Elma Moura, gestora da Escola Municipal Manoel Leandro Morais, única unidade pública de ensino de Pernambuco a alcançar 10 no Ideb, afirma que a estratégia de focar nos alunos com dificuldades de aprendizado, a participação da família na vida escolar dos estudantes e o apoio psicossocial levaram à conquista da nota máxima.
S ituada na zona rural, no distrito Maravilha, a cerca de 36 quilômetros da sede do município de Custódia, no Sertão do Moxotó, a Escola Municipal Manoel Leandro Morais foi notícia na mídia, semanas atrás, em razão de um feito surpreendente: foi a única unidade pública de ensino de Pernambuco a conquistar nota 10 nos anos iniciais do fundamental no Ideb 2023 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Somente outras 20 escolas públicas em todo o Brasil receberam a nota máxima desse que é o principal indicador de qualidade do ensino, criado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão do MEC (Ministério da Educação). Detalhe: todas as demais escolas também estão localizadas no Nordeste, nos Estados do Ceará e Alagoas. O indicador relaciona o desempenho dos estudantes em avaliações externas de larga escala com dados de fluxo escolar.
Cláudia Santos conversou com Elma Moura, a gestora do colégio nota 10 de Custódia, para conhecer a estratégia de sucesso que fez a escola brilhar no Ideb. As diretrizes foram estabelecidas pelo governo municipal e têm como foco os alunos com dificuldade de aprendizado, o incentivo à participação da família na vida escolar do estudante e o apoio de uma equipe psicossocial aos problemas comportamentais da garotada apresentados em sala de aula.
Os alunos também são incentivados com premiações, assim como os professores, já que os profissionais da escola de Custódia com melhor desempenho no Ideb recebem o décimo quarto salário. Elma também ressalta a continuidade dessa política pela gestão municipal, que não foi interrompida desde 2017.
Reportagens veiculadas na mídia afirmam que um dos motivos do sucesso da Escola Municipal Manoel Leandro Morais no Ideb é o fato de vocês terem focado nas crianças que apresentam dificuldades de aprendizado. A senhora poderia detalhar como é feito esse processo?
Realizamos planejamentos quinzenais com os professores, em que eles repassam para a coordenação pedagógica quais alunos apresentam um pouco mais de dificuldade. Temos vários profissionais de apoio à educação especial e, quando um deles está disponível, retira o aluno da sala de aula por um momento, sonda qual é sua dificuldade – se em matemática ou leitura, por exemplo – e faz com ele uma espécie de reforço escolar.
Isto porque, aqui as famílias de baixa renda, às vezes, não têm condição de pagar o reforço em casa. Então, os professores também se desdobram fazendo atividades diferenciadas e orientamos a família a fazer essas atividades em casa para ajudar a criança.
Que tipo de atividades diferenciadas são realizadas?
A coordenadora pedagógica pesquisa várias atividades e questionários de acordo com os descritores que o aluno tem dificuldade e pede para que a criança realize essas atividades. Assim, as dificuldades encontradas vão sendo sanadas, pois o estudante vai se familiarizando com o assunto da disciplina. O município inteiro basicamente trabalha mais ou menos na mesma metodologia, no mesmo estilo, porque acompanhamos a Secretaria Municipal de Educação, que também nos dá todo suporte.
Desde quando a escola utiliza essa metodologia de trabalho e como é o envolvimento dos professores? Houve resistência no início?
Não houve resistência. Desde 2017, o prefeito Manuca de Zé do Povo (Emmanuel Fernandes de Freitas Gois) vem investindo nisso. Começou dando computadores para todos os professores e tablets para os alunos do integral. A Secretaria de Educação do município de Custódia tem um sistema próprio de avaliação. Ela é exclusiva da cidade e conta com uma empresa que dá consultoria a todos os supervisores e coordenadores. Eles realizam essas avaliações no início do semestre, seguem para o semestre seguinte sabendo em quais descritores os alunos mais tiveram dificuldade, e o planejamento é realizado em cima desses descritores.
Para a escola do município com melhor desempenho no Ideb, a prefeitura concede o décimo quarto salário. Então todo professor abraçou a causa e disse, “vamos à luta, vamos ganhar”. Deu um entusiasmo muito grande aos professores, e eles não medem esforços.
