A força e os novos passos da moda made in Pernambuco - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

A força e os novos passos da moda made in Pernambuco

Rafael Dantas

Estilistas investem em produções autorais inspiradas na cultura e identidade local para agregar valor às coleções e ganhar mercado.

*Por Rafael Dantas

Agenda TGI

Pernambuco tem uma trajetória reconhecida nacionalmente na produção têxtil e de confecções, especialmente pelo Polo do Agreste. Porém, além da fabricação em escala industrial que move milhares de profissionais no Estado, há um movimento consistente também da moda autoral e da produção de vestuário e acessórios com um valor agregado maior. A sustentabilidade e o investimento em design, associado à cultura local, são alguns dos diferenciais dos players que apostaram nesse segmento.

Enquanto o setor têxtil é muito conhecido pelo triângulo entre Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e Toritama, a moda autoral está espalhada pelo Estado, mas com um foco maior na própria Região Metropolitana do Recife. Também não é um movimento novo, há algumas empresas com décadas de atuação, como a Refazenda. A novidade é mais o amadurecimento do consumidor desse tipo de moda e a estruturação de novos espaços de visibilidade dessa atividade com DNA local.

“Vemos uma crescente de empresas nesse perfil, na região metropolitana, principalmente. Marcas que se preocupam mais com uma diferenciação do produto, ligadas às questões de tradição e da identidade local. A gente tem uma cultura riquíssima no Nordeste, principalmente Pernambuco, que é muito inspiradora e está refletida em todos os artefatos do nosso cotidiano. Eu falo, inclusive, que o maior ícone de identidade de uma pessoa é o que ela veste, porque é a única coisa que levamos ao sair de casa. Por que não vestir a nossa cultura?”, afirma Arthur de Oliveira, doutorando em design e professor substituto da UFPE.

A força da criatividade dessa produção é notada na quantidade de empresas que estão emergindo no segmento. Somente a loja Mape (Moda Autoral de Pernambuco), criada pelo Governo do Estado, há quase três anos, abriga 86 marcas de roupas, acessórios e calçados de 18 cidades do Estado. No ano passado, a unidade, localizada no Marco Zero, faturou mais de R$ 1,6 milhão em vendas. Como uma iniciativa de política pública para fomentar o segmento, a escolha dos fornecedores é feita mediante inscrição em edital e avaliação de curadoria.

“A loja de Moda Autoral de Pernambuco é uma importante vitrine para nossa produção, sendo um dos principais (e às vezes até o único) centro de comercialização para os criativos. Nossa intenção, no entanto, vai além da venda dos produtos. Queremos conscientizar tanto o público consumidor quanto os produtores para a importância da qualificação de seus processos e sua inserção no mercado”, afirma Camila Bandeira, diretora-geral de Promoção da Economia Criativa da Adepe, agência responsável pela gestão da unidade comercial.

Além das lojas próprias das marcas, da participação em lojas colaborativas, essa produção chega ao público consumidor um pouco mais distante por meio do e-commerce. As feiras artesanais e desfiles autorais são espaços valorizados e acionados por parte desses criativos para tornar suas peças mais conhecidas e, mesmo, para formar novos consumidores da moda made in Pernambuco.

SUSTENTÁVEL E SE REINVENTANDO

Com mais de três décadas de atuação, a Refazenda é um dos cases pernambucanos de moda autoral com reconhecimento que extrapola as fronteiras do Estado e até do País. Com duas lojas físicas e uma virtual, a empresa familiar tem uma trajetória costurada com fios da sustentabilidade ambiental e social.

Marcos Queiroz, diretor de soluções da Refazenda, revela a abordagem inovadora que a empresa trilhou no campo social e empresarial, ao investir na inclusão e no empoderamento das mulheres de comunidades carentes. Por meio da iniciativa de ensinar corte e costura e de capacitar cooperativas de artesãs, a marca criou oportunidades de emprego e estimulou a autonomia e a criatividade dessas comunidades, ao priorizar a transmissão de conhecimento em vez de simplesmente oferecer contratos comerciais.

Além da responsabilidade social, que integra o DNA da empresa, Marcos destaca que, desde a sua fundação, a busca por zerar os resíduos faz parte da dinâmica da marca, com a prática do upcycling (transformação de materiais ou roupas antigas, muitas vezes descartadas, em novas peças de vestuário ou acessórios). Com uma trajetória de premiações, Marcos afirma que a Refazenda está em um momento de mais uma vez se reinventar. A aposta na formação e no fomento ao setor estão no radar da empresa.

