olhando, me divertindo. Às vezes, eu me acordava cedinho para apanhar as mangas que caiam no meu quintal e vendia a 10 centavos. Era um dinheirinho para pagar o cinema. Eu estudava no São Luís e minha mãe impôs regras para o meu estudo: se eu tirasse 10 e 10, eu tinha um dinheiro para ir ao cinema. Se fosse 10 e 9, eu não tinha o dinheiro para ir ao cinema . E se tirasse menos do que isso, eu ficava de castigo e não ia ao cinema. Depois fui para o colégio estadual, em seguida passei uma temporada no Colégio Padre Félix. Houve um período em que eu não dei continuidade aos estudos. Quando eu cheguei na fase de vestibular, já havia entrado no rádio que era um ópio, me seduzia. Garoto ainda, de 11 anos, fazia rádio, subia num banquinho porque a haste do microfone não descia até a minha altura.
E como você entrou no rádio?
Eu ficava em casa lendo os jornais em voz alta, transmitindo o jogo de futebol e meu pai viu que eu gostava daquilo. Eu pedi: pai, eu quero trabalhar no rádio. Ele falou com o amigo Ziul Matos, locutor que tinha programa de auditório na Rádio Tamandaré. Ele me levou para o rádio e comecei a fazer os papéis de garoto nas radionovelas. Depois, encontrei uma pessoa que me ensinou a ser contrarregra, fazia ruídos de passos (usando tábuas) cavalo correndo no asfalto (com cocos), etc. Lá para frente surgiu a oportunidade de ser produtor de rádio, escrevendo. Existia naquela época a novela semanal. Nós íamos assistir ao filme, antes de ele ser lançado, e depois a gente iria radiofonizar aquele filme em cinco capítulos. Isso foi em 1954.
E na televisão?
Em 1959 abriu um curso para televisão e me inscrevi. Nessa época a Rádio Tamandaré tinha passado para a Rádio Clube de Pernambuco (pertencente aos Diários Associados), e houve a transferência da equipe. O curso era para produtor de televisão e ocorreu um concurso em que tirei terceiro lugar. Eu era garotão, 18, 19 anos. Comecei na TV Rádio Clube com a responsabilidade de escrever novelas. Eu já vinha escrevendo novelas para o rádio. Nenhum dos produtores tinham a dimensão da força da imagem e da palavra ao escrever aqueles grandes teatros que duravam uma hora e meia. Tudo ao vivo. O estúdio era quente, os atores terminavam o ato e precisavam trocar de camisa, porque estavam todos molhados de suor. Segui esse caminho, fazendo teleteatro, depois escrevendo novelas. A primeira foi chamada O Ruído do Silêncio. Os atores vieram do teatro e do rádio, tanto na TV Rádio Clube, quanto na TV Jornal do Commercio, que era chamada gaiola de ouro, porque tudo lá era muito rico, grandes estúdios.
Qual foi a primeira TV a ser inaugurada?
A TV Rádio Clube. Inaugurou no dia 20 de junho de 1960. Uma semana depois inaugurou a TV Jornal do Commercio. Bem, um dia resolvi ir embora para o Sul do País. Muita gente tinha ido para o Rio de Janeiro, porque já tinha começado o sistema de videotape, os custos baratearam e na produção local o custo era alto. No Sudeste havia mais oportunidades. Foi na época que foram para lá: José Santa Cruz, Lucio Mauro, Arlete Salles. Mas, por um acaso, encontrei Paulo Pessoa (ex- dono da TV Jornal) que me chamou para trabalhar com ele e me disse: “você vai fazer a viagem por conta da empresa. Vai conhecer nossos representantes do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul e quando voltar, você vai dirigir o departamento de teleteatro”. Isso foi em 1964. Voltei de São Paulo e fui para a TV Jornal do Commercio, com o segundo salário mais alto da empresa na época. Uma empresa que eu sempre sonhara em trabalhar. Foi uma fase de muitas novelas. Uma delas, A Moça do Sobrado Grande, foi um sucesso. Tanto que ela foi exibida na TV Bandeirantes para todo o País.
E depois?
