“O Nordeste do Brasil, pelo prestígio quatro vezes secular da sua sub-região açucareira (…) Não só do açúcar: também a área por excelência do bolo aristocrático, do doce fino, da sobremesa fidalga (…) do bolo de rua , do doce e do bolo de tabuleiro, da rapadura (…) de saborear com farinha, juntando a sobremesa a alimento de substância .”
(Gilberto Freyre, Nordeste)
Da cana sacarina uma civilização marcada pelo que é doce. Açúcar mascavo, mais escuro, com a cor do caldo, do tacho que prepara a massa que é rapadura. Essa cor que traz o verde do caldo é referência visual e tradicional da nossa rapadura, que dá um doce à boca, faz o paladar lembrar que somos, também, herdeiros e filhos de um amplo processo social e econômico da saga dos engenhos que transformaram a Mata Atlântica em imensos oceanos de canaviais.
As rapaduras chegam, na sua maioria, dos engenhos domésticos e familiares. O caminho de se fazer o açúcar é longo, exige além do bom caldo os conhecimentos adquiridos durante gerações, nas experiências de purgar, purificar o caldo no fogo profundo, que os mestres de rapadura sabem de olhar, no cheiro, na prova freqüente para conquistar a qualidade ideal, como uma assinatura, uma marca autoral.
Assim, os engenhos, em especial os do Nordeste, continuam os seus rituais de moagem, de fabricarem os tijolos de rapadura, que ficam durante algum tempo nas formas de madeira para conquistarem a textura e qualidades necessárias, adquirindo o verdadeiro buquê tão marcante quanto o do vinho, do conhaque, ou mesmo da nossa tão querida cachaça, também filha dos engenhos.
Em contextos de reconhecimento em âmbito e de valorização gastronômica, cada vez mais os processos artesanais e autorais dos engenhos, mesmo aqueles que combinam processos industriais, querem investir numa produção especial para o consumo de um público que valoriza o que é feito-à-mão, que busca o autoral, o saber artesanal que é a ação direta do saber tradicional sobre uma técnica, e por isso pode-se chamar, então, de tecnologia tradicional.
Nada melhor do a prova da rapadura, daquela que saiu do tacho de cobre, ainda mole e quente, um verdadeiro manjar. A rapadura é de um doce tão saboroso e que se apresenta em inúmeras variações, é quando se vê, então, as marcas dos engenhos, marcas que se repetem à fogo no queijo-de-manteiga, no gado bovino, verdadeiras logos que identificam o lugar, o mestre, o próprio engenho. Assinaturas que fazem ‘terroir”.
Assim, nas feiras e mercados, nas lojas, os consumidores vão escolher a rapadura como se escolhe o vinho. Ora pela procedência, cor, datação; ora pela prova, odor.
O consumidor reconhece a marca, vê a cor, prova, realiza, então, o encontro com a memória do paladar, reconhecimento do paladar, e assim encontra o gosto desejado, ativa suas emoções diante do que é doce.
A rapadura, também, é misturada com a farinha de mandioca _ jacuba. Acompanha o café com o tareco. É ingrediente indispensável no tão conhecido bolo pé-de-moleque pernambucano , entre tantos outros usos culinários.