Há muito tempo, o Cesar atua em mercados de outras regiões do País e no exterior. Esse processo de internacionalização tem-se intensificado e a empresa do Porto Digital planeja abrir uma base na Europa no ano que vem. Uma situação na qual o CEO da instituição de inovação, Fred Arruda, está confortável. Afinal, ele já morou em várias cidades, como o Rio de Janeiro e hoje se divide entre São Paulo, sua atual moradia, e o Recife, onde passa 10 dias a cada mês. Sinal dos novos tempos, quando a tecnologia permite residir num local distante da empresa em que se trabalha. Mas ao ser perguntado onde nasceu, o recifense não titubeia: “sou torcedor doente do Santa Cruz! Tanto é que meu nome é Fred Arruda”. Foi com esse bom humor que ele conversou com Cláudia Santos e Rafael Dantas sobre o setor de TI e as perspectivas do Cesar.
Ao assumir o Cesar, você disse que uma das ações será desenvolver estudos e políticas públicas. Poderia detalhar esse projeto?
Fizemos uma pesquisa para saber como atuam centros de inovação de referência ao redor do mundo e percebemos que eles se envolvem em políticas públicas e na realização de estudos. O que muitos deles não fazem é desenvolver softwares. Inspirados nessa referência, incluímos isso no nosso portfólio. Não que antes não fizéssemos, mas não tínhamos metas e hoje temos indicadores que medem nosso envolvimento em políticas públicas. Este ano, por exemplo, está tendo uma mudança grande na Lei de Informática e estamos nos envolvendo mais fortemente em duas políticas, uma na mudança do que chamamos de processo produtivo básico da fabricação de celular no Brasil. Também estão em curso mudanças para atender demandas de ordem tributária. E aí todo o ecossistema de inovação envolvido nisso tem dado suas contribuições e o Cesar não é diferente. Também estamos envolvidos com a empregabilidade no setor, temos um buraco grande de mais de 100 mil vagas. Estamos construindo políticas para isso com as entidades de classe.
E quanto aos estudos?
Essa área de estudos está dentro da Cesar School, onde 90% dos professores são profissionais que atuam com projetos no Cesar e outros são parceiros. Os negócios são integrados, só que nosso foco é inovação em rede. Não sabemos tudo, atuamos muito com os parceiros do ecossistema de inovação nos quais estamos inseridos, o Porto Digital é o maior deles, mas também estamos dentro do polo tecnológico de Manaus, do Vale do Pinhão (que está sendo formado em Curitiba), de Sorocaba (SP). Na cidade de São Paulo não temos esse movimento formado, mas estamos dentro do Inovabra, que é um hub para esse tipo de discussão. Também atuamos no Rio de Janeiro.
Como tem sido a atuação no Rio já que a cidade enfrenta problemas?
Estamos lá há muito tempo com projetos educacionais, mas agora estamos com uma pessoa de negócios. De resto, a cidade é maravilhosa, tem a maior concentração de PHDs do País, foi capital federal e conserva o patrimônio histórico e cultural, há também as universidades, a área de comunicação ainda tem muita coisa lá por causa da Globo, e ainda se destaca nas áreas de seguros, de óleo e gás, educação. Além disso, meu telefone ainda é 021. Morei sete anos e meio lá e tenho um carinho e um respeito muito grande pelo Estado. Não temos uma regional constituída no Rio, mas, com clientes que virão muito em breve – vocês vão ter notícias boas! – vamos montar uma regional pra valer lá. Acho que a hora de investir numa cidade tão sofrida como o Rio é agora, na hora da baixa. Gerar emprego, ofertas de educação.
O que vocês têm feito para solucionar a escassez de capital humano?
O gap existe, por algumas razões. Primeiro a demanda é crescente pela tecnologia da informação, há vários setores do País em que a tecnologia tende a substituir o trabalho humano, então demanda profissionais que construam essas tecnologias. Há outra situação de muita gente saindo para o exterior. O Brasil e os EUA são os países que mais perdem profissionais de TI para a Europa e a Ásia. No nosso caso tem a ver com o que o jovem espera para seu futuro. Infelizmente temos um contexto de insegurança delicado no País. Além disso, é uma tendência do jovem sair do ensino médio, já com inglês relativamente fluente. Assim, ele está pronto para viver experiências lá fora. O que estamos fazendo é nos adaptar a essa realidade do home office. Hoje, muito pontualmente, temos profissionais que não trabalham nas bases do Cesar, que moram em Florianópolis, Petrolina, Canadá, Washington. Também existe a movimentação para fazer com que as mulheres voltem a frequentar o setor de tecnologia. Outra ação é sensibilizar alunos de ensino médio, mostrando que as profissões que mais vão demandar no futuro têm muito a ver com tecnologia. Investimos ainda em parceria, temos vários parceiros que a gente chama de butiques de desenvolvimento de software. São empresas menores, com 10 a 15 funcionários, que são pessoas muito capacitadas, que preferem uma outra dinâmica de trabalho. Se eu capto um projeto em que não há nenhuma restrição legal de contratar um parceiro, uso essa rede. É um outro caminho para minimizar a necessidade de contratar pessoas dentro da instituição.
Existe uma crítica de que o salário pago no Porto Digital é baixo.
