"A UPE Já Nasceu Interiorizada", Entrevista Com A Reitora Socorro Cavalcanti - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
“A UPE já nasceu interiorizada”, entrevista com a reitora Socorro Cavalcanti

Revista Algomais

A Universidade de Pernambuco completa 60 anos e a sua reitora aborda a trajetória dessa instituição de ensino superior que apresenta a maior capilaridade do Estado. Ela também ressalta a robustez do complexo de saúde para formação de alunos e o atendimento gratuito da população, e fala dos desafios e dos projetos futuros.

A Universidade de Pernambuco chega aos 60 anos de fundação como a instituição de ensino superior com mais capilaridade do Estado. Uma característica que vem desde a sua origem, quando faculdades do Recife, de Nazaré da Mata, de Petrolina e Garanhuns se uniram para formar a Fesp (Fundação de Ensino Superior de Pernambuco) que depois se converteu na UPE.

Nessas seis décadas de atuação no ensino, pesquisa e extensão, a UPE se destaca também por ter construído um complexo de saúde robusto, composto pelo Cisam (Centro Universitário Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, com tradição no tratamento das doenças infecto-parasitárias (foi o primeiro no Estado a receber um paciente com Covid) e de câncer, e o Procape (Pronto Socorro Cardiológico), o único hospital do Norte e Nordeste específico para tratar doenças do coração (só existem dois no Brasil). Atualmente, a universidade conta com mais de 1.200 docentes, mais de 4.700 servidores e mais de 20 mil estudantes, distribuídos nos cursos de graduação e de pós-graduação.

Para falar da trajetória e dos planos da instituição, a reitora Maria do Socorro Mendonça Cavalcanti conversou com Cláudia Santos e Rafael Dantas. A professora também abordou os desafios que a UPE – assim como as demais universidades públicas do País – enfrenta, como o orçamento insuficiente e a redução no número de alunos. Problemas que a reitora acredita que serão solucionados e que não vão atrapalhar os projetos da Universidade de Pernambuco para ampliar o número de cursos e de campi no futuro.

A Universidade de Pernambuco (UPE) está completando 60 anos, e a senhora é a primeira reitora empossada. Qual a importância dessa presença feminina na reitoria de uma das instituições de ensino mais relevantes do Estado?

A presença de mulheres em espaços de decisão é essencial para uma sociedade mais justa e igualitária. Esse tema vem crescendo bastante. Com certeza, a presença feminina, nesses espaços, não só garante uma representatividade mais ampla, mas também traz perspectivas e experiências diversas que podem enriquecer as decisões tomadas e promover um desenvolvimento mais equitativo. Hoje, no ensino da graduação na UPE, aproximadamente 53% são ocupados por mulheres, 60% dos cargos de gestão da universidade também são, e 70% da força de trabalho da Universidade de Pernambuco é feminina.

Além da presença feminina, a história da UPE é marcada por outro fator relevante que é a interiorização desde a sua fundação. Fale um pouco dessa trajetória e contextualize em que circunstâncias a universidade foi criada?

A UPE iniciou suas atividades em 1965, como Fesp (Fundação de Ensino Superior de Pernambuco), uma instituição privada criada a partir da união de faculdades isoladas que existiam em Pernambuco: a Faculdade de Ciências Médicas, a Escola Politécnica, a Faculdade de Odontologia, a Faculdade de Administração, entre outras. Em meados de 1969 e 1970, a Faculdade de Formação de Professores de Petrolina, a Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata e a Faculdade de Formação de Professores de Garanhuns agregaram-se à Fesp. Então, costumamos dizer que a UPE já nasceu interiorizada.

Em 1990, a Fesp foi estadualizada e tornou-se Universidade de Pernambuco, no entanto, os alunos ainda pagavam uma mensalidade. A expansão do ensino superior, ou seja, o maior crescimento, deu-se a partir de 2005, quando tivemos o primeiro curso interiorizado, que foi em Caruaru, o curso de Administração e Marketing.

