Jarbas Barbosa, médico pernambucano eleito para dirigir a Organização Pan-Americana da Saúde, fala dos seus planos à frente da instituição, diz que atuará para ampliar o acesso das populações a vacinas e tratamentos e conta como a vivência em Pernambuco influenciou sua trajetória profissional.
O pernambucano Jarbas Barbosa assume, em 1º de fevereiro, a direção da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) com a missão de trabalhar os aprendizados da pandemia. A escassez de insumos médicos básicos durante a fase mais crítica da Covid-19, por exemplo, revelou a enorme dependência do Brasil e de muitas outras nações da importação desses produtos, cuja fabricação está concentrada em poucos países.
Formado pela UFPE e especialista em saúde pública e epidemiologia pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), mestre em ciências médicas e doutor em saúde pública pela Unicamp (Universidade de Campinas), Barbosa, foi secretário de Saúde de Olinda e do Estado de Pernambuco, diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 2015 a 2018, além de diretor assistente da OPAS. Uma experiência em saúde pública que respalda a sua gestão frente ao órgão da ONU.
Nesta entrevista por videoconferência a Cláudia Santos, concedida no seu escritório na OPAS, ele relatou os planos para facilitar o acesso a tratamentos e vacinas, para a promoção da saúde mental (outro aspecto destacado pela pandemia) e para os efeitos provocados pelos danos ambientais ao bem-estar das populações. Também salientou a importância da sua experiência na saúde pública em Pernambuco como legado para a sua trajetória em instituições nacionais e internacionais.
Como a sua gestão à frente da Opas pretende enfrentar os problemas relativos à vacinação da Covid-19 e de outras doenças infecciosas no continente americano?
Uma das tarefas importantes que nós temos é de terminar a pandemia e, para isso, precisamos, por um lado, fortalecer a vigilância epidemiológica, a vigilância da saúde na região, incluindo a vigilância genômica, para que a gente possa detectar rapidamente o aparecimento de alguma nova variante. É natural que um vírus como o SARS-CoV-2 desenvolva, de maneira natural, novas variantes e é preciso monitorar isso bem de perto.
Em segundo, garantir que as pessoas possam completar seu esquema de vacinação, incluindo os reforços, principalmente naqueles que são mais suscetíveis às formas graves e mortes: os idosos, pessoas com o sistema imunológico comprometido e pessoas com doenças crônicas. O nosso papel é o de apoiar os países numa formulação de estratégias, e nós temos feito isso: estratégias de comunicação, de mobilização comunitária, oferecemos vacina por intermédio de um mecanismo de compra regional que administramos que é o Fundo Rotatório de Vacinas. Então, vamos continuar trabalhando com os países para que eles consigam manter o acesso à vacinação contra a Covid e, ao mesmo tempo, vamos apoiar para que recuperem os índices de cobertura vacinal das outras vacinas que também não estão em níveis adequados na região.
E qual tem sido o problema mais grave em relação à vacinação? É a falta de vacina ou a resistência de certos setores da população em não querer se vacinar?
No começo tivemos a dificuldade de acesso às vacinas. Eu diria que uma lição importante da pandemia é exatamente que nós temos que buscar, por um lado, fortalecer a capacidade de produção da América Latina de vacinas, de uma maneira geral e contra a Covid, e ter mecanismos de acesso equitativo às vacinas que funcionem de maneira efetiva. Eu creio que não é possível, durante uma pandemia, ficarmos submetidos a regras de mercado, ou seja, países ricos comprando todas as vacinas e países de renda média e países pobres tendo acesso muito posteriormente à vacina.
Então, no começo da pandemia, o acesso foi um problema. Quando as vacinas ficaram disponíveis, a América Latina vacinou muito rápido, em poucas semanas passamos a Europa em termos cobertura vacinal, passamos inclusive os Estados Unidos, porque tínhamos nos países latino-americanos uma tradição forte de programas de imunização consolidados, com o apoio da população.
Claro que a disseminação de notícias falsas sobre a vacina termina causando algum impacto, mas eu acredito que tivemos isso de maneira localizada em algumas regiões mais do que em outras, mas nada que não possa ser revertido rapidamente com uma comunicação direta, com envolvimento dos profissionais de saúde que é muito importante. Já temos pesquisas demonstrando que os profissionais de saúde são as principais fontes de informação que as famílias utilizam para decidir sobre vacinação ou não. Por isso, é muito importante que haja um envolvimento de todos os profissionais de saúde, médicos, enfermeiras, para que eles possam orientar de maneira correta as necessidades de vacinação, de acordo com os guias técnicos que nós enviamos aos países e com as decisões que cada país tem tomado sobre sua estratégia para vacinar a população.
Além da vacina, vivenciamos na pandemia a escassez de outros insumos médicos básicos. Como a OPAS pretende enfrentar essa situação?
A dependência muito grande de importação de produtos para a saúde – produtos médicos, como equipamentos de proteção individual, respiradores, medicamentos e vacinas – é um problema a ser enfrentado. Por conta disso e em cumprimento a uma decisão que os países tomaram no ano de 2021, durante o nosso conselho diretivo, estamos liderando uma iniciativa para aumentar a capacidade de produção na América Latina e Caribe.
É uma plataforma regional, que começou com um projeto importante para transferir a tecnologia para a produção de vacinas baseadas em RNA mensageiro, que é a mesma utilizada nas vacinas da Pfizer e da Moderna. Foram dois projetos selecionados, um na Argentina e um no Brasil (com o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz – Bio-Manguinhos/Fiocruz). Isso é o primeiro passo, mas sem dúvida nenhuma é importante que, de maneira coordenada, os países busquem desenvolver, de forma colaborativa, uma maior capacidade de produção porque essa dependência muito grande em relação às importações é uma fragilidade num momento de crise sanitária como foi durante a pandemia.
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