Charles Araújo, 38 anos, é designer de jogos e professor em Xianning. Está na China há cinco anos e morou em Wuhan por três. Com a quarentena instituída no final de janeiro, brasileiros da região buscaram apoio dos consulados e conseguiram a repatriação. Seu nome estava entre os que voltariam nos aviões que vieram para o Brasil, mas, casado e com filhos, Charles decidiu ficar.
Ele conta que quando surgiram os primeiros casos em Wuhan, o País se preparava para as celebrações do ano novo chinês. Já havia rumores de um aumento considerável de casos de pneumonia na cidade. No entanto, ele revela que é comum haver aumento de casos de gripe e pneumonia nessa época do ano (entre janeiro e fevereiro) devido o inverno do País.
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“Por volta do dia 23 de janeiro, já com a existência do novo vírus confirmada, recebemos a notícia de que o governo havia decretado a quarentena da cidade de Wuhan, uma cidade com mais de 11 milhões de habitantes e um dos principais polos comerciais da China. Voos foram cancelados, rodovias bloqueadas, transporte público por exemplo, trem, metrô, ônibus, táxi, parou tudo. Escolas e universidades fechadas. Continuaram funcionando apenas os serviços essenciais ligados aos setores da saúde e alimentação, como hospitais, farmácias e supermercados. A partir de então, essas medidas de contenção foram se expandindo pela província e sendo aplicadas também nas cidades vizinhas, até que dois dias depois, também entramos em quarentena em Xianning”, conta Charles.
Foi neste momento de agravamento das medidas de isolamento e do crescente registro de casos na China que os brasileiros que se encontravam na cidade começaram a cobrar um posicionamento da embaixada. “Isso, posteriormente, acarretaria a missão de repatriação, na qual foram enviados dois aviões para resgatar os brasileiros que se encontravam aqui, incluindo eu. No entanto, depois de pensar um pouco melhor sobre o assunto e levar em consideração algumas questões pessoais importantes, decidi retirar meu nome da lista de passageiros que retornariam ao Brasil e permanecer por aqui”.
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A partir dessa decisão, o pernambucano seguiu as orientações de isolamento do governo chinês e procurou alertar os amigos mais próximos, além dos parentes no Brasil sobre a gravidade da situação e preveni-los com antecedência. “Nos dois meses de quarentena, a recomendação era ficarmos isolados em casa, saindo apenas quando extremamente necessário”. Quem apresentasse sintoma, era preciso ligar para ser transportado a um hospital de ambulância. Alimentos e produtos de uso diário eram comprados pela web, pagos preferencialmente com celular e entregues na portaria dos condomínios. O governo também distribuía cestas produzidas em províncias não afetadas pelo vírus. Nas portarias acontecia o controle da entrada e saída da compra de mercadorias e também de pessoas ligadas a serviços essenciais, que tinham autorização pra deixar suas casas durante o período de quarentena.
Veículos sem autorização não circulavam nas cidades e drones faziam o monitoramento e a conscientização dos moradores. Com a adesão em massa da população ao isolamento, os efeitos positivos começaram a surgir. As autoridades conseguiram zerar o número de contágios comunitários ainda nas primeiras semanas de março, segundo Charles.
Com a situações sob controle, o comércio foi reaberto, incluindo espaços de grande circulação de pessoas, como nos shoppings. Os parques públicos também estão liberados para uso da população. As aulas, porém, seguem suspensas. “A vigilância continua com os mais jovens, considerados vetores de propagação. O uso de máscaras é obrigatório em áreas de grande tráfego, como aeroportos e estações de trem. Também é comum observar pessoas usando máscaras também em áreas mais isoladas. Casos esporádicos de contágios ainda são registrados, a maioria, pessoas vindas do exterior. Por isso, o governo suspendeu a entrada de estrangeiros e determinou a quarentena de 14 dias para todos que retornam à China”, relata Charles.
O pernambucano avalia que ficou claro que o controle da propagação do vírus só foi possível pelo combate rígido à infestação da Covid-19 na China e lamenta a situação no Brasil. Ele aponta que o incentivo de figuras públicas políticas, religiosas e empresariais ao descumprimento das medidas de prevenção é um grave risco à saúde pública. “É muito triste assistir ao Brasil, que teve a sorte de poder aprender com os erros e acertos de países que precisaram lidar com a epidemia antes e está seguindo na contramão. E eu falo isso de coração apertado! No Brasil existem agravantes capazes de torná-lo, sim, palco de um dos piores cenários dessa pandemia. Quando as pessoas preferem ignorar os fatos, deixando de ouvir especialistas, cientistas, pessoas que vivenciaram a pandemia, para dar ouvidos a autoridades políticas comprovadamente irresponsáveis, elas acabam se tornando um perigo ainda maior do que o próprio vírus. Se puderem, por favor, fiquem em suas casas. Cuidem dos seus parentes e respeitem os idosos. O Brasil tem condições de vencer esse desafio, mas a responsabilidade é de todos.”
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.pe@gmail.com)