Na época, era Marketing, Moda e Sistema de Administração. Atualmente, temos 66 cursos de graduação. A partir daí, a expansão para o interior foi ocorrendo e foram criados os campi de Serra Talhada, Arcoverde, Mata Sul e, mais recentemente, Ouricuri e Surubim. Em 2009, um decreto deu a gratuidade total à Universidade de Pernambuco e, em 2020, esse decreto transformou-se em lei, garantindo, de fato, que hoje a universidade seja pública e gratuita.

A UPE é a universidade com maior capilaridade no Estado. Qual a importância dessa interiorização dos cursos de ensino superior para o desenvolvimento das pessoas e de Pernambuco?

A UPE é a universidade que está mais distribuída no Estado de Pernambuco, indo do Sertão ao litoral. Atualmente são 17 unidades de educação e 12 campi, dois estão na capital, que é o Campus Santo Amaro e o Campus Benfica, e 10 campi, no interior. Essa interiorização do ensino superior dá às pessoas que não moram no Recife a oportunidade de cursarem uma universidade pública. Muitas delas jamais teriam essa chance de frequentar esses cursos.

Outro aspecto importante, na história da universidade, foi a expansão da pós-graduação, a partir de 2013. Hoje temos 16 programas de doutorado e 28 mestrados, dos quais, 13 estão também em unidades da UPE do interior do Estado, dando oportunidade às pessoas que jamais pensariam em fazer uma pós-graduação, em função das dificuldades de deslocamento ou da necessidade de deixarem suas casas ou seus empregos para estudar na capital.

Assim, além de oportunidades para as pessoas e de proporcionar maior integração entre diferentes áreas do conhecimento, a interiorização também contribui para o desenvolvimento do território. Com a mão de obra mais capacitada, mais qualificada, aumentam também o mercado de consumo. Além disso, a presença da universidade no interior reflete-se em pesquisas voltadas para as particularidades de cada região, como estudos sobre a Caatinga, por exemplo, no Sertão e no Agreste.

Muitos dos programas de pós-graduação que estão no interior trabalham numa visão voltada à realidade, e as teses buscam resolver ou apontar soluções para problemas locais, próprios do território. Outro aspecto importante nesse sentido são nossos programas de extensão que possibilitam o diálogo com a sociedade para que as pessoas da localidade tenham acesso a atividades e serviços oferecidos pela universidade.

Além do ensino e pesquisa, a UPE também se destaca pelas unidades de saúde como o CISAM, o Hospital Oswaldo Cruz e o Procape. Como a universidade vem mantendo essas unidades, que desempenham um papel tanto para a formação de alunos, quanto para a sociedade?

Nessas três unidades hospitalares, salvamos vidas. A função delas é formação e prestação de uma assistência de qualidade. Elas têm especificidades diferentes. O Cisam (Centro Universitário Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), é voltado à saúde das mulheres, principalmente para as que são vítimas de violência e/ou estão em situação de vulnerabilidade. Ele terá um investimento do Governo do Estado para aumentar sua capacidade. Finalizamos, no Cisam, a construção da casa de parto, que será inaugurada em breve.

O Hospital Universitário Oswaldo Cruz trata das doenças infecto-parasitárias, tem um centro para tratamento de câncer para adultos e crianças, realizando radioterapia, e receberá do Ministério da Saúde um acelerador linear que triplica a capacidade de exames de radioterapia. É um grande hospital de clínicas, realiza transplante hepático e, em breve, realizará transplante renal. O Oswaldo Cruz foi um dos primeiros hospitais de referência no tratamento da Covid durante a pandemia.

