Marta Gama, Ranulfo Queiroz e Roberta Queiroz: Família empresária conta sua trajetória de sucesso ao atuar em setores tão diferentes como o agro e a revenda de automóveis. O ponto em comum na gestão das empresas é o nível de inovação tecnológica, seja nas técnicas de cultivo nas fazendas, seja por comercializarem veículos com alto grau de tecnologia embarcada.
Uma família empresária que atua com êxito em duas áreas muito distintas: o setor agrícola e o de revenda de automóveis de luxo. Talvez o segredo desse sucesso seja a capacidade de ser versátil e de não temer as mudanças, quando são necessárias. O patriarca, José Ranulfo Queiroz, vem de uma estirpe de mais de 100 anos de atuação no tradicional setor de cana-de açúcar, com a Usina Salgado, próximo a Porto de Galinhas. Mas quando percebeu que a mão de obra ficou escassa com a ascensão de Suape, do turismo e do movimento imobiliário, arrendou as terras e foi ser um dos pioneiros a cultivar no Oeste da Bahia, numa sociedade com os cunhados.
Ao mesmo tempo não se furtou a pegar a oportunidade surgida de entrar numa sociedade para revenda de automóveis Land Rover e Jaguar. O negócio cresceu, teve unidades em outros estados, mas quando observou que estava dispersando energia em muitas atividades, se desfez das concessionárias e ficou apenas com a Rota Premium, hoje revendedora da Volvo.
Seus três filhos também entraram no negócio e mantêm a herança da inovação. Marta Gama é responsável pela parte comercial da revenda Volvo, Roberta Queiroz, pela área financeira da concessionária e das empresas agropecuárias. E Paula Queiroz, faz o marketing, além do filho Marcelo, que também atua nas empresas. Durante a pandemia, que proporcionou um período de reflexão, surge uma nova mudança: José Ranulfo e as filhas decidiram dissolver a parceria com os tios/cunhados nas fazendas, já que eles também tinham filhos e a sociedade começou a crescer muito.
Hoje, a família exporta soja e algodão, cultivados no Oeste baiano, onde também plantam milho para produzir etanol. Na Paraíba eles contam com uma fazenda de coco, mesma cultura que produzem numa outra fazenda no Rio Grande do Norte, onde também plantam cana, além de manterem a Rota Premium no Recife. Nesta entrevista a Cláudia Santos, José Ranulfo e as filhas, Marta e Roberta, falam da gestão das empresas, dos investimentos em inovação e contam como conseguiram diversificar os negócios com bons resultados.

Além do mercado automobilístico, vocês atuam no agrícola. Como foi a trajetória das empresas da família?
José Ranulfo – Minha família tem mais de 100 anos na área de cana-de-açúcar. Em Pernambuco, no ramo agrícola, temos a Usina Salgado, em Ipojuca, próximo a Nossa Senhora do Ó e Porto de Galinhas, que resolvemos fechar, mas arrendamos as terras a outras usinas. Em função do projeto do Suape e das atividades do turismo e imobiliária, que passaram a ficar muito fortes na região, a mão de obra ficou escassa para o serviço na agricultura.
Eu ainda trabalho no agronegócio. Hoje, no Rio Grande do Norte, temos uma área de 5.500 hectares onde planto e beneficio cana para duas usinas, além de plantar coco. Na Paraíba, também temos plantio e fornecimento de coco. Produzimos 700 toneladas por ano. No Oeste da Bahia, trabalhamos com soja, algodão e vamos começar a produzir milho. Na Bahia, temos uma área grande, de 16 mil hectares. Há três anos, compramos outra fazenda lá e estamos ampliando. Esta da Bahia é uma empresa que criei, mas que não é mais minha, é das minhas filhas.
E o que o levou a empreender no Oeste da Bahia?
