“Acreditamos no design como uma ferramenta a serviço da transformação.” - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

“Acreditamos no design como uma ferramenta a serviço da transformação.”

Rafael Dantas

A experiência do Laboratório O Imaginário, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), é um exemplo de sucesso de como a a academia pode intervir de forma respeitosa nas comunidades e ajudá-las a empreender, gerar renda e, ao mesmo tempo, valorizar suas culturas e tradições, empoderando seus integrantes. “Imaginar que a sociedade banca a geração desse conhecimento (acadêmico) e não fazer uso dele é inadmissível”, defende Ana Andrade, arquiteta que coordena o Laboratório com a professora Virgínia Cavalcante.

Só para ficar num exemplo deste trabalho, no quilombo Conceição das Crioulas, a confecção de bonecas inspiradas nas seis mulheres que fundaram a comunidade garante a sustentabilidade de seus integrantes e aumentou a autoestima das artesãs que, hoje, vendem as suas criações até para o museu Masp, em São Paulo. Nesta conversa com Cláudia Santos, Ana Andrade fala das estratégias e dos resultados desses 20 anos de atuação da iniciativa que transformou a vida de vários artesãos.

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Como surgiu a ideia da criação do Laboratório O Imaginário?
Na época (2000), eu era diretora de cultura da UFPE e trabalhava com a pró-reitora Célia Campos, durante o reitorado de Mozart Neves. Nesse momento, tentando fazer as coisas mais eficientes e concisas, criamos o Centro Cultural Benfica. Ele reunia todo o acervo da universidade em termos de arte, arte popular e arte contemporânea. Constatamos que tínhamos um acervo valiosíssimo na área de arte popular. Fui professora do Departamento de Design da UFPE, durante muitos anos, e essa aproximação deu um estalo, confirmado com oportunidades que aconteciam, naquela época, com o Programa Comunidade Solidária, no governo de Fernando Henrique e que teve como figura muito marcante a doutora Ruth Cardoso. Ela fez um fortalecimento da extensão universitária e provocou uma grande aproximação da universidade com programas de inclusão social do Comunidade Solidária.

Havia os programas Artesanato Solidário e o Universidade Solidária. Assim, a pró-reitoria de extensão, juntando as diretorias de Cultura e de Extensão, investiram nesse programa que buscava fazer com que o estudante reconhecesse essas realidades diferentes daquela em que ele estava inserido e pudesse e contribuir. Unimos essas oportunidades e, daí, surgiu o Laboratório, que é um laboratório de design formado por professores do Departamento de Design da UFPE, mas também por outros professores de outros departamentos, bem como estudantes e técnicos, com a ideia de fazer com que o design, de fato, seja um instrumento da sustentabilidade. Acreditamos no design como uma ferramenta que pode estar a serviço da transformação.

Como vocês conseguem introduzir o design, agregando valor ao artesanato, sem ferir a essência e a tradição artesanal?
Há duas questões que precisamos pontuar. A primeira é o respeito ao conhecimento popular. Mesmo sendo da academia, temos que reconhecer o valor do conhecimento popular, das pessoas e de seus saberes. Essa questão de valor e respeito está intrínseca na ação junto a qualquer comunidade, não só a comunidade artesanal.

O outro ponto é que o design tem uma natureza interdisciplinar. Só se consegue fazer design se houver uma boa interlocução com o contexto. Neste sentido, existem as questões relativas à forma, ao material e à maneira de se produzir. E há também as questões relacionadas às suas funções: como e para que se usa determinado objeto, como ele deve ser feito para ser usado melhor e proporcionar mais conforto e segurança e, até mesmo, incluir a questão plástica, se imaginarmos que decoração é também uma função. Existem ainda as questões relativas aos significados que são relacionadas também ao valor nessa interlocução com o mercado e na valorização do contexto. Então, respondendo, eu diria o seguinte: o design, pela sua natureza, tem a capacidade de fazer essa interlocução com o mercado e ela tem que ser feita com base no respeito ao conhecimento e ao valor dessas pessoas com quem se está lidando.

Você poderia contar a experiência d’ O Imaginário na comunidade quilombola Conceição das Crioulas no Sertão?
A experiência em Conceição das Crioulas foi fundamental porque foi por intermédio dela que conseguimos fazer um desenho de um modelo de intervenção. Inicialmente, nós trabalhávamos com o Sebrae para atender grupos de artesãos de diversas localidades, com diversos interesses. O que observamos nesse modelo era que as oficinas que realizávamos para os artesãos não tinham sustentabilidade. Terminada a oficina, não havia continuidade porque conciliávamos interesses, modos de fazer e histórias diversos.

A oportunidade de atuarmos em Conceição das Crioulas, através do programa Universidade Solidária e depois do Artesanato Solidário, permitiu desenharmos um modelo que tinha como foco a comunidade, sua história, seus valores, seus desejos e seus produtos e, a partir desse entendimento, montava-se uma ação que não visava apenas ao produto dos artesãos, mas o produto, a forma de fazer, a história do local, as oportunidades que o local fornecia e as capacitações para inclusão de mais pessoas nesse fazer, a melhoria desse fazer, todas as questões que poderiam valorizar o local a partir de um produto simbólico que foram as bonequinhas de Conceição. Por meio delas, traduziu-se toda a história da comunidade, seu mito fundador das seis negras que compraram as terras ao imperador, começaram a plantar algodão e ergueram o povoado. A junção dessas oportunidades e esses reconhecimentos garantiram o sucesso de um projeto. A gente conseguiu fazer com que ele continuasse acontecendo, independentemente da gente estar presente no local durante todos esses anos.

Elas hoje expõem no Masp, trabalham e o protagonismo da mulher foi fortalecido. Os homens se inseriram para facilitar e aumentar a produção. Enfim, realizamos tudo que achávamos que podia acontecer nessa maneira de fazer. Não é só fazer oficinas específicas, mas investir, inclusive, naquilo que a comunidade queria naquele momento, que era o reconhecimento do seu território nas brigas de terra com os posseiros. Para ajudar, chegamos até a fazer site e um jornal chamado Crioulas. Todas essas ações, inclusive, de comunicação, ajudaram a tornar o projeto, de fato, sustentável com o empoderamento das quilombolas.

Leia a entrevista completa na Edição 180.3 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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