A sétima arte é uma paixão brasileira e pernambucana. O cinema produzido no Estado, aliás, é destaque nos diversos festivais mundo afora. No entanto, as salas de exibição ainda são restritas às grandes cidades, com pouquíssima presença no interior, com exceções como Caruaru e Petrolina. Para formar público para as telonas no Agreste, Sertão e Zona da Mata e saciar a vontade daqueles que já experimentaram o escurinho da sala de cinema, uma série de iniciativas – como mostras e festivais – tem chegado aos pequenos municípios e até em vilarejos.
O cineasta Camilo Cavalcante está à frente de um desses projetos com o Cinema Volante Luar do Sertão, mostra que percorre o território sertanejo do Estado. O diretor de História da Eternidade conta ter vivido experiências emocionantes com a população local, como o relato, cheio de saudades, de um idoso que ainda era criança quando assistiu a um filme na telona pela última vez. “Fizemos uma sessão onde antes era o Cine Guarany, em Cabrobó. O prédio está em ruínas, sobrou apenas a fachada.
Projetamos num grande vão sem telhado. Na plateia havia um senhor muito emocionando. Ele disse que tinha estado ali aos 6 anos com seu pai. Estava feliz em voltar ao lugar, agora com os netos, e ver aquele espaço ser novamente um cinema”.
Uma emoção que é estendida aos jovens. Morador de Belo Jardim, o universitário Heleno Florentino, de 19 anos, é fã do universo audiovisual, mas precisa pegar um ônibus e se deslocar até Caruaru para ter acesso ao cinema. Mas graças ao projeto Cine Jardim, ele pode usufruir da sétima arte durante alguns dias na sua cidade “Fiquei muito feliz. É algo que abre a sua mente. Além dos filmes serem muito bacanas, a gente tem acesso às pessoas que vivem disso, como produtores, atores e diretores. Isso me deixou instigado”, conta o jovem que aspira criar uma produtora.
Algumas dessas iniciativas são semeadas por produtores de audiovisual da região e por cineclubes locais que floresceram em meio à escassez das salas de exibição. Foi justamente o coordenador do cineclube Iapôi, de Goiana, Caio Dornelas, que organizou a Mostra Canavial, composta por exibição e oficinas de cinema na Zona da Mata. Ele conheceu outros cineclubistas em cidades como Aliança, Vicência e Carpina e da articulação dessas organizações o evento surgiu e se consolidou, chegando à sua sexta edição. “A mostra abraçou os cineclubes e estabeleceu esse circuito na Zona da Mata. Além do papel de difundir a exibição, o evento fomenta a produção de filmes locais”, explica Dornelas.
A mostra acontece sempre nos meses de janeiro, passando principalmente pelos bairros mais periféricos e rurais de oito municípios. A organização oferta oficinas durante esse período com objetivo de formação e incentivo ao surgimento de projetos e profissionais locais. Alguns curtas, produzidos após a consolidação da mostra na região, já estão circulando nos festivais do País. Além das capacitações que acontecem nos dias do evento, outras oficinas são oferecidas ao longo do ano.
O Cine Jardim também tem a proposta de associar exibição e fomento à produção audiovisual. Realizado com apoio do Instituto Conceição Moura, o evento é uma das iniciativas do Pontilhado Cinematográfico, coordenado pelo caruaruense Léo Tabosa. “Trago na memória momentos inesquecíveis que vivi, quando criança, dentro de uma sala de cinema. Infelizmente as salas de exibição passaram muitos anos fechadas. Essa história repete-se em outros locais do interior do Nordeste, limitando o acesso às produções cinematográficas às cidades mais populosas”, lamenta.
Léo conta que abrir caminhos de interiorização cultural não é fácil e revela que as únicas cidades que conseguiram reabrir salas de exibição são as poucas que possuem shoppings centers. “Belo Jardim já viveu um tempo áureo dos cinemas de rua”, salienta. Hoje é na sala multiuso do Instituto Conceição Moura que o Pontilhado Cinematográfico promove sessões gratuitas às quintas-feiras e aos domingos no projeto Quintas e Domingos de Cinema. “É uma forma de dar continuidade ao Festival de Cinema com uma programação semanal e oferecer entretenimento”, justifica.
Além da projeção de filmes no festival, o Cine Jardim promove oficinas de formação que apresentaram resultados na produção cinematográfica do Agreste. Neste ano o evento recebeu três filmes de realizadores belo-jardinenses: a ficção Dom Casmurro, de Wellison Henrique (2016) e os documentários Pelos Galhos da Jurema (2016) e Ventre Morto (2016), ambos de David Henrique. “São jovens realizadores, frutos das oficinas de formação que oferecemos. Para a edição de 2018, esperamos receber para seleção o dobro de filmes produzidos em Belo Jardim”, projeta Léo.
Com 23 municípios visitados e um público que ultrapassa 10 mil espectadores, o projeto Cinema Volante Luar do Sertão nasceu da inquietação do cineasta Camilo Cavalcante após perceber a carência de atividades exibidoras no Sertão. “O que forma o paladar audiovisual daquela região eram apenas as antenas parabólicas e os DVDs piratas. Há uma carência extrema de obras que instiguem questionamentos e provoquem sensibilidade, obras diferentes das comerciais”, constata.
O Cinema Volante e a maioria das mostras que chegam ao interior com a proposta de incentivo cultural têm como característica a gratuidade do acesso aos filmes. “O cinema nasceu como experiência coletiva. Mas hoje se tornou um espetáculo elitista. Acabaram-se os cinemas de bairro e do interior. Ficou um espetáculo com preço exorbitante. Essa experiência do Volante tem como objetivos principais a democratização do acesso aos nossos filmes e bens culturais, além da formação de público”.
A mostra promove debates sobre os curtas que fazem parte da programação. “A TV formata o olhar das pessoas. Essa experiência da mostra com filmes artísticos, poéticos e de experimentação de linguagem abre uma outra janela ao espectador com o audiovisual que provoca a reflexão, emoção e traz discussões à tona”, salienta o cineasta.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais