"A Exposição Deolinda Vi O Recife Acontece Em Junho Na Bélgica" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
"A exposição Deolinda vi o Recife acontece em junho na Bélgica"

Revista Algomais

Sidnei Tendler: Artista plástico carioca, que morou no Recife nos anos 1990, quando abriu o restaurante Mafuá do Malungo, organiza uma mostra em Bruxelas inspirada na capital pernambucana e em Olinda. Ele fala da sua trajetória internacional – iniciada a partir de uma oportunidade quando estava em Pernambuco – do seu processo criativo e do mercado de artes no Brasil.

Em 1990, o artista plástico carioca Sidnei Tendler e sua mulher Carla, que é de Pernambuco, decidem mudar-se para o Recife para que as filhas cresçam sob o convívio caloroso da grande família pernambucana materna. Um dia, passeando pelo bairro das Graças, onde morava o sogro, Tendler deparou-se com um belo sobrado antigo, que ostentava a placa: nesta casa nasceu o poeta Manuel Bandeira. “Aí, eu falei: Vamos alugar! não sabia nem o que faria com a casa”, relembra o artista. Não demorou muito para que o casal com o cunhado e sua mulher abrissem o restaurante Mafuá do Malungo que, durante 10 anos, foi um point balado da cidade, frequentado por intelectuais, artistas e políticos.  

A decoração da casa contava com um grande painel criado por Tendler, denominado A Cinza das Horas, nome de um conhecido poema de Bandeira. Numa ocasião, um cliente belga viu o quadro, achou-o interessante e convidou Sidnei para uma exposição na Bélgica. O ano era 1993 e, desde então, o artista realiza uma profícua carreira internacional até o ponto de se mudar com a família para Bruxelas. 

Depois de todos esses anos, Sidnei Tendler volta-se para um projeto cujo tema é a terra onde surgiu a oportunidade de atuar no exterior. Com o bem-humorado título Deolinda vi o Recife, ele prepara uma exposição que será inaugurada em junho na Bélgica. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele fala do seu fascínio pelas cidades – talvez por influência de sua formação em arquitetura – da sua preocupação ambiental, que também impacta na sua criação, e sobre o mercado brasileiro de artes.

Muitos dos seus trabalhos, como artista plástico, têm como tema as cidades. Qual o motivo desse seu fascínio por elas?

Sou arquiteto de formação e sempre gostei de urbanismo, meu trabalho de conclusão de curso, inclusive, foi sobre o bairro do Catete, no Rio de Janeiro, e ganhou uma menção honrosa na União Internacional dos Arquitetos na Polônia. Sempre me interessei por filosofia, pela temática do homem e das suas facetas. 

Depois que terminei arquitetura, pensei em fazer antropologia urbana, mas decidi fazer um curso de pós-graduação em design, que liga todos os meus interesses.  Minha produção artística começa com a fotografia e a fotografia que eu fazia, na época, remetia aos lugares por onde passei, era essa coisa do flâneur, que viaja, das paisagens, da arquitetura. 

Como é essa relação entre a fotografia e as artes plásticas no seu trabalho?

A fotografia foi o despertar do meu lado artístico com a poesia porque eu também escrevia e era assim que liberava o artista em mim, mas nunca havia relacionado a fotografia com a literatura. Fiz arquitetura, continuei fotografando, mas sem maiores pretensões, e levei esse lado da fotografia despretensiosa para a pintura. 

Quando comecei a fazer os projetos das cidades e outros, passei a usar a fotografia como elemento do meu processo criativo. Eu começo fotografando, passeando pelas cidades, depois faço aquarelas e, em seguida, parto para a tela, que é um percurso que chamo de “o que eu vejo para o que eu sinto”. Assim, ia evoluindo no meu trabalho, sempre buscando referências para dar conteúdo escrito aos meus projetos. 

