Diretor da FOZ, aponta as tendências trazidas por tecnologias como a blockchain, o 5G e ferramentas como o NFT, que podem tornar a internet menos centralizada em torno de bigtechs como Google e Facebook e com informações mais seguras. Ele também destaca como será a saúde e a educação no futuro.
Philippe Magno possui uma trajetória profissional bem pouco usual. Começou estudando marketing e chegou a atuar na área. Mas, apaixonado por aviação, formou-se em piloto pelo Aeroclube de Pernambuco. Durante o curso conheceu duas pessoas que viraram seus sócios numa startup. “Eu nem sabia o que era. Caí de paraquedas nesse mundo”, recorda. Mas parece que o acaso estava reservando a esse pernambucano, de 32 anos, uma atuação de sucesso na área de inovação. Com os sócios, desenvolveu um equipamento, com reconhecimento internacional, que permite a deficientes físicos controlar tablets, computadores e smartphones com o movimento da cabeça.
Em 2019 conquistou lugar na cobiçada lista da Forbes Under 30, que destaca jovens com futuro promissor em diversos segmentos e em 2020, ele foi eleito pelo MIT como um dos jovens empreendedores mais inovadores da América Latina. Recentemente recebeu outro prêmio, desta vez da consultoria espanhola Llorente & Cuenca. Depois de atuar como gestor de marketing e empresário, Philippe mudou mais uma vez e hoje é diretor da FOZ, o centro de inovação criado pela FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde) e o Imip. Nesta conversa com Cláudia Santos, ele vislumbra as mudanças provocadas pela WEB 3, que podem atingir as fake news e o poder das bigtechs, num cenário em que ganham destaque a blockchain e NFTs. Se você não sabe o que são essas novidades, não se preocupe: ele explica tudo didaticamente. Phillipe também fala da disrupção nas áreas de saúde e educação e alerta para uma possível recessão mundial.
Como a pandemia impactou a inovação?
Quando falamos de inovação, falamos de alguns fatores. Quando analisamos as revoluções industriais, entendemos que o modelo de revolução é de uma mudança brusca de direção. O mundo, ou determinado modelo de negócio, ou de consumo, ou comportamental, cultural, ou econômico muda de direção. Isso é gerado por um motivo e acelerado por uma mola propulsora. O delta dessa equação é uma aceleração da transformação. Nas duas últimas revoluções industriais as causas que motivaram aquele movimento foram a busca por uma produção em escala, a transformação das ferramentas manuais para as máquinas, do processo artesanal para o processo industrial.
A pandemia trouxe a necessidade de uma aceleração na adoção dos serviços e tecnologias digitais. As grandes empresas já estavam nesse processo de transformação digital, as médias estavam em dois estágios: observando os movimentos do mercado para onde ia para começar a agir ou já estavam agindo de acordo com o movimento do seu setor. As pequenas empresas estavam naquele processo de “isso é algo muito distante da minha realidade, quando acontecer, dou um jeito de me adaptar”. Do dia para a noite, literalmente, pequenas, micro, e até empresas individuais se viram na necessidade de girarem a chave do seu negócio. O principal aprendizado da pandemia em relação à inovação é que você não precisa ser um especialista, mas deve entender para onde o mercado está seguindo.
Outro ponto é que a disrupção pode acontecer muito rápido, e o terceiro ponto é entender que essas transformações geram outros tipos de transformações. Por exemplo: a forma como o seu consumidor vai se vai se comunicar com você vai ser diferente, assim como a maneira como que ele vai consumir e se relacionar com o dinheiro e com a sua empresa. Hoje, se você oferece apenas cartão de crédito e PIX no seu negócio, você está atrasado. O cliente já possui diversas ferramentas de pagamento online como picpay, pagseguro, entre outras.
Quais seriam as próximas molas propulsoras?
O mundo tende a sofrer uma grande recessão e, talvez, com a WEB 3, as criptomoedas e NFTs, a forma como nos relacionamos com o dinheiro tende a sofrer uma transformação.
O que é a WEB 3?
Para compreendê-la, precisamos falar da WEB 1 e 2. A internet foi criada por Tim Berners-Lee, que queria que ela fosse gratuita, descentralizada, sem dono, neutra, que crescesse a partir de uma construção compartilhada. A WEB 1, que vai de 1991 a 2005 mais ou menos, era limitada, permitia a conexão apenas entre algumas instituições, alguns computadores. A partir de 2005 surgiram os hipertextos. Mas era uma internet sem muito recurso, funcionava basicamente como um repositório da informação do mundo offline para o mundo online, a informação do offline era transposta para o online e permitia apenas a sua consulta. Isso era feito por poucas pessoas, por desenvolvedores.