Estão sempre dispostos a ajudar, a montar projetos. Então, esse modelo de trabalho foi introduzido em 2017, quando as escolas do município de Custódia deram essa guinada e decidiram fazer diferente a educação. E esse trabalho vem dando certo. A Escola Manoel Leandro Morais, em 2018, foi destaque no Ideb. Em 2022, ela ganhou o prêmio destaque do Criança Alfabetizada (programa do Governo do Estado). A nossa escola vem se destacando e o que eu digo para nossos alunos e professores é que temos ainda um desafio bem maior, que é manter essa qualidade.
Vocês também estimulam a família a participar da vida escolar do estudante. Como é feito esse incentivo à participação?
A participação é justamente uma das peças desse processo. O diálogo entre as famílias é o carro-chefe da escola e de todo o município. Por isso, estamos sempre incentivando essa conversa e convidando a família a se fazer presente na escola. Quando identificamos a dificuldade do aluno, checamos também se os pais ou responsáveis têm uma estrutura para ajudar, pois, muitas vezes, não têm estudos e não conseguem auxiliar. Então, os alunos cujos responsáveis não podem, nós ajudamos aqui na escola. Já aqueles cujos responsáveis conseguem auxiliar, nós orientamos, damos suporte e indicamos as atividades a serem feitas em casa.
Outra preocupação nossa é com a ausência dos estudantes na sala de aula. Nós nos esforçamos para não deixar o aluno faltar. Quando identificamos que determinada criança não está comparecendo às aulas, procuramos saber o motivo, realizamos uma busca ativa. A Secretaria de Educação tem uma iniciativa de busca ativa, mas nossa escola tem um projeto próprio nesse sentido, temos profissionais de monitoria e transportes escolares e hoje também temos um acesso muito grande pelo celular que a gente na mesma hora liga e pergunta o motivo para o aluno ter faltado.
Nossa parceria com a família também acontece por meio da equipe psicossocial do município e, junto com os professores, conversamos com os familiares para identificarmos e tentarmos resolver as dificuldades do aluno.
Além de dificuldades no aprendizado em algumas matérias, que tipos de problemas, emocionais ou psicológicos, os alunos enfrentam?
Posso citar um exemplo: recentemente, percebemos que um dos nossos alunos era um pouco disperso, não se concentrava e, às vezes, ficava um pouquinho agitado. Então, com o apoio da equipe psicossocial, explicamos à família que faltava um pouquinho de limite em casa, que a criança estava usando muito o celular.
Assim, na medida em que a família dá limites em casa, na escola, também vamos trabalhando isso no aluno, incentivando- -o a estudar. Muitos estudantes dizem “ah, mas meu pai nunca estudou por que eu tenho que estudar?” E eu digo: se seu pai não estudou talvez seja porque não tenha tido oportunidade na época, teve que trabalhar, hoje você não trabalha, você só estuda. Então já que você vem para escola para estudar, vamos fazer bem-feito. É preciso sempre conversar, dialogar com essas crianças desde pequenas.
E qual é o perfil desses alunos? Vocês estão numa comunidade rural?
Sim, estamos numa comunidade rural, em Maravilha, um distrito da cidade de Custódia, fica a 36 km da cidade, um pouquinho distante da zona urbana. Esses alunos são, basicamente, quase todos filhos de agricultores, muitos beneficiários do Bolsa Família, alguns filhos de funcionários da escola, de professores e de auxiliares.
Como as escolas foram nucleadas, temos vários alunos de comunidades próximas. Nós tínhamos carros que percorriam 22 km diariamente para trazer o aluno para o distrito onde a escola funciona. Por isso, sempre trabalhamos com esses alunos, fazendo-os enxergar que precisa fazer valer a pena vir para a escola, já que saem de casa com tanta dificuldade.
Grande parte fica na escola em período integral. O sistema integral começou ano passado em fase de experimento, por esse motivo, só o primeiro, segundo, sexto e sétimo ano estudam nesse regime. A cada ano vai aumentando uma turma até que a escola passe a ser totalmente integral.
Que outras estratégias a escola utiliza para melhorar o desempenho das crianças?
Às vezes, utilizamos estratégias de incentivo ou reconhecimento aos estudantes com bom desempenho. Por exemplo, quando temos evento, homenageamos as crianças que se destacaram em determinadas turmas. Também promovemos premiações por meio de uma parceria com o empresário Atanael Rezende, dono das lojas Atan Eletro.
