Psicóloga Elizete Maciel aponta como perdas, isolamento e exclusão digital afetam a saúde mental dos idosos e defende políticas públicas de inclusão para um envelhecimento com vínculos, afeto e dignidade.
A solidão na terceira idade vai além da ausência de companhia — ela está ligada à perda de vínculos, ao distanciamento familiar e à exclusão das esferas sociais e tecnológicas. Em entrevista, a psicóloga Elizete Maciel, especialista em gerontologia e em neuropsicologia, explica como esse sentimento, muitas vezes silencioso, pode desencadear um ciclo de adoecimento emocional e físico, especialmente quando a pessoa idosa perde autonomia, convívio e protagonismo no dia a dia. "É a falta de escuta, de abraço, do bom dia, da xícara de café com bolo quentinho", resume.
Ao mesmo tempo, Elizete destaca que a solidão não é, necessariamente, negativa para todos. Para algumas pessoas, representa liberdade e oportunidade de redescoberta. A chave, segundo ela, está em respeitar os diferentes perfis e promover iniciativas que fortaleçam os laços afetivos e sociais. Com o envelhecimento da população brasileira, a psicóloga defende que é urgente incluir os idosos em projetos públicos que estimulem a convivência, a saúde emocional e o aprendizado — inclusive o digital — como pilares de uma longevidade mais humana e integrada.
Tratamentos recentemente numa reportagem sobre a Epidemia da Solidão, que atinge muitos brasileiros e está muito relacionada a novos desafios da sociedade contemporânea. Olhando especialmente para a população da terceira idade, por que esse problema do sentimento de solidão afeta tanto os idosos?
A casa cheia, o almoço aos domingos, vão deixando de ser algo habitual, os espaços se tornam vazios e o sentimento de solidão vai chegando, as mudanças diárias, o ritmo e o círculo familiar e social, afetam profundamente a população idosa. Muitas pessoas idosas passam a conviver com perdas frequentes, começando pela aposentadoria, amigos, cônjuge ou da sua própria autonomia — o que pode gerar um afastamento gradual da vida social. Além disso, há uma redução natural nas oportunidades de interação: crescimento dos filhos, problemas de saúde ou limitações de mobilidade acabam diminuindo a frequência com que a pessoa idosa participa de atividades em grupo.
Por outro lado, o sentimento de solidão não é visto como um problema, para algumas pessoas idosas, este sentimento é de liberdade, poder fazer o que gostar, encontrar novos caminhos, participar de atividades, grupos, olhar para se mesmo com mais intensidade, é cuidar e gerar cuidados, envolvendo em atividades e espaços coletivos, onde a longevidade é tema, é busca, é lidar com suas limitações e buscar equilíbrio entre o ser, fazer e ter autonomia.
Esse mundo mais tecnológico contribui para isso?
O mundo mais tecnológico, embora traga avanços incríveis, diminuir a distância, encurtar o tempo, pode contribuir com o sentimento de solidão, quando não é possível o acesso a informação. O universo digital, para muitos a dificuldades no aprendizado, não são todos que se sentem à vontade para pedir “ajuda”, se sentem incapazes e não “querem” ter que solicitar várias vezes a mesma ajuda. Na pandemia, esse foi o maior desafio, alguns conseguiram e outros não. A comunicação através da tecnologia, se tornou rápida, a tela se tornou as chamadas telefônicas, ou as linhas da velha carta enviada pelo correio. Sem orientação ou apoio para aprender, podem gerar sentimentos de invisibilidade, distanciamento, isolamento, mesmo estando cercado por pessoas que estão diariamente conectadas.
A solidão no processo de envelhecimento, vai muito mais do que a ausência de uma companhia, de estar junto. É a falta de vínculos, de escuta, de troca, de abraço, do bom dia, da xícara de café com bolo quentinho, que ainda podemos sentir o cheiro. Combater esse sentimento passa por incluir a pessoa idosa, nas relações familiares, no grupo social, por querer estar junto, por querer ouvir suas histórias ricas de um tempo que fica em nossa imaginação.
Quais os efeitos da solidão na saúde mental dos idosos?
A solidão tem efeitos profundos na saúde mental das pessoas idosas, podendo ser um fator de risco para a autonomia e independência. Pessoas idosas alegam que estão bem sozinhas, que não precisa de ajuda, de ninguém. É preciso ficar atentos, em muitos casos, podem desenvolver a depressão, ansiedade, transtornos do sono, isolamento, incapacidade motora (devido a passar muito tempo sentado), declínio cognitivo e até síndromes demenciais, como o Alzheimer.
Isso ocorre porque o ser humano é um ser relacional, que se comunica com o outro, que troca ideias, que conversam, contam suas histórias. No processo de envelhecimento, o contato com outras pessoas exerce um papel importante na autoestima, na regulação emocional e na interação social.
A dificuldades nas relações sociais, no afastamento, podem gerar sentimentos de inutilidade, desesperança, abandono e tristeza crônica. Muitos se retraem, se achando inútil, incapazes, diminuindo no autocuidado, na alimentação e ingestão de líquidos, afetando diretamente a sua saúde emocional, contribuindo para o adoecimento mental e físico. Afetando diretamente no humor, motivação e a memória, impactando e potencializando para quadros depressivos e possíveis demenciais.
O que é recomendado para lidar com esse sentimento de solidão?
Podemos destacar vários aspectos de como lidar com esse sentimento de solidão. Porém antes, vamos trazer um pouco, sobre o aumento população nesta faixa etária e a necessidade do olhar voltando para um envelhecimento ativo, convívio social, o cuidado de forma integral, a pessoa com suas demandas, queixas, dores e ao mesmo tempo, sonhos, projetos, querer dar continuidade, sentir-se útil.
Com o crescimento da população idosa no Brasil, o olhar para a solidão, em especial da terceira idade, deve ter uma atenção da saúde pública?
Quando trazemos a importância da atenção da saúde pública, estamos trazendo, acesso a saúde, educação, atividade física e mental, a valorização no mercado de trabalho para os que querem e desejam continuar. Aos que querem estudar novamente, enfrentar o desafio de uma faculdade, é ter contato com várias pessoas.
Para lidar com o sentimento de solidão, é necessário avaliar o perfil da pessoa idosa, como ela vê a solidão, para muitos a solidão é bem-vinda, para outros a solidão é dor, isolamento.
Importante fortalecer os vínculos afetivos, participar e incentivar a convivência com familiares, amigos e redes de apoio, respeitando a própria rede para uma relação de carinho e afeto.
Enquanto atenção da saúde pública, abrir espaço de inclusão nos centros de convivência, grupos de idosos, projetos intergeracionais e ações culturais, em espaços públicos e gratuitos. Manter a pessoa idosa engajada, estimulada, acolhida, promovendo ações para aprendizagem tecnologia e de estimulação cognitiva, além dos cuidados com a saúde emocional e física.
A longevidade é poder envelhecer com dignidade, é poder ir e vir, é a garantia de uma vivência compartilhada entre a sociedade, a família e os espaços coletivos que podem gerar novos caminhos de uma relação de amizade, de afeto, de amor. A solidão é algo real, vivenciado muitas vezes em silêncio para não incomodar. Para muitas pessoas idosas, a solidão tem dois caminhos e precisamos escolher qual deles queremos seguir.