O Pronto Socorro Cardiológico (Procape) é o único hospital do Norte e Nordeste específico para o tratamento cardiológico. Só há dois no País: o Incor, em São Paulo, e o Procape, da UPE. Ele também está em plena expansão. O Governo do Estado está investindo em um prédio anexo para aumentar em mais 150 leitos de UTI e 88 leitos de enfermaria. Também recebemos a doação de um terreno que vai permitir ampliar a emergência cardiológica, que, de fato, hoje tem um número de leitos insuficiente para atender à demanda da população. Atualmente, temos 19 leitos, trabalhamos com quase 300% da capacidade e, com essa doação, vamos ampliar o número de leitos, prestando uma assistência mais digna às pessoas.

Juntando essas três unidades, o complexo hospitalar da UPE tem atualmente 707 leitos. Realizamos, em 2024, 1.570 consultas e procedimentos ambulatoriais, 36 mil internações hospitalares e 40 mil procedimentos cirúrgicos, entre internações hospitalares e procedimentos ambulatoriais. São números muito expressivos de atendimento à saúde, 100% gratuito, no nosso Estado.

Mesmo com esses investimentos na saúde, as universidades públicas brasileiras vêm enfrentando problemas financeiros. Como a senhora analisa essa realidade. A UPE também tem passado por dificuldades?

Há alguns anos, o ensino público superior vem passando por dificuldades. De 2010 a 2014, cresceu o acesso às universidades públicas, e essa ampliação não veio agregada com financiamento. Isso resulta em dificuldades para as universidades e para os alunos que precisam de apoio para permanecer nelas. Além disso, também é preciso recursos para a manutenção. Expandir é mais fácil do que manter a expansão. Então, expandimos muito, mas o financiamento não acompanhou essa expansão, tanto do ponto de vista de infraestrutura física, como de recursos para fazer com que o estudante que teve acesso a partir das ações afirmativas permaneça na universidade.

A UPE foi pioneira nas cotas. Temos cotas desde 2004, antes mesmo das instituições federais. Em 2014, o ingresso na UPE passou a ser também via Sisu (Sistema de Seleção Unificada) e, na ocasião, dizia-se que as universidades públicas estaduais que tivessem vaga no Sisu teriam um financiamento para os estudantes que entraram pelo sistema de cotas ou ações afirmativas. Na realidade, isso não aconteceu e nos trouxe um grande problema pois passamos por dificuldades relacionadas a essa assistência estudantil. Até hoje, estamos discutindo uma política para a manutenção desses estudantes.

Em 2025, duplicamos o número de verbas para a assistência estudantil. Ainda assim, não é suficiente para que todos os nossos estudantes consigam ter o recurso necessário à sua permanência na universidade. Em relação à manutenção, o orçamento da UPE vem crescendo mas passamos um período de dificuldades. Nosso orçamento está sendo recuperado mas ainda não é suficiente para cobrir todo o déficit que tivemos nesse período. O orçamento da UPE vem do Governo do Estado, já os hospitais universitários recebem recursos do SUS e um pequeno aporte do estadual.

Outro problema que várias universidades enfrentam é a redução do número de alunos. Para além da questão financeira e da evasão, há menor atratividade da juventude por cursos de ensino superior. Vocês observam isso na UPE?

A UPE não está em situação diferente do que vem acontecendo em outras universidades públicas. São vários os fatores que levam o aluno a evadir. Há o fator econômico, há também o estudante que prefere a educação a distância por ser mais cômodo e permitir que ele possa trabalhar durante o dia e fazer o curso dentro da sua disponibilidade. A Universidade de Pernambuco tem duas formas de acesso, uma que é pelo Enem e a outra é o Sistema Seriado de Avaliação, próprio da UPE. Cinquenta por cento das vagas estão no SSA e 50% são do Sisu.

Percebemos que hoje muitos alunos que ingressam não ocupam as vagas. Com essa ampliação do acesso, há estudantes que vêm de vários locais do Brasil estudar na UPE mas, por falta de assistência estudantil robusta, esses alunos aprovados não se matriculam. Perdemos com esse estudante que passa e não se matricula. Na Universidade de Pernambuco, a gente tem a mobilidade acadêmica. Essas vagas que estão disponíveis, ofertamos em dois períodos do ano, no primeiro semestre e no segundo. Primeiro, a mobilidade entre os nossos estudantes, que é o aluno que está insatisfeito num curso e deseja ir para outro. Uma vez terminado esse processo, aquelas vagas remanescentes são abertas para a sociedade. Mesmo assim, alguns cursos ainda ficam com vagas ociosas.

