Um dos entrevistados da última edição da Revista Algomais foi o empresário Marcelo Bandeira de Mello, diretor executivo das empresas Pedrosa, Transcol e São Judas Tadeu, e membro do conselho de inovação da NTU (Associação Nacional de Transportes Urbanos). Fazendo uma comparação com a luta nacional contra à Covid-19, ele defende que é preciso “achatar a curva” a demanda do transporte público. Diante da queda abrupta de receita das empresas do setor de transporte público e da necessidade de melhorar o conforto dos passageiros, tendo menos pessoas por veículo, reduzir a pressão sob o sistema de ônibus nos horários de pico (com o escalonamento dos horários de entrada e saída das atividades produtivas) é a sua proposta. Essa mudança de comportamento da sociedade, que distribuiria melhor os usuários ao longo do dia, demanda de uma ampla participação da sociedade para poder funcionar com resultados.
Diante da necessidade de reduzir as aglomerações no transporte público, que medidas você defende que podem ser tomadas para aumentar a segurança dos passageiros e caminhar para uma solução viável para o setor?
A preocupação com a saúde pública é um dever de todos e as empresas do setor estão muito engajadas nesta iniciativa, de maneira a proporcionar mais segurança aos nossos clientes e colaboradores. Por este motivo, antes mesmo da formalização de um protocolo para o setor por parte do Grande Recife, as empresas já haviam implementado diversas medidas, como forma de proporcionar um padrão de segurança sanitária ainda mais alto nas garagens e veículos. Entre as principais iniciativas adotadas podemos destacar o reforço da higienização dos veículos, com limpezas sendo realizadas ao longo do dia nos terminais no intervalos das viagens, instalação de anteparos de proteção para os motoristas e cobradores, pulverização do veículo com desinfetante de aplicação hospitalar e a diminuição da capacidade total de passageiros dos veículos.
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Você poderia explicar como colocar em prática um “achatamento da curva do transporte público”? E quais os principais benefícios dessa medida?
Em que pese a demanda de passageiros ainda estar 60% abaixo do patamar anterior à pandemia, observamos que a utilização dos veículos tem se dado em faixas de horários bastante reduzidas, de maneira que há uma sobrecarga no sistema nos horários de pico, enquanto que há capacidade de transporte não utilizada nas demais faixas horárias. A nossa proposta é, portanto, achatar a curva da demanda pelos serviços de transportes, observando a capacidade efetiva do sistema face à nova especificação de lotação adotada. Precisamos reunir o poder público, setores econômicos da sociedade civil e empresas de transportes na montagem de um comitê para discutir o ajuste dos horários das atividades, de maneira a distribuir a demanda de forma mais homogênea ao longo do dia, proporcionando uma taxa de ocupação inferior nos veículos e um melhor padrão de qualidade. Tal iniciativa repercutiria também na melhoria da fluidez do trânsito da cidade, o que geraria um segundo benefício para o passageiro, na medida em que melhoraria a velocidade comercial dos veículos, reduzindo o tempo de viagem. Toda a sociedade precisa estar em sintonia para construir o novo normal estabelecido após a pandemia.
Nas minhas leituras, encontrei o dado de que para viabilizar o transporte coletivo as empresas calculam uma média de 6 passageiros por metro quadrado. Essa estatística é real? Se considerar que a aglomeração é o que garante a viabilidade do serviço, quais são as alternativa para financiar o setor diante da necessidade de melhorar a segurança e o conforto dos passageiros com mais espaço nós coletivos?
Não só no Brasil, mas em todo o mundo, o transporte de alta capacidade era planejado pelos órgãos gestores de maneira a considerar uma ocupação que chegava a 6 passageiros por metro quadrado nos horários de pico. Esta realidade fatalmente não é compatível com a necessidade de aumentar o distanciamento social e por este motivo toda a sociedade (e não apenas as empresas de transporte) precisa repensar o novo formato de transporte a ser adotado. Importante destacar que o achatamento da curva da demanda é um mecanismo que auxiliará nessa distribuição mais racional dos deslocamentos, mas um novo modelo de financiamento, que considere outras formas de arrecadação que não apenas a tarifa, se mostra mais do que nunca necessário. Precisamos encontrar alternativas que possibilitem a melhoria da qualidade dos serviços com uma tarifa socialmente justa e adequada e nesta equação é necessário identificar fontes de receitas extra-tarifárias.
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Que inovações no transporte público no exterior poderiam servir de inspiração para uma qualificação do nosso modelo de mobilidade urbana?
Temos acompanhado e avaliado a implantação de várias iniciativas de ampliação dos pagamentos eletrônicos, possibilitando a substituição do dinheiro não apenas pelo cartão de passagens, como também pelos cartões de débito e crédito, QRcode, carteiras virtuais, dentre outros. Outras tecnologias já existentes, como a contagem automática de embarques e desembarques através das câmeras instaladas nos veículos traduzem-se como importante aliado na gestão da demanda, como forma de determinar a lotação efetiva, em tempo real de cada veículo, possibilitando, inclusive a reprogramação das linhas ao longo do dia. Por fim, os já conhecidos corredores exclusivos para o transporte público precisam ser continuamente expandidos, como forma de possibilitar uma melhor eficiência nos deslocamentos da população.
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No Recife, qual o cenário deixado pelo isolamento social para o setor de transporte?
O cenário é muito preocupante e ainda incerto. Nosso modelo é baseado quase exclusivamente na arrecadação tarifária, tendo as receitas do sistema sido duramente impactadas a ponto de ameaçar a subsistência do setor. O colapso do transporte com o consequente retorno do transporte clandestino é o pior mal que pode ocorrer em uma cidade que pretende avançar com a pauta da mobilidade sustentável. O setor tem sobrevivido graças à postergação dos compromissos junto a agentes financeiros, bem como se socorrido das medidas de redução de jornada dos trabalhadores apresentadas pelo Governo Federal. O problema é que tais medidas possuem prazo determinado de duração e avaliamos que a demanda ainda levará um tempo de ao menos 6 meses para normalização. É urgente a rediscussão do modelo de financiamento e de operação do setor, sob pena de se inviabilizar em definitivo a sobrevivência do setor, como já tem ocorrido Brasil afora.