A China produz roupa, mas não produz marca – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

A China produz roupa, mas não produz marca

Quando criança, ele vendeu dudu e cocada nas ruas de Santa Cruz do Capibaribe. Mal entrou na adolescência ajudou a mãe a confeccionar roupas. Hoje ele é dono de uma das maiores marcas de moda praia e street wear do Estado e planeja faturar R$ 40 milhões este ano. Conheça nesta entrevista a trajetória de sucesso de Arnaldo Xavier.

Como foi ser criança e ter que trabalhar?
Sou de uma família de cinco irmãos (eu, mais um homem e três mulheres). Sou filho de uma costureira e de um senhor que trabalhava na Prefeitura de Santa Cruz do Capibaribe. Em 1974, quando eu estava com 7 anos – sou o mais velho – e minha irmã mais nova tinha 8 meses, meu pai, aos 32 anos, faleceu. Deixou minha mãe viúva, aos 28 anos. A gente começou a ter muitas dificuldades porque todos os irmãos de minha mãe (que eram 13) foram para o Paraná e ela ficou sozinha na cidade. As vizinhas começaram a ajudá-la e a primeira coisa que minha mãe fez, foi dar as crianças mais novas, Alessandra foi dada para uma amiga e Ana para minha avó materna.

Mas essas irmãs também moravam na mesma cidade?
Sim. Minha mãe começou a pedir a geladeira da vizinha emprestada para fazer dudu. Também fazia cocada e botava a gente para vender. Três anos depois nessa vida de muita dificuldade, o maior empresário da cidade, Noronha Silvestre, ouviu dos amigos a situação que minha mãe estava passando. Ele se compadeceu e resolveu ajudar. Ele era o maior revendedor de tecidos da região e perguntou a minha mãe o ofício dela. Ela disse que era costureira e ele decidiu que ia fornecer tecido para ela, na verdade, retalhos. Ela pagaria quando pudesse. Ela disse que não podia aceitar porque não tinha condições de comprar aviamentos, linha, elástico. Ele ajudou nisso também e disse que ela não desperdiçasse a oportunidade. Ele entregou dois fardos grandes de tecido. Eu devia ter 10 anos na época e lembro que os fardos vinham cobertos com estopa e uma cinta de aço muito forte e quem tirou essa cinta fui eu com alicate. Retiramos na calçada mesmo, porque era muito grande, não cabia na residência. Começamos na sala e nos quartos a selecionar os tecidos: branco, de bolinha, etc, para depois minha mãe inventar o modelo. E começamos a prosperar. Ela convidou amigas e vizinhas para ajudar na costura. A casa começou a ser uma residência e fábrica de confecção. Ora a mesa era para fazer os cortes, ora era para botar a janta. Os quartos eram estoque, outra hora lugar para dormir.

Como você ajudava?
Comecei, entre 13 e 14 anos, a aprender a corte e costura. Comecei a gostar do ofício. Minha mãe fazia moda feminina, mas eu queria fazer algo que eu pudesse usar. Pedi a minha mãe para ceder o alguns quilos para eu confeccionar algumas coisas. Disse que queria fazer bermuda. Ela relutou num primeiro momento, mas cedeu 20 quilos de tecido e cada vez cedia um pouco mais. Ela viu que a coisa tinha futuro. A gente comercializava nas proximidades da residência. A principal feira da cidade ficava na rua Siqueira Campos, era uma rua só de confecção. A gente percebeu que essa feira, que ficava a uns 700 m da nossa residência, crescia a cada dia e que os ônibus, vans e carros das pessoas que iam comprar estacionavam cada vez mais próximo da nossa casa. Eu disse para minha mãe: olha, em pouco tempo essa feira vai chegar na nossa casa. Sugeri que fizéssemos uma loja na sala da casa. Ela disse “você está maluco, essa feira nunca vai chegar aqui!”. Eu disse para ela: observe que na próxima semana o estacionamento vai estar na outra rua próxima a nossa casa. Ela percebeu que era isso mesmo e cedeu a sala que transformamos numa pequena loja. Em pouco tempo os carros estavam estacionados na frente de casa. Isso deu um boom danado. Quando os clientes viam a loja com produto exposto, agregava um pouco o valor do produto. Tudo isso fez com que as vendas cada vez mais aumentassem.