José Ranulfo – Eu sou agrônomo. O que me levou para lá foi um projeto de muitos anos atrás chamado Proálcool. Eu tinha a ideia de produzir álcool lá. Mas alguns tentaram e não deram certo, não havia mão de obra. Quando fui para lá, em 1984, havia muitos gaúchos que foram arriscar plantar soja. Quando saí da cana e fui para lá, não entendia direito dessa cultura de soja, os gaúchos entendiam mais do que eu. Então, a gente se juntava e colaborávamos uns com os outros.
O gaúcho que plantava melhor tirava 30 sacos por hectare. Fizemos um grupo e criamos um projeto chamado Soja 100, “vamos tirar 100 sacos”. É difícil? É. É impossível? Não sei. Na verdade, na vida a gente tem que ter uma meta. Mas, agora, com irrigação, é possível tirar esses 100 sacos. A gente agora vai partir para os projetos de irrigação lá. É uma região que tem muita água. Tem o maior aquífero do Nordeste do Brasil. Um poço na região pode oferecer 500 mil litros por hora.
Meus cunhados eram meus sócios nesses negócios, mas fizemos uma cisão na época da pandemia. A pandemia nos fez pensar em algumas coisas. Eles também já tinham filhos e achamos melhor fazer a cisão. Aí, fiquei só com meus filhos e o Rodrigo, marido de Marta, que trabalha com a gente também, de três anos para cá.

Como entrou no ramo de concessionária de automóveis?
José Ranulfo – No mercado de venda de automóveis, entramos em 1994. Na época, um amigo meu queria montar uma revenda Land Rover, mas não tinha todo o capital necessário. Então, entrei com 50%, ele entrou com 30% e uma outra pessoa do Rio de Janeiro, com 20%. Abrimos a Rota Premium. Em seguida, comprei esses 20%, porque esse sócio teve dificuldades. No início, não era um negócio rentável, eram aqueles carros quadrados, pesados. Era um mercado muito restrito.
Depois, a Land Rover passou a fazer carros de luxo, Discovery, Freelander, o que fez o mercado crescer muito. As marcas Jaguar, Land Rover e Volvo eram da Ford. Então, a fábrica da montadora na Bahia nos procurou e, como já tínhamos uma concessionária em Barreiras, abrimos outra em Salvador. Depois, abri em João Pessoa. O negócio de concessionárias foi ficando muito grande, muito espalhado e resolvi diminuir. Então, vendi minha operação Land Rover dos três estados e minha operação Volvo de Salvador. Ficamos só com a Volvo em Pernambuco e focamos mais na agropecuária, plantando mais, tanto no Rio Grande do Norte, na Paraíba, como na Bahia.
Marta Gama – Quando começamos, em 2002, com a Volvo, ou seja, há mais de 20 anos, já tínhamos outras marcas que eram Jaguar e Land Rover. Em 2016, inauguramos um Showroom em Pernambuco com esse novo padrão e já tínhamos a concessionária da Volvo em Salvador.
Como iniciou essa aproximação com a Volvo?
José Ranulfo – Todas as marcas pertenciam à Ford Company mundialmente. Então, quando eu era Land Rover, a Volvo me procurou, em 2002, para que eu desse assistência técnica aos carros da marca no Recife. Era preciso comprar o ferramental e treinar uma equipe para 10 carros, que era a quantidade de veículos da marca que havia no Recife. Eu aceitei, vieram técnicos preparados e virei Volvo, uma marca que tinha menos visibilidade na época, mas foi crescendo e hoje está muito bem no mercado, principalmente pela qualidade e segurança do carro. É um carro seguro em todos os aspectos.
Marta Gama – Vários itens que hoje são normais em todos os carros do mundo foram inventados pela Volvo. A história do cinto é interessante: o engenheiro da Volvo inventou o cinto de segurança de três pontos, em 1959, e a marca optou por não patentear a invenção para que toda indústria automotiva pudesse usá-la. Dessa forma, mesmo quem não quisesse comprar um Volvo poderia ter esse benefício da segurança que, comprovadamente, já salvou milhões de vidas. Aqui no Brasil, o uso do cinto de segurança de três pontos teve que virar lei.
