“A UFRPE hoje precisa de R$ 18 milhões para fechar o ano” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“A UFRPE hoje precisa de R$ 18 milhões para fechar o ano”

Revista algomais

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A reitora da Universidade Federal Rural de Pernambuco Maria José de Sena conta como a instituição tem enfrentado a crise orçamentária que assola as instituições de ensino superior no Brasil. Ela também analisa a qualidade do ensino a distância no País e a participação das mulheres na academia e nas pesquisas científicas.

Em seu terceiro mandato à frente da reitoria da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), a professora e médica veterinária Maria José de Sena enfrenta uma conjuntura muito mais desafiadora do que nas suas duas primeiras gestões. Assim como as demais instituições de ensino federal, a Rural enfrenta uma grave crise orçamentária, que se intensificou nos últimos anos.

Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, a reitora salienta que as causas que levaram à atual greve das universidades públicas não se resumem às questões salariais mas, também, abrangem as reivindicações por um orçamento que viabilize melhorar as estruturas e as condições de trabalho nas instituições. Maria José de Sena comenta ainda a qualidade do ensino à distância e a participação das mulheres na academia e na pesquisa.

Como a Universidade Rural enfrenta a crise financeira do ensino superior no País? Algumas instituições divulgaram que o orçamento só vai durar até setembro. Essa também é a situação da UFRPE?

Sim. Todas as 69 universidades estão na mesma situação. A UFRPE tem hoje um entrave orçamentário muito forte. O que temos não dá para inovar em estrutura, comprar equipamentos. Temos que buscar investimentos em outras instâncias, NCTI (Núcleo de Comunicação e Tecnologia da Informação), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Há algum tempo vivemos, na universidade, para manter o que existe, isso é muito ruim. Assim, a gente não consegue cumprir nosso papel. Temos as políticas públicas criadas pelo próprio governo que precisam ser implementadas, e chegamos a um momento em que não conseguimos executá-las.

A UFRPE hoje precisa de R$18 milhões para fechar o ano. Sempre estivemos em todo o Estado, com estações de pesquisa, da capital ao sertão. Mas hoje temos unidades de formação que precisam de ensino, pesquisa, extensão e administração oriunda da expansão de 2004 e ainda não conseguimos consolidar essa expansão, porque o orçamento não acompanha esses avanços. Assim, é difícil manter o padrão necessário à universidade, enquanto celeiro da construção cidadã, da construção profissional.

O papel da universidade perante a sociedade é fundamental, 95% das pesquisas que são postas em prática, que se transformam em políticas públicas, saem dessas instituições. Então, é preciso olhar para dentro delas. Vivemos hoje essa instabilidade de funcionamento. Durante muito tempo, o que é proposto de orçamento para que a universidade funcione o ano todo não é atendido. Sempre há cortes. E nós, gestores públicos das instituições de ensino superior, colégios e institutos federais, temos que viver batendo nas portas dos gabinetes dos deputados de Brasília, pedindo suplementação. Se vivemos assim, é porque não há planejamento orçamentário para a gente.

Não há como manter a dignidade das instituições dessa forma. Imagina como se sente um gestor que tem compromisso com seu cargo, com sua universidade e com a sociedade, nessa situação, sem ter como manter todos os estudantes de recorte social dentro das suas políticas públicas para que fiquem aqui, em um ambiente bom, com boa alimentação e uma boa biblioteca? Por isso, chegou-se a essa situação de greves nas universidades federais em todo Brasil. Não é só a questão salarial, é também por melhores condições de trabalho, por uma reestruturação de carreira no caso dos técnicos administrativos, por mais orçamentos para as universidades. Essa falta de olhar responsável pela educação independe de governo seja de direita, de centro, de esquerda. A postura é a mesma, a educação fica sempre à margem.

Em relação à evasão dos estudantes, quantos alunos a Rural perdeu?

A nossa evasão está dentro da média nacional, em torno de 25%. Mas temos históricos de universidades em que a evasão chega a 35%. Comparando o sistema público de ensino com o sistema privado, no privado é acima de 50%. Mas a gente ainda perde estudantes porque eles não têm condições de se manterem na universidade. Cerca de 80% dos nossos estudantes são de recorte social e essas pessoas precisam ser atendidas por alguma política. Mas não conseguimos atender essa comunidade.