“A Refazenda está prestes a completar 35 anos, no ano que vem, e estamos pensando em estratégias de renovação, de dentro para fora mesmo. De refazer o propósito para com ele se oxigenar, e ser ainda mais autoral. Temos pensado muito em conhecimento. Conquistamos reconhecimentos e certificações ao longo desses 34 anos, e queremos transformar a Refazenda um pouco mais em serviço. Usar um pouco essa expertise que adquirimos para outros negócios, para que eles se tornem mais autorais e mais sustentáveis também do ponto de vista socioambiental”. No horizonte ainda em construção, estão nos anseios em formulação da marca a oferta de cursos, oficinas e mentorias.

NO RITMO DO MANGUE E NA INSPIRAÇÃO PERNAMBUCANA

No final dos anos 1980, Márcia Cavalcanti e Clezinho Santos se conheceram e entre os interesses comuns estava uma paixão pelas roupas. Não se identificavam com o vestuário massivo que vinha do Sudeste do País e pouco a pouco foram deixando suas atividades profissionais para trabalhar com o que desejavam, que era criar uma moda com a cara do Nordeste e de Pernambuco. “A moda que tínhamos acesso não tinha a ver com a nossa essência. Não queríamos nos vestir de cinza numa cidade toda colorida”.

Ele, engenheiro mecânico. Ela, professora. No Carnaval de 1988 nascia uma coleção para a folia que foi o pontapé inicial da marca Período Fértil. Os primeiros dias foram ancorados no público e nos eventos do circuito do movimento Mangue. Até figurino para Chico Science e para a Nação Zumbi, eles chegaram a confeccionar. “Sem dinheiro e na força da ideia”, a moda produzida pelo casal ganhou espaço na região metropolitana quando o manguebeat, que eles acompanhavam, despontou. Jogou literalmente o holofote nessa produção que se negava a aceitar a imposição cultural nos vestuários.

Depois veio a loja física e a participação nos espaços que foram surgindo para a moda autoral no Estado. Márcia comemora o fato de a Fenearte ter criado um espaço privilegiado para a moda produzida no Estado. “Hoje é a moda autoral. Fazemos parte de alguma coisa antes desse momento, éramos os malucos que faziam roupas”, conta, em meio às risadas das lembranças dos primeiros dias de trabalho no segmento.

A paixão que foi tomando a casa e a vida do casal ganhou corpo e hoje Márcia comemora a clientela fiel que a marca construiu nessa longa jornada. “Temos um ateliê em Olinda, um casarão. Trabalhamos um calendário que respeita a história local, que começa o ano com a coleção de Carnaval, depois o São João. Tudo que fazemos é completamente autoral desde a criação, a forma de elaborar as coleções, como montamos esse calendário anual, como elaboramos nossa mídia, tudo inventado na cabeça da gente. Fazemos muitos figurinos para artistas. Sempre tivemos essa relação com a cultura, com o pessoal da música. Roupas com um estilo bem próprio. As pessoas nos percebem no sítio histórico”, afirmou Márcia Cavalcanti.

Além da loja própria e das vendas virtuais, a marca está presente ainda no Mape e possui um cliente que compra para revender as peças. Com roupas casuais e originais, fugindo da formalidade, o casal costurou um público alternativo local, além de ter uma produção de figurinos para músicos e para o teatro. As possibilidades de divulgação também cresceram muito. “Hoje tem um caminho aberto para essas iniciativas, inclusive com o poder público começando a nos observar. Isso é bom, porque identifica o lugar e fortalece o segmento como um todo”, avalia Márcia.

DESTINOS PARA ALÉM DE PERNAMBUCO

A moda pernambucana está gradualmente conquistando espaço além das fronteiras do Estado. Nesse movimento de chegar a novos públicos, o professor Arthur de Oliveira destaca a presença de marcas locais em eventos e feiras fora do Estado. “Os exemplos da Maria Alice Atelier e da Diabo a Quatro, que tiveram seus produtos expostos em feiras em São Paulo, são emblemáticos. Isso demonstra que há um interesse e uma demanda pelo estilo e pela qualidade da moda pernambucana em outras regiões do País”.

Além disso, ele destaca que a atuação de iniciativas, como as lojas colaborativas e as feiras de perfis diversificados, também desempenham um papel importante no escoamento dessa produção para além das suas lojas próprias. “Esses espaços não apenas oferecem uma plataforma para que marcas locais alcancem novos públicos mas, também, promovem a cultura e a identidade da região. A diversidade de perfis de feiras permite que elas encontrem o público certo para seus produtos, seja ele mais jovem, de classe média, ou até mesmo de uma classe não tão alta”.