Temos um manual de segurança voltado para os clientes que diz que, numa batida a 40, 60 km/h, que não é velocidade alta, uma pessoa sentada no banco traseiro que pesa entre 70 e 80 kg, ao ser projetada para frente, fica com o peso de um elefante e esmaga a pessoa do banco dianteiro.
Em relação aos itens de segurança dos carros Volvo, posso citar uns 10. Um deles é o habitáculo que é a parte interna onde ficam as pessoas no veículo, que é feito com aço boro, o metal mais resistente que existe. Dificilmente veremos um carro Volvo envolvido em acidente e, caso haja acidente, dificilmente a pessoa fica machucada.

José Ranulfo – Vendemos carros há 20 anos e nunca um cliente nosso morreu num Volvo. Outro item de segurança é a cadeira que abrange a coluna cervical para proteger o pescoço em caso de pancadas atrás. Caso um carro Volvo leve uma batida, a cadeira sai inteira, arreia e tem a proteção. Também há o retrovisor bliss, com luzes que piscam e possibilitam ao motorista enxergar o “ponto cego” onde está uma moto, por exemplo, e existe a direção que acorda o motorista caso ele cochile e saia da faixa.
Marta Gama – O veículo tem inteligência artificial. Porque os reflexos humanos são mais lentos do que o da máquina. Lógico que o piloto deve sempre estar atento, o carro ainda não é autônomo, mas ele ajuda.
Como começou a participação das filhas nos negócios?
José Ranulfo – Tenho quatro filhos, três meninas e um rapaz, as meninas trabalham aqui. O rapaz, Marcelo, também trabalha. Marta é responsável pela parte comercial da concessionária Volvo, Roberta, pela área financeira da concessionária daqui e das empresas agropecuárias. E Paula, faz o marketing.
Marta Gama – Eu e Roberta trabalhávamos na usina, que era um negócio do meu avô, da família e você, geralmente quando vai trabalhar com a família, começa pelo negócio principal, que era a Usina Salgado. Hoje em dia, está fechada, arrendamos as terras para outras usinas. Trabalhamos um período lá e depois viemos para a Rota Premium que, inicialmente, era Land & Rota.
Roberta Queiroz – Marta é engenheira civil. Nós todas trabalhamos antes em empresas que não pertenciam à família. Eu trabalhei seis anos em escritório de advocacia, porque fiz direito, Marta trabalhou na Moura Dubeux e Paula trabalhou em agências de publicidade. Então, nós não necessariamente planejamos trabalhar com a família, foi uma coisa que aconteceu naturalmente. Na verdade, meu pai já era cliente desse escritório quando eu entrei por meio de uma indicação. Como eu já atendia as empresas da família no escritório de advocacia, acabei indo para uma das empresas – da área agrícola – e agora estou também na concessionária. E Paula acabou vindo para fazer o marketing porque tinha essa necessidade.
Com o tempo, vimos que não era muito viável nem fisicamente, nem financeiramente continuar com as lojas da Bahia. E, ao mesmo tempo, eu e Paula tínhamos casado, com filho pequeno, era difícil ficar viajando.
José Ranulfo – Então, a gente focou mais nas empresas agrícolas, ampliamos as áreas tanto no Rio Grande do Norte, na Paraíba, como na Bahia onde, além de soja e algodão, passamos também a plantar milho porque estão instalando uma usina de álcool de milho a 20 km da nossa fazenda. A partir do ano que vem, 30% do álcool do Brasil virá do milho.
E no Rio Grande do Norte?