E você expôs as bermudas?
Comecei a fazer produto masculino, minha mãe feminino, meu irmão começou a entrar no negócio também junto com a outra irmã. As coisas começaram a prosperar. Eu fui pedindo espaço: vamos aumentar a loja para um dos quartos, em vez de camas vamos botar beliche para caber tudo. Chegou um momento que não tinha mais espaço eu disse: mãe a senhora vai morar numa casa alugada que eu vou pagar. Ela já havia comprado a casa da loja. Dessa vez ela cedeu logo, porque viu que eu tinha acertado duas vezes. E cada vez que a gente ampliava a loja, o negócio crescia mais. Dos meus 15 a 30 anos a gente ficou fazendo isso. Eu quebrei duas vezes nesse processo. Por falta de experiência, a gente vendia muito com cheque pré-datado. Eu quebrei de ficar sem nada. Mas minha mãe não e, quando um quebrava, um ajudava o outro.

Como surgiu a Rota do Mar?
Eu casei com 27 anos e aos 30 anos falei com minha esposa: tenho que sair do círculo familiar para criar uma nova marca. A gente tem que sair para que a gente possa crescer e eles também. Eu cheguei certo dia com essa ideia e minha mãe e minhas irmãs disseram: “você tá doido, você é o cabeça daqui!”. Eu disse que cada um ganhou um pouco de experiência e dá pra voar sozinho agora. Se a gente continuar no mesmo grupo não vai ter crescimento. Havia a cultura na cidade de colocar o sobrenome ou o nome do filho ou dos cônjuges na marca. A nossa primeira marca foi Xavier Confecções. Comecei a folhear revistas de surf, vi que esse segmento era forte e faltava na região. Sempre gostei de folhear essas revistas e sempre fui apaixonado pelo mar. Queria criar alguma coisa relacionada ao mar. Lendo um anúncio numa revista da marca Grota Funda, eu li Rota Funda. Percebi que li errado, mas o nome rota ficou na cabeça, e em seguida o mar. Aí ficou Rota Mar. Sempre gostei de ouvir as pessoas e perguntar o que achavam. Muitas diziam que Rota Mar soava estranho. Um dos colegas, que não lembro quem, me sugeriu “por que não Rota do Mar?” Ouvi clientes e amigos e todos gostaram do nome. Contratei serviços de um designer da cidade e ele criou a logomarca.

Como surgiu a fábrica?
Dos meus 15 a 30 anos trabalhávamos da seguinte forma: cortávamos os tecidos, levávamos para pessoas que moravam na zona rural para costurar e depois fazíamos o acabamento final. Mas eu queria trazer máquinas eletrônicas e montar uma fábrica. No dia 19 de dezembro de 1996 a gente oficializou a abertura da empresa e começamos a contratar. Tinha uma fábrica grande na cidade que fechou e sobrou muita costureira. Cheguei para uma delas e disse que queria contratar as melhores. Consegui fazer uma equipe de 10 pessoas e disse para elas: estou montando a marca e a ideia é ser um dos maiores do Estado. As pessoas duvidaram pela estrutura que era muito pequena. Havia uma moça, Fátima, que confessou depois, que na hora ela pensou “esse bicho fumou maconha estragada” (risos). Pensou que eu estava delirando. Quando a gente montou a marca e começou a melhorar nosso processo, crescíamos 200% a 300% ao ano. Era muito rápido. Uma marca com um nome legal (todo mundo com um nome meio mixuruca) e um produto legal, as coisas iam acontecendo. Dos meus 30 aos 50 anos foram de muito trabalho, de viagens, de ousadia na parte de marketing, de tecnologia, conheci 49 países. Comecei a conhecer o mundo e trazer tecnologia e conhecimento, treinar a equipe. Chegamos aos dias hoje na faixa de 850 trabalhadores, somos a maior confecção do Estado e com um nome bem interessante no Norte Nordeste, em alguns lugares do sul e sudeste também somos conhecidos.

