“A Tarifa Zero é Uma Política De Redução Da Pobreza E De Ampliação De Capacidades” - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
“A Tarifa Zero é uma política de redução da pobreza e de ampliação de capacidades”

Com o avanço da Tarifa Zero em diversas cidades brasileiras, o debate sobre o financiamento e os impactos dessa política pública ganha cada vez mais relevância. Mais do que uma proposta de mobilidade, o modelo tem se mostrado uma ferramenta de inclusão social, desenvolvimento econômico e reconfiguração urbana.

Para entender melhor os caminhos e desafios dessa política, conversamos com o urbanista Roberto Andrés, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e colaborador da revista Piauí. Autor de A Razão dos Centavos (Zahar) — livro finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico 2024 —, ele analisa as experiências de cidades que já implementaram a gratuidade no transporte público e aponta as possibilidades de expansão da Tarifa Zero em grandes centros, como Recife.

Em muitas cidades, o debate sobre Tarifa Zero costuma esbarrar na questão do financiamento. Quais são os modelos mais viáveis de custeio desse tipo de política pública e quais exemplos têm se mostrado sustentáveis no Brasil ou no exterior?

Atualmente, a tarifa zero no Brasil está presente em 138 cidades. Com exceção de Teresina, capital do Piauí, que possui mais de 900 mil habitantes e adota tarifa zero no metrô, todas as demais cidades que aplicam o modelo no transporte por ônibus têm menos de 500 mil habitantes. Isso ocorre porque o custo do transporte cresce de forma exponencial conforme o tamanho e a complexidade do território urbano.

Nessas cidades menores e médias com tarifa zero, o custo de financiamento do transporte costuma representar entre 1% e 3% dos orçamentos municipais. Já nas cidades grandes, esse percentual pode subir significativamente, chegando a 8% ou até 10% nas capitais. Por isso, os grandes centros urbanos não têm conseguido sustentar o modelo apenas com recursos do tesouro municipal, como fazem as cidades pequenas e médias. É necessário, portanto, buscar fontes externas de financiamento — e esse é o principal debate em curso no Brasil hoje: como viabilizar a tarifa zero nas metrópoles, já que, nos municípios menores, a implementação depende basicamente de vontade política.

Um dos modelos mais promissores em discussão é o de reformar a forma de contribuição das empresas. Trata-se de um gasto que já existe, portanto não cria um novo imposto nem disputa recursos do orçamento público. Hoje, as empresas pagam o vale-transporte, mas essa política é considerada mal desenhada e mal distribuída, com uma arrecadação pequena diante do seu potencial. Quando a tarifa é zerada, o vale-transporte deixa de existir — e, nesse cenário, o município pode criar uma taxa de transporte para substituir o benefício, fazendo com que todas as empresas contribuam, e não apenas aquelas cujos empregados optam por receber o vale.

Essa mudança tem um impacto significativo. Em Belo Horizonte, por exemplo, cálculos mostraram que o vale-transporte arrecada cerca de R$ 700 milhões por ano. Já o modelo de taxa de transporte, em substituição ao vale, poderia triplicar essa arrecadação, e ainda com valor menor por empregado, ampliando a base de contribuição para todos os empregadores do município.

Por isso, esse tem sido apontado como o modelo mais promissor de financiamento da tarifa zero nas grandes cidades brasileiras.

A Tarifa Zero costuma ser apresentada como uma política de inclusão social e de incentivo à mobilidade urbana. Na sua avaliação, quais são os principais impactos sociais e urbanos observados onde essa medida foi implantada?

A tarifa zero é, em primeiro lugar, uma política de redução da pobreza e de aumento da capacidade da população mais pobre. Como cerca de 20% da renda das famílias mais pobres do Brasil é gasto com transporte, a partir do momento em que você zera a tarifa, essa população tem uma grande parte da sua renda desonerada, e esse recurso passa a ser aplicado na compra de alimentos, medicamentos e outros itens necessários para o dia a dia.

