*Por Beatriz Braga
Visitar o Memorial do Holocausto em Berlim foi uma das experiências mais fortes que vivi. Na entrada do local, dedicado à história do genocídio nazista, nos deparamos com a frase estampada numa parede branca: “aconteceu, então pode acontecer de novo”.
O governo alemão, segundo a minha guia, fez questão de construir o museu em uma das principais vias da capital. “Dessa forma, lembramos todos os dias do que já fomos capazes de fazer”. A ideia não foi criar uma geração de deprimidos pós-guerra, mas uma nação que conhece sua história para que os erros não sejam repetidos.
A Alemanha e o Brasil são extremos quando se trata da relação com o passado. A primeira está cheia de monumentos, memoriais, cemitérios e projetos onde seus anos de livros queimados e massacres são refletidos. Sem contar o sistema de educação do país, que abraça os traumas coletivos para revertê-los em consciência.
Corta para o Brasil, em 2018, quando o Museu Nacional do Rio de Janeiro, com mais de 200 anos de história, sucumbe às chamas. Tragédia essa precedida dos incêndios do Instituto Butantan, do Memorial da América Latina, do Museu da Língua Portuguesa e da Cinemateca Brasileira.
Vivemos em um país sem memória.
“Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?”, comenta csobre o acontecimento. O candidato à frente da corrida eleitoral brasileira vai além. Presta homenagens a Carlos Brilhante Ustra, ícone da repressão no país, e diz que o erro do regime militar teria sido “torturar e não matar”.
E não para por aí. Afirmou que não aceitaria ser atendido por um médico cotista; que prefere um filho morto a um filho gay e que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário porque ela não mereceria.
Nossa democracia é uma jovem adulta. Há apenas 33 anos, o Brasil rompia com a ditadura. Neste 5 de outubro, a Constituição cidadã completa exatas três décadas. O voto feminino, vale dizer, é um idoso, com 86 primaveras.
E cá estamos, seguros demais sobre uma história frágil que está apenas no começo.
Entre os eleitores de Bolsonaro, muitos justificam o voto sob a alegação de que ele não teria como fazer tudo aquilo que diz (ainda que seu plano não seja tão bem definido quanto os seus preconceitos) e afirmam que se não der certo, o povo pede de volta a cadeira do executivo.
Quão arriscado será entregar a nossa ainda galopante democracia nas mãos de um homem que, até agora, não defendeu nenhum valor democrático em sua campanha? O que dirá o “Messias” sobre ela? Que, assim como as mulheres, fruto da “fraquejada dos pais”, a democracia brasileira foi um fraquejo dos militares que tanto admira?
“Aconteceu uma vez, então pode acontecer de novo” deveria vir escrito no título eleitoral do brasileiro, para que seja lembrado do que a duras penas foi conquistado nesse Brasil desmemoriado. O nosso autogolpe será eleger pelas urnas os valores que em 1964 precisaram de armas para chegar ao poder.
O jornalista português Baptista Bastos disse que “um país sem memória, ou que não cultiva a recordação das coisas, está irremediavelmente condenado.” Sem saber de onde viemos, pois, seguiremos condenados a ter medo do que vem pela frente.
No futuro, com o Brasil em chamas, ao pensar nas eleições de 2018, vamos citar o postulante inominável ao Palácio da Alvorada: “já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?”.