“Nós nos consideramos um movimento popular de cultura digital” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Nós nos consideramos um movimento popular de cultura digital”

Revista algomais

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Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, comemora o sucesso do Rec’n’Play que atraiu mais de 60 mil pessoas e destaca a grande presença de jovens da periferia no evento. Ele também analisa os desafios para instalar moradias do Centro do Recife e as perspectivas do parque tecnológico.

Este ano do Rec’n’Play atraiu 61.700 pessoas que foram ao Bairro do Recife em busca de conteúdos sobre inovação. O sucesso de público surpreendeu até os organizadores. Para Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, além da qualidade das palestras, algumas novidades também contribuíram para incentivar as pessoas a irem ao festival, como as ativações de rua — tais como as arenas Gamer e de Negócios — e atividades culturais. Pierre comemora ainda a grande presença de jovens da periferia, que era um objetivo perseguido com mais ênfase nesta edição. Na sua opinião, o aumento do público no evento mostra que o Porto Digital começa a trabalhar melhor o sentido de comunidade no Recife, a partir de uma rede de engajamento muito forte na cidade.

Nesta conversa com Cláudia Santos, ele fala do êxito do Rec’n’Play, adianta algumas novidades do evento do ano que vem, analisa os desafios para a revitalização do Centro do Recife e expõe sua visão sobre o futuro do setor.

Qual o balanço que você faz do Rec’n’Play?

Ficamos surpresos. Eu, particularmente, não achava que seriamos capazes de mobilizar tanta gente em busca de conteúdo. Foram 61.700 inscritos. O ano passado teve 40 mil, que já tinha sido recorde.

A que você atribui esse sucesso?

Primeiro, começamos a trabalhar melhor o sentido de comunidade. Temos atualmente uma rede de engajamento muito forte na cidade. Hoje, nós nos consideramos um movimento popular de cultural digital. São pessoas que trabalham, estudam, têm interesse em tecnologia e viram no Porto Digital o movimento para que isso surgisse. É muito fora da bolha tradicional de tecnologia. Também qualificamos o evento, com o nível das palestras. Tivemos muita ativação de rua, como a arena de robô incrível — a Arena Gamer —, e a Arena de Negócios. Era um pedido das empresas do ecossistema ter um lugar para as startups se apresentarem. As apresentações estiveram lotadas todos os dias.

Na entrevista anterior que concedeu a Algomais, você disse que um dos intentos do Rec’n’Play seria atrair a juventude da periferia para Porto Digital. Isso foi atingido?

Isso ficou muito visível no evento. Quando acabou o Carnaval do REC’n’Play, fui ao show de Rayssa Dias, na Avenida Rio Branco. Ela é uma cantora da periferia. Estava lotado. Fiquei impressionado com a quantidade de gente que veio fazer selfies comigo, eram os meninos do programa Embarque Digital. Muitos também não eram e diziam: “muito obrigado por ter trazido a periferia para dentro do Rec’n’Play”.

Essa era a grande questão: como é que a gente atrairia esse público? Porque não é atrair para um carnaval, mas para que eles se sintam acolhidos. Foi bonito de ver a participação da juventude. A gente ampliou até a faixa de idade do público, fizemos atividades para bebês – teve muitas ações para criança – até para o grupo 50+.

Tudo foi feito de forma colaborativa, o que é muito complexo, porque tem uma margem para dar errado, mas tudo deu certo. O coronel da guarda municipal, disse: “eu nunca fiz um evento de massa que não tivesse uma confusão. Fiquei impressionado. Eu não tive uma ocorrência de roubo de celular”.

Mas o ponto decisivo foi a qualidade do evento em termos de conteúdo. A gente teve muita coisa de inovação, de inteligência artificial, trouxemos palestrantes conhecidos. As atividades e palestras estavam todas lotadas. Eu falei para João Campos: colocar 60 mil pessoas no Carnaval para tomar cerveja é fácil. Agora, para participar de conteúdo, de atividades educacionais, é outra coisa.

Acho que um dos grandes acertos do Rec’n’Play é ligar tecnologias com arte, com educação. O importante é que esse movimento popular, digamos assim, em torno da tecnologia vem se consolidando no Recife como em nenhuma outra cidade. Às vezes as coisas são muito dispersas, aqui não, aqui é no Porto Digital. E todo mundo se sente bem dentro desse guarda-chuva, se sente protagonista do evento, é um espaço de debates que a cidade conquistou.

Queremos manter essa pegada, vamos qualificar mais ainda o evento. No próximo ano, vamos ampliar a área de negócios, vamos manter o Carnaval e insistir na atração de gente de periferia. Vamos debater a de inteligência artificial, o futuro da educação, e já tem a data.

Quando será?

De 6 a 9 de novembro de 2024. Vamos crescer essa área de negócio absurdamente. Na pauta do ano que vem, vamos discutir o futuro. Ainda não temos temas, mas estamos preocupados com essas discussões. Qual vai ser o futuro da educação, já que na sala de aula a gente tem que buscar uma outra experiência? Qual vai ser o futuro do emprego com a chegada da inteligência artificial? Tem uma outra novidade: vamos abrir para as pessoas montarem as mesas.

