Se o mercado de trabalho já exige novas habilidades e uma série de atividades laborais estão substituindo ocupações mais tradicionais, como a escola está preparando os adolescentes para esse novo cenário? Na avaliação dos especialistas e dos estudantes de redes públicas e privadas presentes no Workshop Algomais Educação, as instituições de ensino seguem focadas na transmissão de conteúdo com foco no desempenho dos alunos no Enem.
“Se a escola não se reinventar e ficar só no conteúdo pelo conteúdo para fazer uma prova, ela não estará preparando ninguém nem para o presente, quanto mais para o futuro. Os currículos escolares não estão acompanhando a mudança que o mundo está pedindo. Sobretudo na educação básica é preciso equilibrar o aprendizado das competências cognitivas com as ditas socioemocionais”, defendeu Armando Vasconcelos, diretor do Colégio Equipe, membro do conselho editorial da Revista Algomais e mediador do evento.
O estudante Pedro André, aluno do ensino médio da Escola Técnica do Porto Digital, ressaltou como os adolescentes são pressionados para fazer a escolha da profissão, num período repleto de incertezas. “Recebemos muita pressão do mercado de trabalho, que chegam ao ambiente escolar. Mas penso que daqui há seis anos, quando concluir o ensino superior, é provável que o trabalho que penso em fazer agora nem seja mais viável. É preciso um apoio no ambiente escolar para a gente aprender a pensar em como se desenvolver para o futuro e ser mais flexíveis também”.
Outra crítica feita durante o debate foi em relação ao processo de avaliação para ingresso nas universidades. A estudante do colégio Fazer Crescer, Beatriz Férre, 16 anos, sugere o uso de modelos que já são aplicados por instituições americanas que consideram na seleção outros fatores, que não apenas uma prova de conhecimentos. “Na avaliação dos alunos para a Universidade de Cambridge, por exemplo, eles estão interessados em saber a capacidade de aprendizado da pessoa. Em seleções internacionais há também a avaliação da participação social e das atividades extracurriculares, isso valoriza o cidadão que está realmente integrado na sua sociedade. Se as faculdades do Brasil investissem mais nisso estariam promovendo uma cidadania mais ativa, do que só decorar conteúdo” sugere a estudante.
Felipe Furtado avalia como uma grande “maldade” a pressão exercida sobre os estudantes, em especial durante o ensino médio. Ele defendeu a necessidade do ambiente escolar contribuir para a preparação do aluno para a adaptabilidade e a capacidade de ter um pensamento crítico, que serão habilidades essenciais para o futuro profissional, independente da formação superior escolhida pelos estudantes.
Assim como Beatriz, Furtado sugeriu que seja repensada a forma de ingresso dos estudantes ao ensino superior. Instituições no exterior e o próprio Cesar School adotam avaliações mais complexas. Exames que consideram o mapeamento de competências e testes para identificar as habilidades dos candidatos como a resolução de problemas, criatividade, trabalho em equipe e liderança.
O isolamento dos estudantes e dos profissionais diante das pressões por resultados e pelo uso de tecnologias foi a preocupação levantada por Thays Coelho, da Escola Municipal Octávio Meira Lins. “Uma das pesquisas que li sobre profissões dizia que 90% das demissões de empregos na área de tecnologia são motivadas por questões comportamentais. Nesse período atual, em que há muitas pessoas isoladas do mundo, sem interagir, o que elas deveriam fazer para sair desse isolamento?”, indagou.
Furtado afirmou que, de fato, o mundo digital, em alguns cenários, leva as pessoas para o isolamento e que esse é um problema a ser superado por um grupo grande de jovens profissionais. “Muitas pessoas saem das empresas não por problemas técnicos, mas porque não conseguem trabalhar em grupo, ser flexíveis, seguir um processo de construção coletiva. A saída desse isolamento, no entanto, não é um papel só da escola. É da família também e de um esforço do próprio jovem, porque isso irá impactar no futuro do seu trabalho”, respondeu.
POPULAÇÃO VULNERÁVEL
O acesso da população mais vulnerável economicamente ao mercado de trabalho também foi questionada pelos estudantes. “O que acontecerá com as camadas mais populares que perderão seus trabalhos com a automatização? Aumentará o desemprego e a desigualdade?”, indagou a aluna do colégio Conecta Maria Beatriz, 16 anos. Furtado considera que os impactos já estão acontecendo em várias profissões, criando dificuldades econômicas e sociais para uma parcela da sociedade que não consegue se reciclar e se recolocar no mercado. Mas, ele tem a expectativa de que novas atividades abram oportunidades para as pessoas. “Todas as revoluções causam isso, com perdas de postos para uns e ganhos para outros. Estamos na 4ª Revolução Industrial. Não tem como lutar contra a tecnologia, mas melhorar a educação e fazer políticas públicas de inclusão social, com mecanismos de inserção dessas pessoas”, sugeriu.
Outra preocupação levantada no workshop foi com a necessidade de qualificação da população mais idosa. “Há uma tendência de envelhecimento da população e do alongamento das carreiras. Como as pessoas mais velhas que estão no mercado de trabalho podem se adaptar a esse processo de automação, já que elas têm mais dificuldade de se inserir nos postos com maior exigência tecnológica?”, questionou o estudante do Colégio Fazer Crescer, Francisco Beltrão, 17 anos.
Para Furtado, não há uma fórmula pronta, mas uma diretriz. “Acho que a palavra chave para isso é desaprender o que eles sabiam e aprender novas coisas. “A solução passa pelo governo com a adoção de políticas públicas e também por nós, enquanto sociedade, para encontrar mecanismos de inclusão dessas pessoas”, propõe Furtado, ressaltando que a Cesar School está capacitando pessoas de 50 a 60 anos, que aprenderam profissões ligadas à tecnologia décadas atrás e estão com dificuldade para se recolocar no mercado.