*Por Rafael Dantas
O Brasil desceu de elevador e estava subindo de escada. Essa era a descrição do consultor Francisco Cunha sobre a retomada brasileira da última crise. O cenário de economia ainda morna – mesmo após uma série de reformas feitas nas gestões ministeriais de Henrique Meirelles e de Paulo Guedes – acabou por receber um tsunami de água gelada com a chegada da Covid-19 ao Brasil. Para ajudar empresas a enxergarem uma luz no fim do túnel, trazemos com exclusividade informações do paper Gestão Estratégica na Crise, recém-lançado pela TGI, com 10 orientações de curto e médio prazos para sobreviver ao ano de 2020. Apresentamos também experiências de empresas que agiram rápido para enfrentar o impacto nos seus negócios, ainda dentro dessas primeiras semanas de isolamento social.
COMITÊ DE CRISE E PLANO EMERGENCIAL Para o consultor da TGI Francisco Cunha, o primeiro passo para o enfrentamento desse momento de dificuldades extremas nos negócios para todos os setores é criar um comitê de crise. Ele avalia que esse grupo deve ser composto pela alta direção das empresas e os seus principais executivos com o objetivo de desenvolver um plano de ação emergencial para os próximos 90 ou 120 dias. “Tem sido de muita valia a operação dessa estrutura para o acompanhamento desse plano emergencial, elaborado para fazer frente às dificuldades do ambiente de negócios atual”.
Uma das organizações pernambucanas que instituiu um comitê de crise rapidamente foi o Sicredi Recife. Com 14 mil associados, a instituição financeira cooperativa criou um plano para garantir a segurança da sua equipe e preparou uma série de medidas para qualificar seus serviços às novas demandas do público .
Com reuniões semanais, a diretoria e os gerentes do Sicredi Recife determinaram rapidamente o home office para todos os colaboradores do grupo de risco e adotaram medidas sanitárias na sua agência – com disponibilização de álcool em gel, máscaras e protetor facial para os profissionais que seguem trabalhando presencialmente, e algumas adaptações nos guichês. As medidas protetivas de prevenção à contaminação foram adotadas por todas as empresas entrevistadas nesta edição. Apesar de diminuir a carga horária e o expediente de atendimento ao público, a cooperativa não reduziu os salários dos profissionais e tem como meta atravessar a crise sem demissões.
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ATENÇÃO AOS CLIENTES E FORNECEDORES
Escutar o cliente é outra condição essencial em tempos de mudanças inesperadas e drásticas, segundo Francisco Cunha. E foi na escuta dos seus clientes, que estavam preocupados com a paralisação de algumas atividades, que a cooperativa criou linhas específicas de crédito. “A preocupação dos nossos associados era honrar com seus compromissos. Então repactuamos parcelas de empréstimo aos que solicitaram e criamos uma linha de crédito para associados das principais cooperativas atendidas pelo Sicredi Recife, com carência de 90 dias para pagar a primeira parcela, com taxas inferiores às do mercado”, afirmou Floriano Quintas, presidente do conselho da instituição.
A cooperativa lançou também uma ferramenta digital que permite remotamente a abertura de novas contas e a prorrogação de contratos, que pode ser feita via troca de e-mails entre o cliente e a gerência. “É um sistema criado internamente neste período de crise para atender o usuário sem uso de papel e sem necessidade dele ir até uma agência”, explica Floriano Quintas.
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Referência no segmento de automação do setor elétrico, a ESC Engenharia teve que reinventar um dos seus setores para atravessar a crise. Embora uma grande parte da sua equipe trabalhe com o desenvolvimento de projetos, que passou a ser realizado em home office desde o dia 18 de março, um dos braços de atuação é na realização de testes presenciais. Com a paralisação de vários clientes e a dificuldade de deslocamentos e de hospedagem em campo, a missão dada às 15 pessoas dessa equipe foi: “Criem oportunidades. É preciso fazer algo diferente para se manter vivo”, relatou Saulo Santos, sócio da ESC. O desafio proposto teve resultados. “Essa área se reinventou de forma absurda, com uma inovação que chegou no serviço de testes de campo”, comemora Santos.
A equipe conseguiu desenvolver uma metodologia de trabalho para realizar a certificação dos sistemas projetados para uma das grandes empresas do setor elétrico que tem operação em Pernambuco e em outros estados. “Viabilizamos uma solução via VPN e webcam, que permitiu ao nosso cliente ficar em casa validando e coordenando as atividades. Nossa equipe mantém uma pessoa presencial, com todas as medidas de proteção, e uma remota. Foi uma inovação gigante, que evitou gastos do cliente e não expôs seu colaborador ao contágio da Covid-19, já que ele não precisou acompanhar o serviço presencialmente. É um sistema que provavelmente continuará a ser usado com o passar da pandemia”. Além de manter a sobrevivência de todo um setor, a inovação contribuiu para a continuidade dos serviços e da expansão dessa empresa do setor elétrico, que precisa se manter robusta durante a pandemia para atender a hospitais e à sociedade em geral.
