O baixo interesse dos brasileiros pela política é uma realidade que se torna ainda mais contundente quando se fala na decisão dos representantes que irão compor as casas legislativas. O repórter Rafael Dantas conversou com o cientista político e pesquisador ds Fundaj Túlio Velho Barreto sobre esse fenômeno da apatia do comportamento do eleitor na escolha dos vereadores. O especialista apontou algumas das raízes desse problema e indicou caminhos para aumentar o engajamento da população na vida política.
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Algumas pesquisas indicam que uma parcela significativa da população sequer lembra de quem votou para vereador na última eleição. O que pode explicar o desinteresse e a falta de motivação da população nas eleições municipais proporcionais?
TÚLIO VELHO BARRETO – Esse fenômeno é comum igualmente nas eleições proporcionais estaduais e nacionais, ou seja, para os cargos de deputados nas assembleias legislativas e na Câmara Federal. Não se configurando em algo específico das eleições municipais. E resulta menos no desinteresse da população e mais do fato de os vereadores, deputados estaduais e federais terem pouca ou nenhuma relação mais próxima com os eleitores e eleitoras. Se os candidatos e candidatas praticamente só aparecem nas comunidades, só vão às ruas a cada quatro anos para pedir voto é difícil mesmo que a população lembre em que votou. Sem essa ligação mais estreita, e diante da enorme quantidade de partidos, em sua maioria apenas cartorial, e de postulantes aos cargos proporcionais, é quase impossível registrar o nome de quem você votou, a não ser aquele voto mais fiel e ou ideológico.
Na sua avaliação, como a Pandemia atrapalha a escolha dos vereadores? Há algum impacto esperado no resultado das eleições com as restrições impostas pela Pandemia?
TÚLIO VELHO BARRETO – Provavelmente, nessas eleições teremos menos o corpo a corpo nas ruas e comunidades, em diversos locais por causas das restrições impostas pela pandemia. Pelo menos, é o que se espera diante do quadro severo de circulação do covid-19 que ainda temos. E isso tende a atrapalhar o corpo a corpo com os eleitores e eleitoras, algo bastante comum em outros anos. Talvez isso provoque uma abstenção maior, embora devamos esperar mais para afirmar isso categoricamente. Sem essa opção, o jeito vai ser recorrer mais à propaganda eleitoral obrigatória no rádio, sobretudo, e na TV, em que o tempo para os proporcionais é pequeno. Tais veículos ganham novo fôlego nessas eleições porque as pessoas tendem a estar mais em casa. Agora, pelo menos inicialmente, os candidatos e candidatas tenderão a recorrer mais também às redes sociais, mas aí se esbarra no fato de que nem todo mundo tem acesso à internet ou se tem é de forma precária. Então, há impacto, sim, colocado no horizonte em decorrência da pandemia.
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A dificuldade em saber e acompanhar a atividade parlamentar é um dos fatores que implica no desinteresse por uma escolha mais criteriosa? O que poderia ser feito para facilitar o acompanhamento do trabalho do legislativo municipal?
TÚLIO VELHO BARRETO – Sim, há grande dificuldade de se acompanhar as atividades parlamentares e mesmo saber o que acontece nas câmaras municipais, o que fazem os vereadores e vereadoras no dia a dia do legislativo. É mais fácil acompanhar o que ocorre, por exemplo, na Câmara Federal, embora também haja muita desinformação quanto às atividades dos deputados estaduais nas assembleias. E isso tem a ver a forma como a mídia institucional e a grande mídia tratam de suas respectivas atividades. Ou os vereadores e vereadoras, em sua grande maioria, não fazem nada ou fazem muito pouca coisa de interesse das populações, ou tais mídias as ignoram completamente, porque quase nada chega aos eleitores e eleitoras. Por outro lado, são poucos os legisladores e legisladoras que têm interesse ou a iniciativa de criar canais mais próximos com a população, sejam estes pessoais e ou virtuais. Se os e as legisladoras fossem realmente representantes da população isso seria minimizado no contato periódico e sistemático junto aos eleitores e eleitoras. E a mídia institucional e a grande mídia podiam, aliás, deviam criar espaços específicos para divulgar suas atividades.
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Com as últimas mudanças na regra do jogo das eleições, como o resultado do pleito deste ano pode ser influenciado?
TÚLIO VELHO BARRETO – Bem, se você se refere às duas principais e recentes mudanças na legislação eleitoral, que são, na minha avaliação, a proibição de financiamento das campanhas por parte das pessoas jurídicas, isto é, das empresas, e à proibição de coligações nas eleições proporcionais, acho que têm ou deveriam ter impactos positivos. Embora acredite que, quanto ao primeiro aspecto, alguns partidos e políticos sempre vão buscar formas de burlar a legislação. Lembro que na eleição presidencial ficou evidente o pagamento ilegal por parte de empresas de disparos de mensagens através de robôs nas redes sociais, algo que contribuiu para o resultado eleitoral. Digo isso porque fazer o chamado “caixa 2”, ou seja, pagamento irregular para financiar campanhas, apesar de proibido era prática recorrente no passado próximo. Em relação ao segundo aspecto, a proibição de coligação nas eleições proporcionais, isso tende a contribuir para uma maior definição ideológica das candidaturas e será uma forma de medir mais claramente a força dos partidos. E talvez aproxime mais a população dos partidos e crie uma identidade maior com os eleitos e eleitas.
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Nas eleições majoritários há uma expectativa de haver uma influência da polarização nacional no debate e nos resultados. Há alguma possibilidade disso influenciar também a formação das casas legislativas?
TÚLIO VELHO BARRETO – Avalio que isso é possível, embora talvez essa eleição não vá ter necessariamente um caráter plebiscitário em relação ao governo Jair Bolsonaro/Hamilton Mourão. O que não significa dizer que a disputa não seja nacionalizada. Isso vai depender de muitos fatores, inclusive relacionados à pandemia e a forma irresponsável e inconsequente com que o governo federal tem tratado esse tema, se opondo a muitos governadores e prefeitos. No entanto, essa polarização tende mesmo a ser mais provável na disputa majoritária, e menos nas eleições para as casas legislativas municipais. Agora, não tenho dúvida que o campo mais conservador, senão reacionário mesmo, vá tentar surfar na onda criada pela vitória de um candidato que podemos localizar na extrema-direita, como Bolsonaro. Onda, que, aliás, ainda precisa se consolidar, pois não é certo saber se ela é real nos níveis estadual e municipal, ou se foi um momento mais ou menos pontual, diante do antipetismo que se criou no plano federal.
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*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.pe@gmail.com)