Antes eu mostrava apenas o final dos trabalhos, que eram as telas, mas acho que é interessante as pessoas conhecerem o processo. Então, comecei a mostrar fotografias, nas exposições, além das aquarelas. Há uns três anos, uma curadora de fotógrafos olhou meu trabalho e disse que eu deveria mostrar mais fotos para expor o processo e sugeriu que eu fizesse uma exposição só com as fotografias, já que representavam meu trabalho como artista. Então, comecei a levar mais a sério essa ideia de mostrar também as fotos.

Em que consiste esse projeto das cidades? 

A ideia surgiu de outro projeto, um livro chamado 365, Um Diário Visual, em que, durante um ano, ao final de cada dia, eu fazia uma aquarela. Eu já morava na Bélgica, e quando fazia viagens, fotografava e, nesse livro, mostrei as 365 aquarelas e algumas fotos. Assim, comecei a perceber a existência da fotografia nas minhas telas, nas minhas viagens, nos meus passeios e resolvi tentar ver o que muda na minha pintura, quando muda a geografia. 

Então, escolhi seis cidades de seis continentes para passar 10 dias em cada uma delas fotografando e pintando no próprio local. As cidades escolhidas foram: Rio de Janeiro (América do Sul), Los Angeles (América do Norte), Bruxelas (Europa), Sidney (Oceania), Cidade do Cabo (África) e Tóquio (Ásia). Assim, escolhi essas cidades e vi que era interessante, que a geografia realmente muda meu trabalho, muda as cores, muda tudo. 

Foi um projeto muito legal, resultou num livro e, então, parti para a segunda ideia de fazer seis religiões, que foi bacana também, pois a religião não é marcada geograficamente, há países com várias religiões, como o Brasil, por exemplo. Então, no segundo projeto, viajei a alguns lugares, estudei, fui, por exemplo, a um congresso com o Dalai Lama na Suíça, para ver o budismo, passeei pela Índia, fui a dois centros iorubá, um em Salvador e outro no Rio de Janeiro, passei por igrejas europeias, fui a Palestina, Jerusalém, rodei o mundo e fiz o 6 Religiões, que também se tornou um livro. 

E aí foi legal porque eu fiz essas seis religiões, depois eu fiz as seis cidades e em seguida fiz seis monumentos. E passei a chamar o conjunto desses trabalhos de trilogia.  E foi interessante porque, embora em todos os trabalhos, a pintura final seja abstrata, eles partiram de algo concreto como um monumento ou uma cidade. 

Sua estadia no Recife é um episódio interessante na sua trajetória. Fale um pouco dessa relação com Pernambuco. 

A primeira vez que estive no Recife foi no Carnaval. Era ainda bem jovem e já me atraiu o Carnaval de Olinda. Posso dizer que fui um dos que ainda viu Porto de Galinhas e Praia do Cupe praticamente selvagens, toda aquela área lá é maravilhosa. Depois conheci uma pernambucana, Carla, com quem sou casado, fomos morar no Rio de Janeiro, pois sou carioca e lá trabalhava como arquiteto e possuía uma marcenaria. 

Quando nossas filhas nasceram, nos anos 1990, decidimos morar no Recife para dar às meninas essa vida pernambucana, cheia de gente, ao lado da família da minha esposa. Vendemos a marcenaria do Rio e começamos a buscar um local para montar algo no Recife. Quando estava passeando próximo à casa do meu sogro, vi um sobrado para alugar e nele havia a placa: “nesta casa nasceu o poeta Manuel Bandeira”. Aí, eu falei: Vamos alugar! Não sabia nem o que faria com a casa. Falei com meu cunhado, que também queria montar algo com a mulher dele, e assim, montamos o restaurante Mafuá do Malungo, que acabou se tornando referência no Recife até hoje, mesmo após 10 anos quando minha esposa saiu. Ela era proprietária do restaurante e eu fiz toda a arquitetura e o projeto temático relacionado a Manuel Bandeira.

 Lá, fiz um painel chamado A Cinza das Horas, que é uma poesia do Bandeira, e um belga – Tony Devoght – viu, perguntou quem havia feito, minha mulher disse que havia sido eu e ele aceitou conhecer meu ateliê no Poço da Panela. Então, ele me convidou, em 1993, para fazer uma exposição na Bélgica, acabei recebendo outros convites e, todo ano, passava praticamente um mês fazendo exposições na Bélgica e na Holanda. 