Portanto, trata-se de uma política muito efetiva de redução da pobreza. Mas ela também é uma política de ampliação de capacidades, porque essa mesma pessoa passa a acessar o posto de saúde, a escola, o hospital, o parque, a praça e até a busca por empregos. Já existem pesquisas que mostram, por exemplo, que as cidades com tarifa zero têm mais empregos do que as outras. Isso ocorre porque a economia se movimenta mais, mas também porque as pessoas conseguem buscar trabalho com mais facilidade.

Além disso, há impactos positivos no aumento das vendas do comércio, já que essa população passa a consumir mais, e na redução do trânsito, pois uma parcela das pessoas que usavam carro ou moto volta a utilizar o ônibus, já que não precisa pagar.

Todo esse conjunto de efeitos beneficia a sociedade como um todo. Raramente há alguém que fique descontente com uma política de tarifa zero.

Alguns críticos argumentam que o transporte gratuito pode gerar sobrecarga no sistema e perda de qualidade. Como equilibrar o acesso universal ao transporte com a manutenção da eficiência e da infraestrutura?

A tarifa zero precisa vir junto com aumento da oferta, melhoria da qualidade e criação de pistas exclusivas para ônibus, para que haja, de fato, uma priorização do transporte público.

Quando uma cidade adota a tarifa zero, a gente observa que, em muitos casos, a demanda — o número de usuários — dobra ou até triplica. Mas isso não se reflete diretamente no custo, porque o aumento necessário na oferta é bem menor, em torno de 30%, para absorver esses novos passageiros.

Isso acontece porque uma grande parte deles passa a ocupar os espaços ociosos dos ônibus, especialmente nos horários de entrepico, quando os veículos costumam circular quase vazios. Ou seja, você tem mais gente utilizando o transporte nos períodos em que ele já estava disponível.

Portanto, é uma política que exige uma melhoria na oferta, mas que é vantajosa do ponto de vista da eficiência do gasto público, já que permite aproveitar melhor os espaços que já existem nos ônibus que estão circulando.

No contexto das cidades brasileiras, especialmente das capitais nordestinas como o Recife, quais seriam os maiores desafios e as condições necessárias para viabilizar uma política de Tarifa Zero de forma estruturada e duradoura?

Para implementar uma tarifa zero numa cidade como Recife, você precisa de uma fonte externa de financiamento. E esse modelo que foi apresentado em Belo Horizonte, do Busão 0800, que foi um modelo de financiamento via uma mudança na forma de contribuição das empresas, parece o mais promissor, porque ele não gera um imposto novo — ele apenas substitui o gasto com vale-transporte por uma taxa a ser paga pelas empresas, e nenhuma empresa mais teria que pagar o vale-transporte.

Então, ele pode funcionar muito bem em uma cidade como Recife e poderia, por exemplo, aumentar a arrecadação e permitir que a prefeitura implementasse a tarifa zero. E, ainda assim, muitas empresas que hoje gastam R$ 300 com transporte, R$ 400, poderiam gastar menos.

Esse foi o modelo apresentado em Belo Horizonte, que se tramitou na Câmara de Vereadores e que avançou em um debate, mas, no final, não foi aprovado.

Qual a importância do Governo Federal solicitar estudos desse tema? Há algum significado nesse gesto há um ano das eleições?

O significado de o governo federal entrar nessa pauta é de que a pauta está funcionando. Hoje, são 138 cidades no Brasil com tarifa zero, e a população dessas cidades está satisfeita. Os prefeitos foram reeleitos, os comerciantes estão vendendo mais, o trânsito diminuiu, e a população mais pobre está tendo uma economia todo mês, que passa a gastar no comércio e na melhoria de vida daquela população.

Então, não tem ninguém insatisfeito — está todo mundo feliz. E as pessoas, isso ficou nítido, e aí o governo entrou na pauta porque se mostrou uma política efetiva e que funciona bem para a sociedade. É um sinal muito bom de que a política é, de fato, popular, ela beneficia a maioria da população, e o governo federal, então, tem hoje uma grande oportunidade de avançar nesse tema.

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