Nesse período surgiram os grandes portais Google, Yahoo, MSN e a comunicação era direta, unidirecional, bem diferente da WEB 2, que é do período de 2005 a 2021. A principal mudança foi a possibilidade de interagirmos de forma ativa e participativa com os conteúdos: editar, comentar, compartilhar. Surgiram as redes sociais e conseguimos, como usuários, sair do papel de consumidores para sermos produtores de conteúdo. Mas, muitas empresas passaram a usar a retenção de dados de utilização de navegação, de consumo etc para fins próprios, praticamente, sem nossa autorização. Começou a ter um movimento contrário ao que Tim Berners-Lee idealizou.
A internet passou a ser cada vez mais centralizada em torno de gigantes como Facebook e Google e, apesar de continuar gratuita, ela tem um preço muito caro que são nossos dados. O crescimento da WEB 2 foi impulsionado pelos smartphones, a partir de 2007, o que ampliou drasticamente o acesso à rede. Simultaneamente, aumentou também o tempo de pessoas usando a WEB. Consequentemente, também elevou a geração de dados.
A tendência da WEB 3 é resgatar um pouco do que era lá no início. Ela passa a ser um pouco mais regulada nessa questão de consumo de dados, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) vem ajudando nisso, assim como as leis internacionais. A WEB 3 traz mudanças de mindset, ao descentralizar a internet da mão desses gigantes e entregá-la para as pessoas.
Duas coisas estão relacionadas a WEB 3, uma delas é a chegada do 5G que tende a acelerar muito o poder de conexão das pessoas e o consumo online e causar uma digitalização muito maior, não só de pessoas e empresas, mas principalmente de coisas. Estima-se que vai poder conectar cerca de 1 milhão de dispositivos digitais por quilômetro quadrado. Ou seja, as coisas vão passar a ser conectadas: a cafeteira vai ser mais conectada com o smartphone, a tv, a luz, mas isso de uma forma muito mais barata, mais digital, acessível e mais amigável.
Outro ponto relacionado à WEB 3 é que sua base vem lastreada pelo blockchain e pelo NFT.
O que é são blockchain e NFT?
Blockchain é uma rede estruturada que traz mais segurança para diversos tipos de operação. Por exemplo, visitei uma startup que presta serviço para um grande produtor de chocolate no Brasil. Essa indústria compra os chocolates de pequenos produtores no Sul da Bahia. Eles pegam amostras do cacau, que são registradas em blockchain, com a segurança de que não serão violadas, garantindo que será escolhido o melhor cacau para produzir o chocolate.
A blockchain vai possibilitar a descentralização da internet, o armazenamento de informação vai estar mais distribuído e será muito mais difícil invadir ou roubar esses dados. Imagine que a gente tem R$ 1 mil. O que é mais seguro: guardar esse dinheiro na gaveta da minha casa ou criar uma espécie de rede de seguranças onde vai ter mil seguranças e cada uma vai ter R$ 1? Eu distribuo essas informações, esses dados, e eles não ficam num lugar único, ou seja, se eu quebrar essa informação, acaba sendo muito mais seguro. Essa estrutura de registro digital está facilitando muita coisa, principalmente as criptomoedas.
E aí entram também os NFTs. Para entender o que são, é preciso entender o conceito de token: são códigos que funcionam como registros e precisam ser validados na blockchain e efetivados a cada transação. NFTs são ativos digitais que podem ser programáveis e ficam protegidos dentro do sistema onde a blockchain funciona. A Nike, por exemplo, tem registrado seus tênis de linhas mais premium em NFT’s, garantindo assim, a autenticidade da peça para o seu dono.
Um texto, um artigo pode ser registrado via NFT para garantir a autenticidade e autoridade, pois nesse modelo você retém os direitos determinados por meio de Smart Contracts. Enquanto no formato convencional, utilizando a internet, nós ao publicarmos um post, concordamos com termos de uso daquela determinada plataforma que muitas vezes transfere parte da autoridade para a rede. Ou seja, abrimos mão daquele material, ou parte dele, quando publicamos de forma pública.
Isso pode afetar as fake news?
Sim, a WEB 3 pode cercear as fake news. O que acontece quando o NFT se populariza? Começa a haver mais segurança de informação, principalmente no que diz respeito ao registro dela, ou seja, da sua autenticidade. Se produzo um conteúdo e o registro no NFT, tenho a possibilidade de vender isso ou não, mas principalmente, atesto que esse conteúdo é sério, é certificado. Vimos muita desinformação na pandemia sobre remédios, tratamentos, e ficávamos perdidos. Imagine se acontecesse outra pandemia e a Fiocruz lançasse um material sobre determinado medicamento, registrando-o no NFT. Para nós, seria muito mais seguro, porque haveria uma certificação de ser um conteúdo sério, qualificado, que não foi qualquer pessoa ali da esquina que criou uma informação e jogou na internet.
Leia a entrevista completa na edição 194.2 da Revista Algomais: assine.algomais.com