O Brasil tem algumas empresas de base tecnológica na área financeira, que a gente chama de unicórnios. Elas pagam um salário desproporcional ao resultado financeiro que geram. Competir com essas empresas é muito difícil. O que tentamos fazer é dar uma perspectiva de carreira. Hoje o jovem profissional não é atraído só por salário, mas também por propósito e a gente tenta trabalhar esse propósito para que ele se sinta partícipe da construção de uma estratégia do ecossistema e se sinta mais valorizado do que se sentiria numa empresa onde ele é mais um.
Você anunciou que uma das prioridades da gestão será o reposicionamento do Cesar no negócio do empreendedorismo. Vocês estão revendo a forma de incubar empresas?
Para todo negócio do Cesar que tinha que gerar uma receita recorrente, criávamos uma empresa incubada. Esse modelo ainda se sustenta, mas o Cesar passou a acelerar empresas. O reposicionamento que fazemos é encaixar o negócio do empreendedorismo na nossa estratégia. Também percebemos que o processo de inovação nas empresas tem-se dado muito dentro do que chamamos de inovação aberta, ou seja: eu tenho um problema, vou ao mercado buscar a startup que me dê a solução. O Cesar está se colocando como um agente de prestação de serviço de aceleração, identificando os problemas dos clientes, buscando startup que resolva aquele problema para acelerar essas empresas. Criamos novas ofertas no portfólio de empreendedorismo e esperamos que no finalzinho deste ano ou no começo do próximo isso se reflita em resultados concretos. A melhor forma de reposicionar é ter métrica e meta.
Que tipo de metas vocês trabalham?
Algo como “x” por cento do faturamento tem que vir desse tipo de projeto. Hoje temos um KPI (indicador de desempenho) que diz assim, por exemplo: 5 % das vendas têm que vir de novas ofertas do Cesar, uma nova oferta pra gente é algo que tem que estar no portfólio há menos de três anos. Cinco por cento ainda é número baixo, mas como é a primeira vez que medimos isso, estabelecemos uma meta para persegui-la e, à medida que alcançamos, vamos aumentando. Dentro desse pacote de ofertas de novos produtos e serviços o empreendedorismo está lá dentro. Se eu agrupasse as principais preocupações do Cesar, a primeira é fazer inovação, tanto que o Conselho não nos cobra por faturamento, evidentemente que temos que nos sustentar, mas se o faturamento diminuir, mas estivermos fazendo inovação, tudo bem. Não vamos fazer o que não é da nossa competência só para aumentar o faturamento.
Embora não seja uma cobrança, como está o faturamento do Cesar?
Não há cobrança, mas ele é um bom parâmetro para saber se estamos sendo bem aceitos. Ele foi de R$ 105 milhões no ano passado, o que representou um crescimento de 15% em relação ao ano anterior. Para este ano, desenhamos uma meta de R$ 131 milhões, que é ousada demais, 25% de crescimento. Mas vamos atingir R$ 122,4 milhões, um crescimento bom em relação ao ano anterior, de quase 15%.
Quais sãos os setores com os quais o Cesar trabalha?
Setor de eletroeletrônicos, que são os fabricantes de celular e computador, que ainda representam a maior parcela do nosso resultado, mas agora colocamos no mercado um negócio chamado Índice Cesar de Transformação Digital, que permite às empresas mapearem o grau de maturidade que têm no digital e isso tem sido uma porta de entrada interessante pra gente em segmentos como saúde, transportes, montadoras de veículo e educação. Mas temos clientes de vários setores, como energia, óleo e gás, saúde, varejo.
O Cesar tem clientes em Pernambuco?
São poucos, porque perdemos muito como centro decisório. Tínhamos três bancos em Pernambuco: Bandepe, Banorte e Banco Mercantil. Também perdemos Bompreço e Compre Bem. Seja por falência, seja por aquisição, perdemos muitas empresas de referência e isso tirou daqui uma boa parte da decisão dos negócios. Nos segmentos em que temos uma receita maior, o centro de decisão não está aqui. Mas temos procurado, principalmente com o nosso envolvimento em internet das coisas e indústria 4.0, nos aproximarmos das indústrias locais. Não posso dizer nomes, mas temos tido boas conversas com algumas. Confesso que com esse negócio da internet – que é muito democrático, porque com poucos investimentos permite ao empreendedor entrar em mundos novos – eu esperava que no segmento que usa tecnologia o acesso ficasse mais democratizado. Mas também nesse setor você vê consolidação de empresas acontecendo e grandes conglomerados adquirindo empresas menores. Não é a gente que vende, é o mercado que compra.
Vocês têm alguma estratégica de internacionalização?
Sim. Cada vez mais, temos dado atenção aos Estados Unidos porque boa parte dos nossos clientes toma decisões lá. Temos pessoas trabalhando nos EUA. O outro foco é o seguinte: pra onde vamos crescer? A Ásia é longe demais, e entre os EUA e a Europa achamos que o continente europeu tem uma diversidade maior de ofertas, de culturas, de fóruns de discussão. A tendência é termos uma base em Portugal no próximo ano. Fizemos uma missão em julho para lá, vamos fazer outra em setembro e em novembro vamos para o Web Summit, o maior evento na área de tecnologia. Agora que formato de base é este, que estratégia vamos ter, isso vai ser construído até novembro. Posso dizer que a missão em julho foi de pleno êxito, inclusive há uma instituição de ensino portuguesa com a qual estamos desenhando uma parceria com a Cesar School. O objetivo é que as ofertas da Cesar School sejam oferecidas lá e as deles sejam ofertadas aqui.