Mas, na realidade, hoje, a gente sente a falta do brilho nos olhos dos estudantes do ensino médio em querer fazer uma universidade. Estamos muito preocupados e vendo que estratégia podemos utilizar para atrair esses estudantes. Algumas universidades, por exemplo, vêm fazendo processos seletivos com pessoas de mais idade. Há vários fatores que podem influenciar a chegada e permanência de alunos nos cursos universitários. Às vezes é necessário haver formação e ter uma remuneração adequada no mercado.

A senhora falou na questão da educação a distância, e a UPE também trabalha com EaD. Como a senhora avalia essa modalidade de ensino?

A Universidade de Pernambuco trabalha com EaD há muitos anos. O ensino a distância, na UPE, é totalmente financiado pela Universidade Aberta do Brasil. Recebemos financiamento do MEC, via CAPES, e temos hoje 16 polos de educação a distância em todo o Estado. Nossos cursos de EaD têm baixa evasão, principalmente o de pedagogia, cuja evasão é quase zero, e isso é muito importante para formação de professores no interior.

Infelizmente, nem sempre esse ensino a distância, que é ofertado por algumas instituições, tem qualidade e muitos não têm um compromisso, de fato, com a formação qualificada de pessoas. Mas, na Universidade de Pernambuco, essa questão do ensino a distância é sempre muito bem avaliada em todos os municípios onde nós estamos. Atualmente, temos seis cursos a distância, em 16 municípios do Estado de Pernambuco. Esses cursos são monitorados e avaliados constantemente, por meio do diálogo com esses municípios, e isso também faz toda diferença, para além dos investimentos em tecnologia.

Quais as perspectivas da UPE para os próximos 60 anos?

Nossa preocupação, nessa atual gestão, é consolidar os campi que hoje existem. Alguns ainda nem têm sede própria. Estamos lutando para que isso aconteça, sabendo que infraestrutura é fundamental para atrair e manter estudantes na instituição, mas o mais importante é haver professores, servidores que tenham compromisso com a formação. Hoje, nossa preocupação, além de melhorar a infraestrutura, é fazer com que o Estado realize concursos para que possamos ter um número de professores e servidores adequado ao número de estudantes nessas unidades que temos espalhadas por Pernambuco. Claro que também temos projetos para expandir os cursos. Temos campus no interior com apenas um ou dois cursos. Nossa perspectiva é pensar em novas possibilidades, novos cursos, conseguir trabalhar melhor e levar também mais cursos de pós-graduação para o interior de forma mais estratégica.

É interessante destacar que a UPE tem um grande potencial de formar profissionais em serviço, em função dos três hospitais universitários que temos. Hoje temos 72 programas de residências, na área de saúde, 31 residências médicas e as demais uni e multiprofissionais. Então, a UPE é hoje a universidade que mais forma profissional em serviços no Estado de Pernambuco e atualmente abriu novas perspectivas na área de inovação, por meio de cursos de residências tecnológicas em parceria com empresas privadas e órgãos públicos. Com isso, também fazemos formação dentro das empresas qualificando profissionais.

Resumindo, o que pensamos para o futuro é expandir em cursos, expandir em campi de uma forma mais estratégica. A expansão da infraestrutura física, nos nossos hospitais universitários, já vem sendo encaminhada e, dessa maneira, conseguimos aumentar a oferta de serviços de saúde para a população e também reforçar a formação de pessoas em serviços, que é importante para que a Universidade de Pernambuco siga contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do nosso Estado, por meio de ações que impactam em 80% dos municípios pernambucanos.

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