Qual sua estratégia para não se abalar ante a concorrência da China?
Marca é muito importante hoje. A China produz roupa, mas não produz marca. Existe a vaidade das pessoas em dizer: eu quero aquela marca que fulano usa. A gente também tem uma coisa interessante que é apostar nas pessoas. Temos a habilidade de tirar das pessoas o máximo que pode delas, mostrar que elas podem fazer melhor. É uma estratégia que vem dando certo. Pagamos para os colaboradores cursos, viagens, além de sermos transparentes e companheiros, valorizando os colaboradores. Também colocamos o produto no mercado com rapidez, a China demora mais por causa da distância. A China hoje não se torna um grande concorrente por essa velocidade, pela marca e pelo apoio que damos ao colaborador. Investimos em viagens, estilo, pesquisa e no preço. O bom, bonito e barato que a gente não pode descartar.

Qual é o público da Rota do Mar?
Estamos focados no público de 14 a 30 anos, das classes C e D. Temos bem definido qual o publico que queremos atingir, onde queremos atuar e tenho feito um trabalho de marketing nesse sentido.

Vocês já tiveram ações ousadas no marketing.
Não adianta fazer um produto legal de qualidade, de preço bom se a gente não divulga. Vai ficar escondido. Destinamos 2% a 3% do faturamento para divulgar o produto, a marca e consequentemente aumentar as nossas vendas. Isso a gente tem feito e gerado retorno. Fizemos campanhas bem interessantes, seja com atores globais, clubes de futebol, atletas de surf, de skate. Hoje a gente está bem focado em redes sociais, na internet e nas campanhas de verão e inverno. Mas já fizemos campanhas no Havaí, Nova Iorque, Bahia, Fernando de Noronha, Rio, São Paulo, Ceará.

De onde vem sua admiração pelo mar, já que a empresa é do Agreste?
Acredito que quase todo mundo é fascinado pelo mar, que é algo que a gente não sabe explicar. É alguma coisa mística. Impressionante, quando você chega no mar, parece que não acontece nada e acontece tudo. Você para, parece que as ondas são sempre diferentes. O mar é encantador, que faz com que você fique mais tranquilo e isso não tem explicação. Transmite paz, energia, movimento.

Em que momento você que vocês se tornaram grande no mercado?
Depois do quinto ano que a gente montou a marca, percebi que a gente poderia chegar muito mais além, até mais do que a gente imaginava. Vi que a velocidade ia para um caminho certo e vi que poderia chegar muito mais além. E agente tem certeza que hoje poderemos chegar mais do que estamos. Hoje temos com 5 lojas, duas em Santa Cruz, uma em Toritama e duas em Caruaru. Planejamos ter 30 lojas até 2022, entrar forte no varejo, com marca própria e abrir unidades no Recife, Aracaju, Rio Grande no Norte. No Norte e Nordeste estamos muito bem. Já exportamos, e deixamos, porque na época que existia um mercado muito aquecido internamente e tivemos que optar. Mas a estratégia foi conhecer como se fazia a exportação e a importação. Aprendemos e voltamos para o nosso ponto. Até o dia 15 de janeiro vamos abrir o e-commerce. Faz um ano e meio que estamos trabalhando nisso, para não entrar de qualquer forma. É um trabalho viável, mas também complexo, por isso estamos estudando mais, nos inteirando mais, estudando mais. Isso no varejo, para o atacado, estamos montando um aplicativo de vendas, semelhante ao WhtatsApp no qual o cliente recebe a foto do produto com as características e ele mesmo monta o pedido. Com o e-commerce vamos dar uma engrenada lá fora, mas o foco da gente é atingir o Norte e Nordeste muito bem, depois ir para sul e sudeste e depois ir para fora do país.

