A psiquiatra Helena Cerqueira conversou com o repórter Rafael Dantas sobre o impacto da pandemia nas crianças e adolescentes, as expectativas delas sobre a vacinação e acerca da atenção que os pais devem ter para os reflexos após os períodos de isolamento social vividos no País.
Mesmo sem compreender completamente e não haver uma comunicação focada nelas sobre a pandemia, como a travessia desse momento tão único para a humanidade os afeta emocionalmente e psicologicamente?
Para as crianças e adolescentes, o medo gerado pela pandemia (de contrair a doença ou trasmití-la para familiares, principalmente os avós) já é por si só um possível agente desencadeador de adoecimento mental. Além disso, as medidas restritivas e lockdowns se traduziram em uma perda da rotina da escola, esportes, recreação, contato com amigos e oportunidades de desenvolvimento social e emocional. É de se esperar, portanto, um prejuízo emocional nessas faixa etárias. Isso foi comprovado em um importante estudo sobre o impacto da saúde mental em crianças e adolescentes que foi publicado no JAMA Pediatrics em meados de 2021. Os autores avaliaram cerca de 80.000 crianças e adolescentes menores de 18 anos. De acordo com o estudo, as taxas de depressão generalizada e ansiedade clinicamente significativas dobrou ao longo da pandemia, com um em cada quatro jovens experimentando depressão e um em cada cinco ansiedade. O estudo também observou que crianças mais velhas e adolescentes tinham taxas maiores de depressão. Entre outros fatores, este último achado pode refletir o impacto do isolamento social em uma faixa etária que depende fortemente do convívio com os pares.
Outro problema encarado pelos pais, principalmente de crianças/adolescentes que desenvolveram algum transtorno mental durante o período pandêmico, foi o retorno às aulas após o fim das restrições. Criou-se até o termo “síndrome da gaiola” em alusão aos pássaros que foram mantidos em cativeiro e depois temem sair da gaiola. Isso é compreensível pois o ensino on-line permitia que os estudantes assistissem às aulas deitados na cama, ou não assistissem, escondederem-se por trás da câmara desligada, além disso, as provas feitas sob consulta, eram mais fáceis e demandavam menos esforços. A retomada da aula presencial significa um esforço maior, uma necessidade realmente de dedicação e, para alguém que está deprimido e ou ansioso, ou que tenha ou desenvolvido fobia social, isso é algo muito difícil.
Muitas crianças ficaram sem aulas em um período inicial de formação. Como uma ausência da formação nessa primeira infância pode afetá-las?
Estar em sociedade é importantíssimo para o desenvolvimento sócio-emocional na primeira infância. A interação com os coleguinhas promove o desenvolvimento da habilidade de autorregulação, trabalha a capacidade de prestar atenção e estimula o desenvolvimento da linguagem verbal. Logo, após o lockdown, nós, profissionais que trabalhamos com a faixa etária pré-escolar, já observamos na prática clínica atrasos no desenvolvimento da linguagem e comunicação.
Voltando o olhar para o impacto da covid ainda mais precoce: no período gestacional e primeiros meses de vida, um estudo interessante foi publicado agora no início de 2022 também no JAMA pedriatics. Os pesquisadores descobriram que os bebês nascidos durante o primeiro ano da pandemia tiveram uma pontuação ligeiramente menor em um teste de triagem de desenvolvimento de habilidades sociais e motoras aos 6 meses – independentemente de suas mães terem COVID durante a gravidez – em comparação com bebês nascidos pouco antes da pandemia. Sabe-se que os bebês nascidos de mães que têm infecções virais durante a gravidez têm um risco maior de déficits no neurodesenvolvimento, então os autores hipotetizaram que encontrariam algumas mudanças no neurodesenvolvimento de bebês cujas mães tiveram COVID durante a gravidez. Ficaram surpresos ao não encontrarem absolutamente nenhum sinal sugerindo que a exposição ao COVID no útero estava ligada a déficits de desenvolvimento neurológico. Os resultados sugerem que a enorme quantidade de estresse sentido pelas mães grávidas durante esses tempos sem precedentes podem ter desempenhado um papel. Outros fatores, incluindo menos brincadeiras e interações prejudicadas com cuidadores estressados, podem ajudar a explicar por que os bebês nascidos durante a pandemia têm habilidades sociais e motoras mais fracas do que os bebês nascidos antes da pandemia. Não foram grandes diferenças, apenas pequenas mudanças nas pontuações médias entre os grupos. Mas essas pequenas mudanças merecem atenção cuidadosa porque, no nível da população, podem ter um impacto significativo na saúde pública.
Quais as principais mudanças de comportamentos das crianças que tem preocupado os pais? A Sra tem recebido muitas crianças no consultório com problemas relacionados à pandemia?
Na minha prática diária percebo o que sugerem os estudos: a faixa etária da adolescência com quadros mais graves de ansiedade, depressão e fobia social. Além de uma intensa piora do excesso de uso de telas, jogos e redes sociais. Entre a faixa etária dos bebês uma maior procura de ajuda devido atraso no desenvolvimento da linguagem verbal e socialização.
Como as crianças estão observando a perspectiva de serem vacinadas? Afinal, desde o início da pandemia, essa essa é a primeira vez que o foco está nelas.
As crianças tendem a reproduzir as opiniões, crenças e medos de seus cuidadores principais. Logo, àquelas cujos pais estão tranquilos e animados para vaciná-las, estão recebendo melhor a ideia de serem imunizadas e até empolgadas para esse momento.
Eu tenho um filho que está até ansioso pelo dia de ser vacinado. Mas conheço também uma garotinha que tem medo, muito provavelmente por ter recebido notícias falsas. Como se comunicar com as crianças sobre a vacinação?
Crianças pequenas são as mais afetadas pelas notícias falsas, pois não desenvolveram ainda plenamente capacidade crítica. Logo, é muito importante os pais perguntarem diretamente a elas quais são suas angústias e desmistificarem seus medos. Também é importante separar um momento para conversar e explicar, em linguagem acessível a importância e a segurança da vacinação.
A perspectiva do fim da pandemia é uma ansiedade presente nos adultos. Isso já mexe com as crianças? Existe muita expectativa infantil da volta a uma vida “normal”?
Como conversamos anteriormente, as crianças pequenas absorvem bastante as expectativas dos adultos ao seu redor e a maioria já expressa em suas falas muita expectativa positiva de volta à vida normal. No caso dos adolescentes, principalmente os que desenvolveram e/ou pioraram transtornos mentais pré-existentes estão sofrendo mais com a readaptação. Todo esse processo e seus impactos futuros na vida das crianças e adolescentes é algo que o tempo e estudos posteriores nos mostrarão.