Fui chamado para ir para a Bahia, trabalhar na TV Itapoan. Resolvi ir, porque queria conhecer o mercado e porque a empresa Jornal do Commercio estava para inaugurar lá uma emissora. Quando avisei sobre a proposta recebida, Paulo Pessoa disse: “ótimo, vá para lá. Você vai para conhecer o mercado, porque quando a gente inaugurar a nossa emissora, você vai trabalhar com a gente”. Fui trabalhar nos Associados como olheiro. (risos). Mas a TV Itapoan passou muitos anos como única emissora da Bahia. Quando inaugurou a TV Aratu, com uma programação mais moderna, fornecida pela Globo, os espectadores migraram para TV Aratu. A audiência dos Associados caiu. Vi que não dava para mim: primeiro porque não conseguia brigar com uma audiência dessa, segundo era uma programação global, terceiro os programas dos Associados estavam meio cansativos, não havia renovação. Nesse período, a empresa Jornal do Commercio que ia inaugurar uma emissora lá, começou o processo de falência. Eles não acompanharam a evolução de tecnologia. Compraram todo equipamento em preto e branco e de repente começou a surgir o sistema colorido e todo equipamento foi perdido. Além da Bahia, Paulo Pessoa também pensou em comprar a TV Rio e começou a levar o dinheiro daqui para investir nessas duas. E a fonte era uma só e secou. Aí, voltei para o Recife, para a TV Jornal do Commercio. Eu, que tinha participado do período rico da televisão, participei também do período pobre. Passava dois, às vezes, três meses sem receber o salário. Recebia o vale semanal que à vezes era algo como R$ 50 para passar a semana. Era vice-diretor de programação. Inventando coisas para preencher o tempo. As empresas de filmes já não queriam vender para a TV, que tinha dívidas com essas empresas. Eu criava programas, chamava os cantores e eles mesmo eram os apresentadores. Traziam os convidados deles. Custo zero. Criava também programas de entrevistas. A emissora não saia do ar. Passamos de três a quatro anos nessa luta quando entrou um cidadão que me chamou e disse: “a empresa vai fechar, você coloque a empresa na Justiça, porque aqueles que estão na Justiça serão os beneficiados”. Mesmo contra a vontade, coloquei na Justiça, mas lá na frente fizeram um acordo. Fiquei segurando a barra, foi quando fui convidado para trabalhar na Fundação Joaquim Nabuco por Fernando Freyre, meu ex-vizinho.
Que trabalho desenvolveu na Fundaj?
Criamos a Massangana Multimídia, fizemos muitos documentários. Alguns passaram na TV Escola, como o seriado sobre o descobrimento do Brasil que produzimos, quer dizer incentivamos. Lá eu dizia: eu sou o incentivador de vocês, para incentivá-los a fazer. Descobri bons talentos lá e eles deram conta do recado. Depois que eu saí de lá, fizeram a transcrição para inglês e espanhol do seriado que está correndo o mundo. Foi uma passagem boa, eu aprendi a fazer pesquisa e me apaixonei. Isso me ajudou nos trabalhos que faço na área literária. Saí da Fundaj quando Luis Inácio entrou no governo. Houve uma mudança geral, Fernando Freyre saiu. Decidi não ficar no novo grupo. Aí, montei uma agência de publicidade voltada para o interior, porque a maioria das agencias só trabalhava aqui na capital. Meu filho tinha comprado uma sala, que dividi com minha nora, que é arquiteta. No início, tudo correu bem. Mas depois as prefeituras foram deixando de pagar. Tive um prejuízo.
Como conheceu Carmen Peixoto?
Havia uma novela chamada A Canção do Fugitivo. Perguntei para Luiz Mendonça se ele conhecia uma jovenzinha que interpretasse um papel na novela que seria lançada. Ele disse: “tenho uma lá da universidade (Rural) que eu dirigi num espetáculo. É Caloide.” Era o apelido de Carmen. Ela veio toda magrinha, bonitinha. Fez o teste. Estudava na Rural, quando inventaram um teatro lá e Luiz Mendonça foi dirigir esse teatro. Fiz o teste com ela e perguntei se ela aceitava participar. Ela disse: “tenho que falar com papai e mamãe. Não sei se eles vão deixar”. Mas ela conseguiu dobrá-los. Eu, que também escrevia e dirigia, colocava nas rubricas (no script) algumas coisas dirigidas a ela: “o personagem está olhando para você com muito amor”. Mandava uns recadinhos. Mas ela, se entendia, fazia que não entendia. Até que um dia eu me declarei e perguntei se ela queria namorar comigo. A partir daí, estamos há mais de 50 anos juntos, com três filhos e cinco netos.
Como surgiu a ideia de escrever livros?
Quando estava na Fundação Joaquim Nabuco, eu era muito procurado pelos estudantes de comunicação para falar sobre televisão e rádio. Só havia dois livros sobre o rádio e nenhum sobre a televisão. Decidi escrever o livro A televisão pernambucana – Por quem a viu nascer. Depois, eu fui cobrado para fazer a história do rádio. Fiz O rádio pernambucano por quem o viu crescer. Em três meses a edição se esgotou. Foram tirados mil exemplares. Como o da televisão, que também em quatro meses se esgotou. Foi tirado uma segunda edição do livro da televisão. Depois, pensei em fechar o tripé da comunicação e fazer o da imprensa, lançado há dois anos. Comecei a ser cobrado para fazer o da internet, mas a internet ainda está muito jovem, não tem história.
Como surgiu o livro sobre os governadores?
Na inauguração do RioMar vi três governadores ao lado de João Carlos Paes Mendonça. Pensei: as pessoas costumam criticar governadores, mas conheci os três e eles fizeram boas coisas por Pernambuco. Vou deixar as críticas para os jornais e vou dizer o que eles fizeram de bom de uma forma que não pareça ser um diário oficial.
Quais os próximos projetos?
Como nós somos de uma família evangélica, vamos contar a história da igreja que nós convivemos que é a Igreja das Graças e, paralelamente, vamos trabalhar em cima da história dos prefeitos do Recife.
Como você encara o futuro da rádio e TV com a web?
Do mesmo jeito que a televisão não veio para acabar com o rádio, a internet não veio para acabar com os outros veículos. Pelo contrário, tem sido uma grande auxiliar, chegou para complementar, dar mais força. Quem souber usar mais e melhor ganha.