Camila Bandeira destacou que a loja Mape, por exemplo, tem planos de levar essa produção autoral local para além das fronteiras de Pernambuco. “Queremos levar a Mape para eventos fora do Estado como, por exemplo, a Semana Criativa de Tiradentes, e, com isso, ajudar a posicionar a moda autoral pernambucana no mercado”.

A Refazenda, por exemplo, tem 80% da sua produção sendo comercializada em Pernambuco e apenas 20% fora do Estado. Marcos Queiroz acredita que para o segmento de moda autoral há um vasto caminho a ser percorrido na região Nordeste e no País. Ele avalia que existe um público que admira a riquíssima cultura pernambucana e que pode ser alcançado pelo segmento. Para o empresário, diante de um mercado consumidor local ainda a ser atendido, os planos de internacionalização não devem ser prioridade, pelo menos por enquanto.

Com atuação no pujante Polo Têxtil do Agreste, a diretora criativa Monnika Marikinha criou uma marca com seu nome no começo da pandemia. A criação é dela e a produção é terceirizada, como várias dessas marcas trabalham, concentrando-se na criação. Além do vasto público que segue para a Capital do Forró para comprar, a marca encontrou um público também no comércio online, especialmente o regional.

“Estamos atendendo toda a região Nordeste, temos uma loja física em Caruaru e também temos um e-commerce. Percebo que o consumo de moda vem dando uma mudada desde a pandemia e que o público feminino, que é o que eu atendo, vem buscando um produto de qualidade melhor e com um design mais exclusivo. Nossa marca, diferente das demais da região, está voltada para atender o público de varejo”.

Nesse movimento de encontrar novos mercados, os planos da diretora da Monnika Marikinha Brand são de expandir a quantidade de lojas físicas, chegando a duas capitais do Nordeste.

“EU-PRESÁRIOS” E CONSUMIDORES EXIGENTES

Com exceção de marcas já consolidadas, Arthur de Oliveira considera que o setor é caracterizado pelo que ele chama de ‘eu-presário’. “Esse é o empresário que faz tudo. Geralmente ele é o criador, o gestor, faz a parte financeira e a modelagem. A terceirização acontece em algumas etapas da produção, seja na costura ou na estamparia, por exemplo. “Mas o perfil é muito da pessoa que decide ser empreendedora, arrisca e vai, porque ela tem essa visão, tem essa voz e quer botar no mundo assim a sua criação. É o perfil do empresário que está sozinho ou é uma empresa familiar. Moda autoral é muito ligada ao próprio estilista, criador e designer que vai empreender e se jogar no mercado”, caracteriza o docente da UFPE.

Os criadores e pequenos empresários que estão ou aqueles que desejam entrar no setor, estão cientes de que a decisão de compra desse cliente mais sofisticado é também mais criteriosa. “Não dá para agregar valor sem atribuir aspectos de sustentabilidade em todo o processo da cadeia têxtil. Isso passa por questões ambientais, é claro, mas também pela relação com os trabalhadores ou pela forma de expor, de vender e, até mesmo, de comunicar os propósitos de cada marca”, comenta Camila Bandeira.

Arthur de Oliveira ressalta que o consumidor desse segmento não nutre simpatias pela chamada fast fashion, um modelo de produção e consumo de vestuário e acessórios descartável, baseado em sucessivos lançamentos de produtos e coleções. “Algumas características que a gente pode agregar à moda autoral é trabalhar a questão da cultura e da identidade. Eles têm a preocupação com o slow fashion, não é um tipo de produção que vai estar em alta, mas aponta para uma escala menor. A baixa escala, inclusive, facilita a produção, pois são pequenas empresas que têm o valor da exclusividade do produto, principalmente quando se trabalha com customização. Existe preocupação com o material, não só com a qualidade dele, mas como ele fica vestido na pele e com o que vai acontecer com esse material depois do uso. É a questão da sustentabilidade. Mas a gente vê que há muitas questões que tocam no branding da marca, é pensar a imagem, a história, os valores”.

Seja para quem está começando nessa estrada ou para quem já vem de muitos carnavais, a moda made in Pernambuco, mais sofisticada, tem um vasto espaço para crescer. Essa produção de vestuário com identidade local vai desfilando em novos espaços e encontrando novos clientes.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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