Vocês tiveram que demitir com a crise?
Chegamos a ter 1.100 pessoas , hoje temos 850. Mas, no que se refere à empresa, acho que o pior da crise já passou. Em relação ao Brasil, acho que vai demorar um pouco mais. A partir de 2017 a gente planejou crescer 9%. Não é sonho, é totalmente palpável. Até 2022 planejamos crescer mais a cada ano. Estamos com 5 lojas, duas em Santa Cruz, uma em Toritama e duas em Caruaru. Temos alguns representantes, e essa parte da comercialização e sete fábricas. Para 2017 temos um planejamento de produzir 160 mil, peças/mês e faturar me torno de R$ 40 milhões.

Sobre a internacionalização da marca, como se deu esse processo e como ela está hoje?
Nós, através da Apex, há mais de 10 anos, participamos de duas feiras internacionais. A Sim (Semana Internacional da Moda) em Madri, como expositor para conhecer como era o processo de feiras lá fora. A outra foi em Paris, a Pret-a-Porter, participamos como expositor para entender cada mercado. Hoje a gente entende que para comercializar o produto temos que entender que cada país tem cores, modelagens e culturas diferentes. Tem cor que gosta outra não. Tem que entender aquele público. E o trâmite jurídico, contábil a gente entendeu muito bem e a empresa está apta, tem radar aberto para exportar. Mas a intenção nossa é crescer na região, não adianta dar um passo maior, crescer em formato de arco íris para que possa ir pegando o movimento de forma adequada para não darmos passos maiores e deixar o vácuo onde está. Estamos bem focados no Norte e Nordeste, não queremos ir pra sul e sudeste. Nós já fomos, voltamos. Não adianta ir para lá se não atendermos o suficiente aqui.

Os estilistas da empresa são da região?
Alguns da região, outros do Recife e do Nordeste. Hoje existem escolas interessantes que formam profissionais. Há muitas oportunidades no Agreste e algumas delas para designer, estilista, mecânico de máquinas de costura. São profissionais que recebem entre R$ 5 mil a R$ 10 mil. Somos muito carentes desses profissionais que temos que trazer de outros Estados. Com essas escolas que estão abertas acho que em pouco tempo vão surgir muitos profissionais nessas áreas.

Como você vê o futuro do setor na região?
Acho que ela ainda vai crescer muito, ela está sendo lapidada. Depois que for construída a duplicação das Brs, quando nossos clientes encontram um acesso mais fácil pra chegar e para que a gente possa escoar os produtos vai melhor ainda mais. Precisamos de estrada, água e investimento em segurança. Há muitos profissionais e empresas que estão colocando os olhos nessa região. Dentro de uma década acho que o Brasil poderá descobrir essa região de forma positiva e ela vai crescer muito e ser muito falada por causa do Polo de Confecção do Agreste. Hoje posso destacar que não há pedintes nas ruas porque a quantidade de emprego é grande, e não tem menino de rua, pela quantidade de creches que há.

E sua família como está?
Minha mãe trabalha ainda hoje, tem 73 anos, está bem de saúde e feliz. Ela trabalha porque gosta mesmo. A gente comprou a casa própria dela, fez um salão e para minha irmã. É uma guerreira que ficou viúva aos 28 anos, não quis casar novamente com receio de que o futuro marido pudesse bater nos filhos. Sou o mais velho, tenho 50 anos. Meu irmão com 48 entrou na política, foi vereador, depois desistiu. Minha irmã, com 46, Áurea, também está bem. Minha outra irmã, Ana, que foi doada, mora com minha mãe, mas está muito bem. Alessandra, a mais nova, hoje é a primeira-dama da cidade, casada com o prefeito. Estão todos bem, cada um com seus negócios.

 

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