E estou falando dos estudantes de pós-graduação também que, mesmo recebendo bolsas de mestrado ou doutorado, o valor não é suficiente para viver bem porque muitos vêm do Sertão, por exemplo, e não têm rede de apoio. Então, uma bolsa de R$ 2 mil para mestrado e R$ 3 mil para doutorado não é suficiente porque eles precisam pagar moradia, alimentação, transporte. E ainda há os que passam na seleção de mestrado e doutorado, mas não conseguem bolsa, porque não há bolsa para todos. Então, perdemos essas pessoas que poderiam estar aqui, mas não têm condições de se manter.

Que tipo de suporte os estudantes precisam para evitar a evasão?

Precisam que as políticas públicas que criamos sejam implantadas na totalidade. Temos estudantes aqui, por exemplo, que moram longe, mas se nós não tivéssemos criado um aporte financeiro de auxílio-transporte, teríamos perdido muitos alunos porque, como são da Região Metropolitana, não têm direito à Casa do Estudante porque ela é para os que estão fora da RMR.

Também criamos um auxílio-alimentação. Então, a gente cria essas políticas para não perder mais alunos. Além disso, eles precisam de apoio psicológico, a maioria não tem plano de saúde. Por isso, temos um departamento de qualidade de vida com médico e psicólogo. Nas nossas gestões, investimos muito nesse departamento porque as pessoas estão cada vez mais adoecidas. A universidade é uma cidade que tem que dar conta de educação, saúde, transporte, alimentação, saneamento.

Nos últimos anos, a imprensa destacou a abertura de campus no interior como marcos importantes, mas que não tinham estrutura para funcionar. Como está a interiorização da UFRPE?

Temos os campi de Garanhuns e Serra Talhada que estão consolidados mas com necessidades de abrir novos cursos de graduação e pós-graduação. Para isso, precisam de expansão. Os dois mais novos campi da UFRPE no interior são em Belo Jardim e no Cabo de Santo Agostinho. A unidade do Cabo está 59% construída. É um projeto inovador, autossustentável, um centro de desenvolvimento de ponta na área das engenharias.

Mas tivemos um problema na licitação porque só uma empresa concorreu, por estar dentro das condições e foi contratada. Mas, em 2019, declarou falência. Eu estava no final da gestão e ainda tinha R$ 80 milhões para investir, era justamente quando iríamos terminar a obra. Fizemos todo o possível mas, na época, em caso de falência judicial, a lei não permitia que investíssemos o restante do orçamento previsto em outra licitação. Lutei muito, mas a universidade precisou devolver o dinheiro. Hoje temos uma lei, inspirada na nossa luta, que permite utilizar esses investimentos de um ano para outro e, se a empresa der problema, podemos licitar com esse mesmo lançamento de investimento.

Então, apesar de estarmos muito bem instalados no Cabo de Santo Agostinho, em um prédio cujo aluguel de R$ 300 mil sai dos cofres do governo, ainda há esses entraves na obra. Mas estamos funcionando direitinho, é uma estrutura muito bem equipada, os melhores laboratórios de engenharias do Nordeste estão lá.

Em 2017, houve a proposta do Governo Federal de criar um campus das engenharias em Belo Jardim. Esse me preocupa muito porque a estrutura não é boa. Usamos as estruturas da autarquia do município com quem temos uma boa parceria. Lá os meninos não têm restaurante. Mas temos já uma área para construir e um projeto pronto, falta o orçamento.

Além disso, a UFRPE não é só graduação e pós-graduação, temos o Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas (CODAI), em Tiúma, São Lourenço da Mata, onde assumimos do ensino médio integrado ao técnico. E vai ser também uma luta porque o prédio, que já era antigo e com muitos problemas estruturais, hoje não tem condição de ser habitado, então trouxemos as turmas para cá e passamos a dividir o ensino superior com os meninos do ensino médio. Além dessas cidades que mencionei, a UFRPE também está em Carpina, Ibimirim, Parnamirim, Itamaracá e isso tudo é estrutura, a gente não mantém se não tiver orçamento.

O campus de Serra Talhada é um dos espaços estratégicos para a Universidade Rural, onde há a proposta de um Instituto de Pesquisa de Biotecnologia ligado à Caatinga. Diante desse quadro tão difícil, há perspectiva dessa proposta ser implantada?

A gente vai brigar por isso. Vemos claramente a mudança que proporcionamos com nossa chegada no Sertão do Pajeú. A Rural tem esse compromisso com toda aquela região e lá é exatamente um centro de desenvolvimento do semiárido. É preciso trabalhar a questão da mitigação para os efeitos da seca, tornar aquele solo produtivo. Temos expertise para isso. Já estamos com alguns experimentos. Na Caatinga há espécies que são resistentes às mudanças climáticas e precisamos ter esse banco genético catalogado.

