Primeira “luta verbal” de Raimundo Carrero no jornalismo, na década de 60 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Primeira “luta verbal” de Raimundo Carrero no jornalismo, na década de 60

*Por Rafael Dantas, repórter da Algomais

O autor pernambucano Raimundo Carrero lançou ontem (5), no Varejão do Estudante, o seu livro “A Luta Verbal – a preparação do escritor”. Ele defende uma literatura engajada socialmente, incomodada com as disfunções da sociedade em que o escritor está imerso.

No entanto, luta de Carrero, que é um dos ícones das letras no Estado e completa 75 anos em 2022, começou ainda no final da década de 60, no Diário de Pernambuco. Selecionamos hoje uma coleção de textos do autor no seu primeiro mês de trabalho no mais antigo jornal da América Latina que segue em funcionamento, uma série de reportagens sobre a Santinha de Alagoa Nova, no interior da Paraíba. Todos os textos foram encontrados no banco de dados da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, em cada reportagem há um link direto para a página das matérias.

A primeira reportagem assinada por Carrero teve como título Bispo manda padre observar a “santinha”. Era 24 de dezembro de 1969. O presente de natal dos leitores foram os primeiros textos dele narrando uma história que envolvia uma criança, Maria do Socorro Fernandes, que morava em Alagoa Nova. Diversos romeiros chegavam no sítio onde ela morava, pois havia uma crença de que ela falava com Nossa Senhora de Fátima e que teria feito inclusive milagres.

Carrero escreve que em suas conversas com a santa, a criança teria pedido remédios para a cura de muitos que a buscavam. A resposta da Nossa Senhora foi a seguinte: “Remédio para os pecadores era reza”. As palavras da menina, que era muito calada, inflamavam a devoção.

Apesar da juventude e da falta de experiência no jornalismo, já que se tratava do primeiro trabalho do escritor no jornal, Carrero escuta muitas fontes para contar a história da Santinha. Como uma boa apuração jornalística, na sua primeira reportagem ele ouviu o prefeito, os fiéis, um líder espírita (que declarou se tratar de algo do diabo), um sargento, tentou falar com o bispo em questão, que não respondeu, e finalmente a própria santinha. Ela não queria dar entrevistas, era mais reclusa. Nada que uma grande boneca de presente não abrisse as portas para a reportagem do Diario de Pernambuco.

A cobertura continuou no dia seguinte com o título Demônio estaria reagindo às aparições da virgem. A santinha teria sentido um empurrão por alguma entidade enquanto realizava as suas rezas. Além da descrição do relato da criança, Carrero fala sobre o natal na cidade pacata, que devido à movimentação atípica estava iluminada, mesmo sem um festejo oficial.

No dia 27 de dezembro de 1969, Carrero anuncia que a Santinha havia indicado a data da aparição de Nossa Senhora de Fátima no interior paraibano. Seria no dia seguinte. A revelação só ampliou as expectativas dos fiéis, que se acumulavam na cidade naquele final de ano.

A história da menina vidente seria contada ainda no dia 28 de dezembro: Multidão espera o sinal anunciado para hoje. Havia até a expectativa que a Nossa Senhora levasse para si a criança. Carrero registra uma fala do pai, José Fernandes de Araújo, conformado, caso essa fosse a vontade divina. Os poucos hotéis da cidade ficaram lotados. Um pastor entrevistado disse se tratar de coisa do demônio, com várias citações do apocalipse. Chegavam ao município também pessoas em busca de cura e milagres.

A cobertura de encerra no dia 30 de dezembro com a frustração da não aparição da santa: Multidão espera: sinal não veio e santinha adormece!. Segundo Carrero, a espera do evento reuniu 15 mil pessoas. Hoje, mais de cinco décadas após, a estimativa de população total da cidade é de 18 mil pessoas. “O desfile do povo frente a Maria do Socorro Fernandes era quase um culto. Homens e mulheres se misturavam numa idolatria. Vinham em fila, paravam em frente a Santinha, olhavam com olhares de súplica. Uns entregavam cartas e bilhetes contendo pedidos para curar doenças e melhoras de vida”, relatou Carrero na reportagem.

Apesar de Nossa Senhora de Fátima não ter dado nenhum sinal, Carrero encerra aquela cobertura indicando um sentimento positivo da população: “Mesmo não aparecendo o sinal, o povo não desanimou. Para a maioria, o grande sinal foi a união da multidão, que durante todo o dia se manteve em paz, não se registrando qualquer acidente.”

Da sua primeira reportagem aos livros que o tornaram mais conhecido, um semelhança é a temática da religião. A fé, as percepções de quem está ao redor e as contradições do divino com o real são uma marca da vida de vários personagens de Carrero. Escritor que, antes da literatura, deixou sua marca no jornalismo pernambucano.

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*Rafael Dantas é jornalista da Algomais (rafael@algomais.com)

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