*Por Gabriela Camarotti
A infância não é apenas um período da vida, mas uma forma de existir. Mais do que um substantivo, poderíamos olhar a infância como um adjetivo, uma maneira de ser, sentir e perceber o mundo. Curiosidade, leveza, criatividade e entusiasmo não precisam ser características exclusivas das crianças; são elementos fundamentais para uma vida plena em qualquer idade. No entanto, ao longo dos anos, muitas vezes deixamos para trás essas características que nos tornam adolescentes e adultos felizes, que mantêm viva a forma genuína de sentir e perceber a realidade.
O que aconteceria se, em vez de encerrar a infância, a carregássemos conosco para sempre? O educador Marcelo Cunha Bueno enfatiza que “a infância é uma forma de estar no mundo, e não apenas uma fase da vida”. Ele nos lembra que a intuição, essa inteligência sensível e profunda, é um legado da infância que nos conecta ao que há de mais autêntico em nós. É através desse olhar infantil que conseguimos viver com mais verdade, alinhados aos nossos sonhos e desejos.
Mas como preservar essa essência ao longo das fases da vida? Como garantir que a infância, com suas qualidades inegociáveis, continue viva na adolescência e na vida adulta? A resposta está em cultivar aquilo que naturalmente nos impulsionava na infância: a curiosidade, a criatividade, o afeto e o protagonismo.
O que os grandes pensadores da educação nos mostram é que preservar essa essência não é apenas um desejo romântico, mas uma necessidade para uma vida mais rica e significativa. O educador Paulo Freire nos ensina que a aprendizagem nasce do diálogo, da curiosidade e da capacidade de questionar, qualidades naturais da infância que, quando preservadas, tornam o adulto mais crítico e reflexivo. Loris Malaguzzi, educador italiano, com sua abordagem Reggio Emilia, reforça a ideia de que cada ser humano tem “100 linguagens”, múltiplas formas de aprender e expressar-se, que não deveriam ser reduzidas à medida que envelhecemos. Edgar Morin, sociólogo e filósofo francês, lembra que o mundo é complexo e imprevisível, e que aqueles que mantêm o pensamento exploratório e criativo da infância têm mais facilidade para se adaptar às mudanças.
Manter a curiosidade na vida adulta significa não perder o encantamento pelo novo, a vontade de aprender e o olhar investigativo sobre o mundo. É preciso resgatar a capacidade de fazer perguntas, de explorar possibilidades e de não se contentar com respostas prontas. Quem mantém essa inquietação intelectual permanece aberto ao aprendizado e à inovação, sem medo de mudar de opinião ou de se reinventar.
A criatividade, tão abundante na infância, não deve ser reprimida pela rigidez das obrigações e das regras impostas. Crianças transformam o ordinário em extraordinário, enxergam soluções onde ninguém mais vê e criam realidades inteiras a partir da imaginação. Cultivar essa habilidade ao longo da vida permite que continuemos inventando novas formas de nos expressar, seja na arte, na ciência, no trabalho ou nas relações cotidianas.
O afeto e a escuta são fundamentais para manter viva a essência infantil. Na infância, vivemos intensamente nossas emoções e nos conectamos com os outros sem reservas. Conforme crescemos, muitas vezes endurecemos nossas relações, substituindo a escuta genuína por diálogos superficiais e a empatia pela pressa do dia a dia. Resgatar essa conexão profunda com os outros nos torna mais humanos, mais presentes e mais atentos ao que realmente importa.
O protagonismo, por fim, é a chave para que a infância permaneça dentro de nós. Quando crianças, agimos com autenticidade, exploramos o mundo sem medo de errar e confiamos em nossa própria capacidade de aprender. Na vida adulta, o medo do julgamento e a necessidade de se encaixar podem limitar essa liberdade. Retomar o protagonismo significa assumir o controle sobre a própria história, fazer escolhas com coragem e manter viva a paixão por descobrir e experimentar.
Se a infância é esse estado de curiosidade, leveza e encantamento, então ela não precisa acabar. Podemos continuar sendo exploradores do mundo, aprendizes constantes e sonhadores corajosos, independentemente da idade. Isso é um ato de resistência contra um mundo que nos exige rigidez e pragmatismo. É um compromisso com uma vida mais rica, mais autêntica e mais humana.
Manter a infância viva não é um ato de nostalgia, mas sim um compromisso com uma vida mais autêntica, plena e criativa. Quem carrega consigo a curiosidade, a criatividade, o afeto e o protagonismo se torna mais adaptável, mais empático e mais preparado para os desafios da vida. Afinal, como nos ensina Marcelo Cunha Bueno, “a infância é uma forma de estar no mundo”. E essa forma, se cultivada, pode, e deve, nos acompanhar por toda a vida.

Gabriela Camarotti é diretora pedagógica do ensino fundamental I e II da Escola Vila Aprendiz