Diante das restrições de circulação de pessoas e das novas necessidades dos seus clientes, a Pães & Delícias, de Caruaru, suspendeu o serviço presencial de self-service (no café da manhã, almoço, lanche e ceia) e investiu em um novo formato de comercialização. “Agora estamos com serviço de entrega de almoço e produtos de panificação tanto no sistema de delivery, por meio do WhatsApp, e também no sistema take-away, em que o cliente faz a encomenda e a retira na nossa loja. As pessoas têm demandado muitos pedidos de almoço, mesmo aquelas que não tinham o hábito de almoçar no centro da cidade, onde estamos”, afirma o diretor geral Eli James Laureano, que dirige a empresa ao lado da esposa Rildete Laureano. A empresa caruaruense também reduziu o horário de atendimento e a equipe que permanece na operação para evitar aglomeração.
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O processo de adaptação da empresa para o atual momento de crise também contou com várias medidas de digitalização, que estavam nos planos e foram aceleradas, tanto na gestão, como no relacionamento com clientes e fornecedores. “O formato das nossas reuniões agora é por videoconferência. O WhatsApp passou a ser um canal direto para falar com nossos clientes. Na área de compra de matéria-prima também foi intensificado esse modelo de atendimento por meio do WhatsApp e videoconferência. Nas redes sociais focamos em informar as mudanças na prestação do nosso serviço”, enumerou Eli James.
PRESERVAR O CAIXA E A EQUIPE
Questionado sobre as lições da pandemia, Eli James destacou: “É preciso estar sempre atento e preparado para mudanças em nossas vidas e nas empresas e ter reserva de capital para momentos difíceis”.
O cuidado redobrado com o caixa e com o crédito é uma das grandes defesas do paper Gestão Estratégica na Crise elaborado pela TGI. “ Caixa é vida e sobrevivência. Para isso é importante observar linhas de crédito especial para permitir o suporte e a transição deste momento difícil. Uma empresa pode viver um tempo sem lucro, mas não sobrevive sem caixa. É essencial garantir que os recursos deem conta das exigências de curto e médio prazos”, alerta Francisco Cunha.
O consultor adverte que o acesso às linhas de créditos oferecidas pelos bancos oficiais, com taxas mais módicas, pode ser um caminho para as empresas fortalecerem o caixa. “Quanto mais uma empresa puder fazer caixa, melhor. Se houver linha de crédito razoável que possa ser internalizada é importante, pois sabemos que a pandemia irá passar, mas não sabemos exatamente quando”, sugeriu Francisco Cunha.
A questão do emprego é uma preocupação dos governos e também está entre as prioridades das empresas. O consultor orienta que na travessia da crise é fundamental a preservação dos colaboradores estratégicos e o respeito por todos. “É indispensável orientar e dar suporte à equipe considerando a negociação a ser feita com cada colaborador. Também é necessária uma comunicação aberta e transparente com todos”, orienta Francisco.
O Hotel Portal de Gravatá, em Gravatá, atravessa a grave crise do setor de turismo e lazer, um dos mais afetados pelo isolamento. O sócio Eduardo Cavalcanti conta que o hotel está operando com apenas 6% de ocupação por pessoas que preferiram permanecer naquela cidade do Agreste pernambucano pelo risco de retornar para suas residências ou mesmo pela impossibilidade de viajar de avião durante a pandemia. “O hotel não se paga com menos de 45% de ocupação. Nessa primeira etapa colocamos 50% dos funcionários de férias, quando retornarem será a vez dos demais. No esforço por um equilíbrio econômico, estamos renegociando contratos, analisando renovações. E conversando diariamente com todos os segmentos sobre as medidas a serem tomadas. A última opção é a demissão. Não queremos, mas não tem nenhuma empresa com fôlego para além de meses”, afirma o empresário. O hotel emprega 200 pessoas.
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Segundo Cavalcanti, o setor de turismo espera uma retomada de ocupação hoteleira semelhante aos números anteriores à crise apenas daqui a um ano. Ele avalia que até 20% das empresas do setor não terão capital de giro para passar o sufoco da pandemia e não deverão reabrir. Sobre o Portal de Gravatá, que tem um perfil de público mais regional, que chega ao hotel de carro e não de avião, ele avalia que a movimentação habitual deve ser retomada um pouco antes, nos meses de janeiro e fevereiro de 2021.
Além da preservação da equipe, a ESC Engenharia tem investido também na comunicação e motivação do seu quadro profissional nesta travessia da crise. Além do comitê de crise, composto por 15 pessoas, Saulo afirma que, com o teletrabalho, ele tem conversado com o time de forma individual. “Tento reservar diariamente um momento para me conectar com algum colega para saber o que o está afetando nesse período, não apenas na parte profissional, mas também na parte pessoal. Entendo que para um profissional desenvolver algo com excelência, ele precisa gostar do que faz, ter ferramentas e suporte adequados, mas também ter um ambiente externo com harmonia. Digo sempre que cada um da empresa é o responsável pelo emprego de todos. Seguiremos com um time motivado em criar alternativas inovadoras para nossa a área de atuação. Isso já nos permitiu executar atividades de forma totalmente disruptiva”.
Na próxima página, publicamos a lista das 10 orientações da TGI para que as empresas atravessem a crise no curto e médio prazos e cheguem vivas ao “novo normal” que o mundo viverá pós-isolamento. Para acessar o documento completo, acesse o link: paper.tgi.com.br
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.pe@gmail.com)