Ranulfo – Vendemos cana para duas usinas do grupo de Eduardo Monteiro e, outra, do grupo de Eduardo Farias. Comecei esse negócio com o Dr. Antônio Farias há uns 40 anos. A fazenda fica em Baia Formosa, fornece cana e vende também coco, cuja produção é bem menor. Nossa produção total é de 200 mil toneladas/ano. E na Bahia, há três anos, compramos outra fazenda, mas essa é uma empresa das meninas. Eu tinha lá 10 mil hectares, agora com essas terras, temos 16 mil.
E é muito desafiante trabalhar em dois setores que têm um nível de inovação muito grande.
José Ranulfo – Você falou uma coisa certa, o agro é inovação todo dia. Tudo é mecanizado. A gente não tem um cortador de cana no Rio Grande do Norte, onde temos 600 hectares de cana irrigada por gotejamento, que é uma tecnologia de Israel. Também trabalhamos com drones.
Roberta Queiroz – Também usamos fertilizantes biológicos e implantamos um laboratório para produzi-los na fazendo do Rio Grande do Norte. Esses insumos substituem uma parte dos produtos químicos que seriam usados. Tudo isso são investimentos que concentramos na área agrícola, depois que saímos das concessionárias em outros estados. Acho que foi acertada essa decisão, porque, quando se tem um negócio que é próprio, você pode traçar como quer fazer a gestão.
A produção de soja e algodão é exportada? Para onde?
José Ranulfo – Exporto para a China. Eu não sei quanto eu exporto, porque eu vendo a soja para empresas de trading. Eu vendo para ADM, para Bunge. Agora o algodão, vendo direto para o Vietnã e para a Indonésia, onde se fabricam roupa para o mundo todo. O algodão nosso é de primeira qualidade.
Quais são os planos, tanto em relação à concessionária, quanto ao agro?
Marta Gama – Em relação à concessionária montamos as instalações da nova revenda, na Imbiribeira, que é quatro vezes maior que a anterior. Toda a loja foi feita nesse padrão novo exigido pela Volvo, isso é um diferencial. Com a loja nova, estamos com uma oficina bem maior e uma equipe toda treinada para atender os clientes. Assim como na agricultura, tudo tem um tempo. Você planta, mas não colhe no outro dia. Na concessionária, você às vezes “planta” um cliente que só vai comprar seis meses depois. É uma conquista. Nossa perspectiva é vender cerca de 20 a 25 carros por mês este ano.
José Ranulfo – Em relação ao agro, estamos montando uma algodoeira na fazenda da Bahia, com mais de 4 mil metros de área. Estamos construindo num terreno nosso. A ideia é não precisar terceirizar o serviço de beneficiamento do algodão que vai para exportação. Queremos verticalizar a produção em vez de pagar um terceirizado. Este ano, se fôssemos pagar o que nós mesmos beneficiamos, pagaríamos R$ 5 milhões.
Quando você colhe o algodão, ele vem com um caroço e algumas impurezas, você fica com 42% de algodão e pluma que depois é prensado, faz um fardo de 200 kg e exporta. E fica com 50% que é caroço e 8% de impureza, tudo isso se vende. O caroço se transforma em ração animal e a impureza também é vendida para confinamento de gado. Aquilo que é proteína pura e o gado come. A pluma é exportada e o preço é fixado numa bolsa mundial de algodão. Eu posso fixar agora até a safra do ano que vem.
Vocês são uma família que conquistou bons resultados em dois setores muito distintos: o agrícola e o de revenda de automóveis de luxo. Qual o segredo dessa competência?
Marta Gama – Embora o agronegócio e o setor automotivo sejam segmentos distintos, a filosofia que nos guia é semelhante: investir nas pessoas, nos profissionais e no próprio negócio. No agronegócio, a produtividade é essencial para a viabilidade. No setor automotivo, equipes enxutas e altamente qualificadas são a chave para o sucesso. Em ambos, a tecnologia avança rapidamente, exigindo aprendizado contínuo para nos mantermos competitivos. Apostar na capacitação constante e na inovação é o que nos permite acompanhar essas mudanças e garantir resultados consistentes em mercados tão dinâmicos.