Vamos fazer dessa iniciativa uma frente de luta, procurar as parcerias necessárias. Já estamos nos organizando para levar o catálogo com as ações, objetivos e o que precisa na região para começar a correr com isso. O semiárido brasileiro pede socorro. É uma região que tem muito a oferecer à sociedade em termos culturais, biodiversidade e resistência climática, por isso precisamos desenvolver o potencial dessa região para melhoria de vida das pessoas.

Como a senhora acha que pode haver uma maior conexão entre a universidade e o mercado?

Durante muitos anos, as universidades ficaram presas dentro das suas próprias paredes, mas já conseguimos dar um grande salto de expansão e interação com o mercado, por meio de startups e parcerias com empresas públicas e privadas. E é isso que tem que acontecer mesmo. A universidade tem que se abrir para as demandas do mercado.

Desde a gestão anterior, já há pautas na UFRPE envolvendo a questão das parcerias, da inovação, do empreendedorismo, inclusive fomos premiados pelo MEC como a primeira universidade no Brasil a criar a disciplina de empreendedorismo para todas as formações. A ideia hoje da gestão é intensificar cada vez mais essa parceria público-privada, para poder atender o que está se pedindo lá fora.

Durante a pandemia, a educação remota cresceu e, entre as instituições privadas de ensino superior, a oferta aumentou. Como está o EAD atualmente na UFRPE?

Educação a distância é diferente de educação remota. Educação a distância tem uma legislação rígida, precisa ser apropriada e liberada pelo MEC. Graças a Deus, o Ministério da Educação começou a normatizar essa questão nas instituições privadas, elas não podem ter mais de 50% de aulas remotas porque precisam seguir a legislação para educação a distância. Na UFRPE, temos a educação a distância pois estamos dentro do Universidade Aberta do Brasil que é um programa da Capes para institutos e universidades públicos. A gente faz a educação a distância de qualidade, inclusive com encontros presenciais nos polos.

Mas o que acontece no Brasil é que muitos cursos que dizem ser ensino a distância não passam de ensino remoto. Durante dois anos fui presidente da Comissão Nacional de Educação do Conselho Federal de Medicina Veterinária que recebe os projetos pedagógicos de todas as instituições que querem ofertar cursos nessa área. Analisamos 85 projetos pedagógicos, todos, sem exceção, foram reprovados porque não atendiam o mínimo, esses projetos vinham ofertando em média 8.850 vagas de medicina veterinária à distância.

Na educação, a mulher tem historicamente um espaço relevante mas, em relação à pesquisa científica, falta um reconhecimento desse espaço feminino?

Estamos passando por uma mudança no mundo e no Brasil. Hoje, apesar de ainda não haver um número muito expressivo, temos a presença da mulher bem notada nos espaços de pesquisa e de decisão. Evidentemente, ainda não temos uma equidade, e precisamos lutar por isso, mas há programas como Futuras Cientistas, Mulheres na Ciência, que são oportunidades para que elas percorram esses caminhos. Além disso, a mulher precisa brigar mais pelos espaços de decisão.

No Brasil, a questão da mulher na política ainda fica muito aquém. Somos em maior número nas urnas mas temos uma representatividade quase nula no Poder Legislativo. A gente quase não aparece, estamos em 17%, mas não faz diferença, prevalecem sempre as propostas dos homens porque eles são maioria. Na academia, já há mais mulheres que homens se formando. Mas os espaços nas academias, nos institutos de pesquisa, são realmente ocupados por mulheres na sua maioria? Não.

Na UFRPE, temos um marco histórico: depois de 100 anos da criação da nossa universidade, fui a primeira mulher a assumir a reitoria. Na primeira eleição, lembro bem da rejeição dos homens à minha candidatura. Disputei com três chapas masculinas. Tenho uma história dentro da universidade, serviços prestados em outros cargos de gestão e eles sabiam disso, ainda assim, eu ouvia comentários como: “A gente sabe que ela trabalha muito, mas é difícil, estamos acostumados com reitor homem”.

Então, quebramos esse paradigma e fizemos uma gestão praticamente feminina, quase 90% das minhas assessorias eram femininas. Concluímos o primeiro mandato com êxito e reconhecimento não só dentro do campus, mas fora dele, em todos os órgãos, no MEC, e fui para o segundo mandato. Após quatro anos, volto como a primeira mulher no Brasil a assumir pela terceira vez um mandato de reitora de uma universidade federal e isso serve de estímulo para outras mulheres.

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