Mesmo sob ameaça, modelos de negócios arrogantes não enxergam a comunidade – Revista Algomais – a revista de Pernambuco
OBSERVATÓRIO DO FUTURO

OBSERVATÓRIO DO FUTURO

Bruno Queiroz Ferreira

Mesmo sob ameaça, modelos de negócios arrogantes não enxergam a comunidade

*Por Bruno Queiroz Ferreira

Decisões recentes do poder público podem afetar o modelo de negócios de Airbnb e Uber, duas das principais plataformas de internet, que servem de exemplo para outras iniciativas digitais no mundo. Acostumados a atuar livremente na última década, esses aplicativos mantêm postura arrogante e preferem o enfrentamento no lugar do diálogo e da colaboração com a comunidade.

No caso do Airbnb, a Prefeitura de Nova Iorque implantou novas regras para o uso da plataforma na cidade. Desde setembro, os anfitriões só podem alugar o imóvel se residirem nele. Imóveis exclusivos para ofertar o serviço de aluguel temporário não serão mais permitidos. Os proprietários também precisam estar presentes na residência durante toda a estadia dos visitantes. E o serviço somente pode ser prestado a uma pessoa por vez.

Além disso, a prefeitura passou a exigir um cadastro dos proprietários para disponibilizar o imóvel na plataforma do Airbnb ao custo de US$ 145, que precisa ser renovado a cada dois anos. E os infratores das novas regras terão que pagar multas que variam de US$ 1 mil a US$ 7.500. Medidas duras que tentam regular o mercado de aluguel temporário, que estava prejudicando fortemente o segmento tradicional de hotéis e criando uma “bolha” imobiliária nas áreas mais nobres da cidade.

A ação da Prefeitura de Nova Iorque parece estar dando certo para conter o desequilíbrio de mercado. Tanto que, após um mês de implantação, houve uma redução de 75% da operação do Airbnb na cidade que nunca dorme, de acordo com informações do Financial Times, jornal norte-americano especializado em economia. Um grande baque no Airbnb, que tem em Nova Iorque uma de suas principais praças de operação.

Aqui no Brasil, na semana passada, o Uber também foi atingido por medidas legais. A Quarta Vara do Trabalho de São Paulo condenou a plataforma de transporte a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos e a assinar as carteiras de trabalho de todos os motoristas. A ação foi proposta pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) após denúncia feita pela AMAA (Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos) relacionada às condições de trabalho.

Até o ministro do Trabalho entrou na questão. Luiz Marinho disse: “Se a Uber quiser sair do Brasil, o problema é só da Uber, porque outros concorrentes ocuparão esse espaço, como é no mercado normal”. Outras plataformas, como o Ifood, têm reclamações semelhantes de restaurantes e entregadores. Tanto no caso do Uber quanto no caso do Airbnb as ações do poder público de conter os excessos não foram tomadas de um dia para outro. São parte de um longo processo de entendimento do problema e de suas consequências.

A questão central das medidas da Prefeitura de Nova Iorque e da Justiça do Trabalho no Brasil é que modelos digitais de negócios do tipo “arrasa quarteirão”, como Airbnb e Uber, não dialogam com o poder público e com a comunidade. Sem desmerecer as inovações e benefícios que trazem para os consumidores, a atuação centrada apenas no lucro é arrogante e desconexa com valores modernos, como sustentabilidade econômica e proteção social.

Esse tempo de “terra sem lei”, no qual as plataformas cresceram e se estabeleceram na última década, parece estar chegando ao fim. A regulamentação em bases equilibradas beneficia todos os lados. As plataformas precisam entender que é melhor colaborar do que ficar à margem da legalidade, mesmo que essa postura continue aumentando os lucros.

Até porque, pior do que adotar a política do enfrentamento, é ser visto pelos consumidores como serviços danosos à cidade ou aos trabalhadores, por exemplo. Quando se chega nesse ponto, é muito difícil reverter. E todos saem perdendo: mercados, empresas, trabalhadores e clientes. Por fim, vale dizer que modelos de negócios bem-sucedidos no futuro serão aqueles com foco no ser humano e não mais aqueles com foco exclusivamente no retorno financeiro.

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