Ele é ex-aluno da escola e envia profissionais para ministrar palestras. São quatro palestras ao ano. O aluno que participou de todas as palestras, desenvolveu um bom trabalho e tem boas notas recebe prêmios dessa empresa parceira. Então tudo é um conjunto. A gente vai fazendo a diferença, ficamos cada vez mais felizes, e o resultado foi essa nota 10.
A escola segue alguma teoria educacional específica, como o construtivismo, por exemplo?
Não. Vamos absorvendo e acompanhando a metodologia que a Secretaria de Educação nos passa. E a escola também tem alguns projetos próprios, como o Marajunino, por exemplo, que se inicia na sala de aula e tem a culminância na praça pública do distrito. Nesse projeto, os professores vêm trabalhando com os alunos o São João e São Pedro.
Alguns professores ficam responsáveis pela quermesse, outros pelas apresentações culturais. Os alunos aprendem sobre empreendedorismo, produzem poemas e literatura de cordel. Temos, inclusive, uma cordelista, Dandara, ganhadora do Prêmio Ler Bem em Custódia, que representou a Gerência Regional de Educação e que saiu desse projeto.
Como é sua atuação à frente da Escola Municipal Manoel Leandro Morais?
Comecei como gestora em abril, fui abraçada por todos. Eu sou ex-aluna da escola e, quando eu estudei aqui, em nenhum momento passou pela minha cabeça retornar como gestora. Estou muito feliz. Eu digo para os meninos: "Eu não era aluna que ficava escondida. Não se escondam, não vamos ter medo de errar. Se a gente errar, a gente conserta, vamos estudando, vamos treinando."
Também incentivamos sempre os professores, o porteiro, a merendeira, a auxiliar para que todos tratem todos muito bem, porque já era assim com o gestor que me antecedeu, e a gente continua do mesmo jeito. Nós só temos o nosso trabalho por causa dos alunos, então vamos tratá-los bem, fazer o nosso trabalho bem-feito, vamos valorizá-los.
Por isso que muitos professores, muitos auxiliares vêm para a escola sem ser preciso chamar, dizem: “estão precisando de algo?”. Ou seja, um dos nossos diferenciais é esse comprometimento dos funcionários. Eles compreendem a importância de fazermos sempre um trabalho diferenciado, para chegar na família, para que os pais vejam essa dedicação aos nossos alunos e também para uma realização pessoal, para que possamos sempre dar o nosso melhor.
Como a notícia da nota 10 no Ideb foi recebida pela escola?
Quando saiu o resultado, não acreditamos, pois esperávamos manter a nota entre 8 e 9. O secretário municipal de Educação, Lucival Roque, antigo gestor da escola, foi quem me deu a notícia. Cheguei na escola dando os parabéns para todos os professores e alunos, que sempre ficavam perguntando sobre o resultado do Ideb, principalmente os alunos do sexto ano. Todos ficaram muito felizes. Uma das alunas da turma, Lorena, foi sorteada para ir a Brasília, junto com a mãe, a professora Maria José e o secretário de Educação do município. Eles participaram de uma solenidade com o presidente Lula. É a escola Manoel Leandro de Morais entrando na história não só de Custódia, mas na história do Brasil.
Como você vê esses alunos daqui a alguns anos? Que diferença a escola pode fazer no futuro dessas crianças?
Temos empresários, advogados, médicos de renome que são ex-alunos daqui. Inclusive eu tenho o prazer de dizer que meu irmão é cirurgião dentista com doutorado, aluno desta escola. Então eu costumo falar para os alunos “vamos estudar. Hoje eu sou a gestora da escola, amanhã eu quero ver um de vocês aqui, quero ver um de vocês sendo médico do distrito para que não seja preciso vir médicos de outros locais”.
Nós já temos uma ex-aluna que hoje é a médica do postinho daqui. Isso serve de incentivo para que os estudantes saibam que também são capazes. Não é algo distante, está ao nosso alcance, só depende da gente. Então vejo essas pessoas e digo para os alunos, se você estudar, pode fazer a diferença, ter uma boa profissão, com maior poder aquisitivo. Não desmerecendo o trabalho no campo, mas é um trabalho duro. Então, você pode ter uma vida diferente dos seus pais que, talvez, não tiveram tanta oportunidade. Pode, inclusive, trabalhar na terra, mas de forma diferenciada.