Como assim?

Vamos abrir um período para perguntar: “você quer discutir no Rec’n’Play? Monte uma mesa, faça uma proposta em dois parágrafos dizendo ‘eu quero discutir isso, que vai custar X, vou precisar trazer uma pessoa de São Paulo etc”. Vamos montar uma comissão pública para escolher as propostas. Vamos fazer uma curadoria popular. Se uma empresa ou um coletivo quiser propor uma mesa, nós vamos correr atrás para realizá-la. Se chegar umas mil propostas, vamos selecionar 100.

Há uma demanda reprimida nessa área de negócio?

Sim. Conversei com o Daniel Coelho (secretário de Turismo do Estado) sobre a necessidade de fazermos do Rec’n’ Play um evento turístico de negócios nacional, porque não tem nada igual. O Brasil precisa saber que esse é o maior festival do País. Vamos precisar fazer isso como um modelo de negócio.

Vamos também crescer o número de ativações na rua, que foi uma experiência que deu certo, como a Arena de Robô, a Arena do Bradesco. Vamos manter e qualificar mais a parte cultural (quero ter mais atrações da periferia), e o nível da galera das palestras.

Mas é muito desafiador, porque a gente faz o Rec’n’Play sem dinheiro, com a colaboração da galera, tem patrocinador que não entra com um real, entra colaborando. É um evento colaborativo que a gente chama de Carnaval do Conhecimento, não porque se realiza em quatro dias, é porque a gente oferece uma infraestrutura igual às que as prefeituras colocam no Carnaval e os blocos chegam e vão se plugando ali dentro com atividades e manifestações.

Teve uma oficina feita pelos alunos do Embarque Digital, atividades feitas pelo Bradesco, Livraria Jaqueira, Sebrae. Mas, na parte de conteúdo, temos umas coisas pontuais que é a ideologia desse movimento popular em torno da tecnologia cultural digital, que é a defesa das liberdades individuais, da livre-iniciativa da formação de startups, das ações afirmativas em torno da diversidade, da educação, da ciência e da tecnologia. Por exemplo, quando discutimos inteligência artificial, analisamos as questões éticas, estamos preocupados como vai ficar o mercado de trabalho.

Ainda em relação aos jovens da periferia, como está o programa Embarque Digital?

É um programa de política pública fantástico da Prefeitura do Recife. Ele colocou o Porto Digital em outro tamanho. Em 2019, montamos os cursos de graduação com a Católica, a Unit e o Senac, sendo que num primeiro momento só tínhamos nossa faculdade própria. Montamos os cursos e das cinco cadeiras, uma é realizada dentro do Porto Digital.

O Embarque Digital é um programa de bolsas voltado para a galera que veio da escola pública para ser inserida nesses cursos, nos quais já existem 2.500 alunos ou 3 mil se contar com os de Aracaju. Vamos abrir também em Brasília e em São Paulo. Vamos lançar o curso com a Universidade Católica de Brasília, no começo de novembro, e estamos discutindo com a Mackenzie em São Paulo. Também queremos chegar a Maceió.

Temos 1.400 bolsistas dos 2.500 alunos daqui. Eles são da periferia, todos da escola pública, 69% são negros ou pardos, 88% têm uma renda familiar de até três salários mínimos. Significa que o primeiro emprego desse jovem vai ser a maior renda da família, e 33% são mulheres, o que ainda é pouco, mas acima do normal. Já éramos a cidade brasileira que tinha a maior quantidade per capita de alunos de tecnologia, e já estamos dobrando esse número com estudantes que vieram da periferia.

Se você somar com as cotas das universidades públicas, significa que daqui a 10 anos, quando você passar pela Rio Branco, verá a periferia do Recife ocupando essas vagas de trabalho. Estamos construindo um novo Porto Digital, é projeto de longo prazo, mas já está rendendo o resultado agora. No terceiro período do curso, 42% já estava empregado na área de TI. É um projeto de transformação de vidas num tamanho que a gente nunca viu no Recife.

Já o Governo do Estado está participando conosco nessa área de empreendedorismo.

De que forma?

Vamos montar um projeto gigante com chamado Nerd (Núcleo de Empreendedorismo e Residência Digital) em parceria com a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e o Governo de Pernambuco. Tem o objetivo de multiplicar o empreendedorismo por meio de ações de educação empreendedora, de incubação e aceleração de empresas. Vamos restaurar um prédio com recurso da Finep. Além disso, será um espaço aberto para encontros da turma de empreendedorismo, como se fosse um Rec´n´Play permanente. Isso é muito importante porque à medida que a gente vai crescendo o número de formados, temos que trabalhar a área de empreendedorismo para que tenhamos outras Neurotech, Pitang, Tempest.

Com esses projetos de investimento nas áreas de educação e empreendedorismo, qual a meta para o futuro do Porto Digital?