Nas comemorações dos 500 anos do Brasil, nos anos 2000, fiz uma grande exposição na Bélgica e decidimos morar lá. Quando voltamos ao Recife para buscar nossas coisas, ainda em 2000, fiz uma exposição no Shopping Recife e foi espetacular, a abertura foi de Fernando Lyra e o texto do Cristóvão Buarque. Era uma instalação, um painel grande numa área em que havia grande circulação de pessoas. Depois mostrei esse painel no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro e em Londres, na embaixada do Brasil.

Como surgiu a ideia do projeto Deolinda Vi O Recife?

Eu continuei fazendo no meu trabalho projetos grandes e também alguns menores. Anualmente, vou ao Recife e, numa dessas viagens, falei “por que não faço algo ligado ao Recife, já que nunca fiz”? Já havia feito São Paulo e, em Lisboa, um projeto chamado Lisbela Boa. Nessa “pegada” decidi fazer um projeto sobre o Recife e pensei: "fazer o Recife e não fazer Olinda, como se diz em Pernambuco, é ‘safadeza’ (risos).” Então surgiu o projeto Deolinda Vi o Recife. E a ideia foi essa porque, da Praça da Sé, em Olinda, tem-se a visão completa do Recife. A melhor visão do Recife é de Olinda. 

E isso é interessante porque, em Pernambuco, tudo tem uma questão, tem o que pensar. Minha primeira ideia foi Deolinda Vi Recife, depois descobri que deveria usar o artigo “O”, por causa da discussão de chamar Recife de “O Recife”. Essa exposição vai acontecer agora em junho. Vai ser num espaço muito interessante que tenho em Bruxelas, numa área da cidade chamada Sablon, um lugar onde há uma concentração enorme de galerias de arte, antiquários. 

Abri esse espaço, onde vou mostrar, em maio, os projetos São Paulo, Lisbela Boa, e o Warsaw, em inglês, Varsóvia (Polônia). Esse projeto aconteceu por acaso, porque eu tinha feito uma exposição em Kiev (Ucrânia) mas começou a guerra, as telas ficaram presas lá e eu não tinha como pegá-las. Aí eu consegui, por meio da embaixada do Brasil, que as telas fossem para Varsóvia e eu fui buscá-las. E Varsóvia em inglês chama-se Warsaw, só que então eu percebi que se você separar o inglês fica Vi a Guerra (War Saw). Aí, eu fiz esse projeto que eu vou mostrar agora também junto com a Lisbela Boa em maio.

Depois, o espaço será todo dedicado à exposição Deolinda Vi o Recife, mas infelizmente não vai ser exposta no Recife. A última exposição que fiz em Pernambuco foi há cerca de 15 anos. Atravessar o oceano com essas telas grandes requer trabalho e custos. Para montar uma exposição, são três, quatro, cinco meses de dedicação. Eu não tenho condições de fazer também a produção. O negócio é conseguir uma produtora legal que topasse fazer. Se alguém se animar, eu me animo a ceder o trabalho para expor em Pernambuco. 

Como você vê hoje o mercado de artes plásticas no Brasil? 

O mercado melhorou. Há a Feira de Arte de São Paulo e a Feira de Arte do Rio, que são dois mercados importantes que atraem galerias para fazer negócios. Isso melhora a situação das galerias. Já em relação ao artista, a vida continua dificílima, é difícil vender. Quanto à arte brasileira, sua qualidade é grande, principalmente em Pernambuco. Além de artistas contemporâneos de primeira qualidade, no cenário nacional, há também cidades com trabalhos muito interessantes em artesanato.  Enfim, o fazer, o quem faz é de altíssima qualidade no Brasil, mas acho que o mercado não comporta essa qualidade como deveria. Para o artista é difícil.

Há algum artista que o influenciou?