A gente deixou de falar em meta para falar em aspirações, porque nossa aspiração é ter 50 ou 60 mil pessoas trabalhando no Porto Digital daqui a uns 20 anos, é o que Silvio Meira chama de mentiras realizáveis (risos). Com 50 mil pessoas trabalhando com tecnologia, com um emprego muito melhor do que se tem hoje, poderemos ter mil empresas no Porto Digital e haverá uma mudança no Recife. Isso é possível, mas o processo é longo, só vamos conseguir fazer isso com uma grande mobilização em torno da educação e do empreendedorismo de base tecnológica.

Como estão as ações do Porto Digital relativas ao incentivo da moradia no Centro do Recife?

Temos três planos de curto prazo no Bairro do Recife, local que é muito desafiador por causa do custo do restauro que inviabiliza praticamente a moradia quando não está em grandes projetos. O Moinho se torna viável porque ele é um grande projeto, não se faz isso individualmente nas casas, é difícil. Então já tem o Moinho, o Yolo e perspectiva do prédio da Votorantim virar habitação. Temos a expectativa de que outros investidores venham comprar casas e transformar a região, como foi em Olinda.

O grande desafio é bairro de Santo Antônio, mas a prefeitura anda se mexendo. Ele foi muito machucado do ponto de vista urbanístico nas últimas décadas, mas essa é uma responsabilidade coletiva das instituições públicas e privadas porque todo mundo deu a sua porrada no Centro. A Universidade Federal saiu daqui e foi para a Várzea. Só sobrou a Faculdade de Direito. O Governo do Estado levou a Secretaria de Educação também para a Várzea. O fórum foi para Joana Bezerra, os advogados saíram do Centro. Precisamos recuperar o Centro, quando uma cidade perde o seu Centro, ela perde a sua alma.

Queria destacar que o Tribunal de Justiça tem sido um grande parceiro. Vai ser restaurado agora o prédio do Fórum no TJ, isso é importante. O comércio se apropriou do Centro da cidade, só que o setor está passando por mudanças.

O problema é que o Centro precisa ter morador e precisa ser um bairro central, com serviços, para as pessoas morarem. Mas é muito desafiador. Acho que a região central está pronta para algumas coisas. No Bairro do Recife, por exemplo, o Moinho vendeu em menos de meia hora todos os apartamentos.

O Centro precisa de um monte de coisa, é razoavelmente seguro de dia, quando tem uma dinâmica econômica. Tem uma atuação muito boa da polícia também, principalmente a guarda municipal. Podemos restaurar o espaço urbano se tiver todo mundo junto no mesmo propósito.

Como está a operação do Porto Digital em Portugal?

O CESAR já conseguiu o primeiro contrato grande lá, vamos acelerar 63 startups junto com a Sonae, que é o maior grupo econômico português. Por enquanto é escritório, só vamos virar hub na hora que chegar o apoio do poder público. O negócio é não esquecer o Recife, o Bairro do Recife é onde está a nossa alma.

Como estão as articulações do setor de tecnologia com o Congresso sobre os prejuízos que o setor pode ter com a Reforma Tributária?

São duas frentes. Uma delas é a manutenção de uma alíquota reduzida nos parques históricos, isso foi colocado na Câmara numa articulação feita com os deputados Tábata Amaral (PSB-SP) e Pedro Paulo (PSD – RJ). A indústria sai favorecida porque é uma ideia mundial, isso aconteceu em outros lugares, os produtos ficam mais baratos e os serviços mais caros, mas ocorre uma equalização de longo prazo. Lógico que a economia no longo prazo se ajusta, mas a tendência é que os preços subam muito na área de tecnologia. Outra preocupação é que é um setor que emprega muito e o Brasil está precisando gerar emprego. Mas existe uma questão muito importante: o setor de tecnologia não se aproveita de créditos tributários, ao contrário de outros setores. É como se fôssemos tributados duas vezes.

Há uma articulação feita via Fenainfo (Federação Nacional das Empresas de Informática) Nossa proposta é que que tenhamos uma alíquota reduzida ou que aproveitemos os créditos tributários.

Qual é a perspectiva de crescimento do Porto Digital para este ano?

Mundialmente as empresas este ano estão com dificuldade de crescer porque, no caso do Brasil, teve a mudança de governo, mas tem uma ressaca pós-pandemia depois que o o setor cresceu muito. Só que o crescimento da gente está calcado na atração de novas empresas. Temos quatro novos negócios que chegaram este ano. A Liferay, que saiu de Casa Forte e veio para dentro do Porto Digital com cerca de 600 pessoas. Eles alugaram os dois andares superiores do Paço Alfândega. A Delloitte também virá para o Porto Digital agora em novembro, são 500 pessoas. A empresa vai instalar a sua a base de inovação.

Recentemente anunciamos a chegada do centro de inovação do Bradesco, que vai oferecer 600 novos empregos, e da empresa paulista Extreme Digital, que fatura mais de R$ 200 milhões. Então o nosso crescimento esse ano está centrado na chegada de novos negócios. Mas a economia está retomando com a mudança de governo e tem uma expectativa muito boa de um PIB superior ao que estava previsto.

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