No contato acadêmico, na arquitetura, tive aula com Oscar Niemeyer, aula de semiologia com Umberto Eco; minha professora de artes plásticas, Lygia Pape, foi uma grande artista, também tive aula com Anísio Medeiros, que era um ótimo aquarelista. Enfim, tive esse lado acadêmico. Mas, às vezes, sem ter uma ligação direta, você pode se conectar a um artista. Por exemplo, este ano, fui convidado para participar de um projeto sobre o Jean Cocteau.

Resolvi fazer uma tela e me debrucei sobre o trabalho dele e vejo muitas questões dele similares às minhas. É interessante, por isso, volto a dizer, às vezes, você encontra situações em que nem percebe, mas está no DNA. E o Jean Cocteau era tão versátil quanto eu, atuou em várias áreas. Eu sabia um pouco dele mais como pintor, não sabia, por exemplo, que ele foi diretor de cinema. E há outros também. Alguns trabalhos meus, lá atrás, tinham aquela liberdade formal abstrata do Kandinsky. 

Você é fotógrafo e artista plástico e é irmão do documentarista Silvio Tendler.  Há algo que levou vocês dois a atuarem com a imagem? 

Silvio é oito anos mais velho que eu, ele gostava de fotografia e depois foi para o cinema documental que tem tudo a ver com fotografia. Tivemos um laboratório de fotografia juntos, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, quando ele voltou do exterior, onde havia morado no Chile e em Paris por causa da ditadura militar. Quando voltou da França, trouxe um ampliador Durst e viramos parceiros e sócios nesse laboratório. Mas é interessante porque eu já tinha um lado mais ligado ao desenho e ele era mais ligado à documentação. 

Além das cidades, o que mais caracteriza seus projetos?  

Meus projetos são pictóricos, mas sempre busco conteúdo, sempre há algo a analisar por trás de cada projeto. Houve uma época em que eu falei sobre meio ambiente e fiz o projeto XamaNY, que é um paralelo entre duas vias fluviais: a Ilha do Bananal, no Tocantins, e a Ilha de Manhatan, nos Estados Unidos. A Ilha do Bananal é 338 vezes maior do que a Ilha de Manhattan, mas lá moram 15 mil pessoas. Enquanto na outra ilha existem 1,6 milhões de moradores. Eu mostro que existe um gap social, porque o Bananal é a Manhattan de 400 anos atrás. 

Ainda em relação à questão ambiental, fiz outro projeto chamado Anasazi, em que percorri os EUA em busca de pinturas rupestres, vestígios de civilizações anteriores, perguntando por que essas grandes culturas acabaram. Nesse sentido, na América do Sul, temos Machu Picchu, da cultura inca, além das culturas maia e asteca, que pouca gente do Brasil visita. Como elas acabaram? Eu puxo esse assunto para saber o que pode acontecer conosco, do jeito que as pessoas estão agora, com esses malucos todos mandando, não se sabe o que que vai nos acontecer. 

Em 2018, também falei da moeda, das bitcoins, fiz uma ironia e inventei uma moeda chamada Artes Bitcoin, que era uma ideia de NFT. Enfim, eu fui e vou fazendo projetos assim. Entre 2020 e 2021, rodei o Brasil de norte a sul, leste a oeste, com um projeto chamado Ypicuera, onde busquei vestígios de culturas anteriores, foi quando descobri que a Amazônia já foi muito habitada, se a gente pensar que grande parte daquela floresta foi plantada, isso aí já choca.

Quais são seus planos?

Quando fiz o trabalho sobre São Paulo já tinha uma intenção de fazer Londres futuramente, porque quero falar é do capitalismo. Não tenho pretensão nenhuma de ser um teórico para falar de capitalismo, tenho minha liberdade artística e poética para falar o que eu penso. Com as mudanças climáticas e a situação política internacional, nunca se falou tanto do fim do mundo. Agora, quando eu vejo que aqui na Europa os países dobraram o seu orçamento militar, causa preocupação. E, no capitalismo, a indústria bélica é um ator importante: ela emprega, recruta jovens, ou seja, baixa o desemprego e faz a economia girar.

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