Francisco Cunha e Fábio Menezes analisaram, na Agenda TGI, a carência de tolerância política, de recursos para preparar o mundo para as mudanças climáticas e de planejamento para lidar com as transformações tecnológicas: Também apontaram as soluções para enfrentar esse cenário em 2025. Fotos: Tom Cabral
*Por Rafael Dantas
A falta de tolerância política, a privação de recursos para preparar o mundo para as mudanças climáticas e a ausência de planejamento para lidar com as transformações tecnológicas são apenas alguns dos sintomas da era da escassez que vivemos. Há muitas outras lacunas, destacadas pela Agenda TGI 2025, diante dos imensos desafios do planeta, do Brasil, de Pernambuco e do Recife. O evento, realizado pela TGI e pela Revista Algomais, com patrocínio do Banco do Nordeste do Brasil e do Governo Federal, trouxe uma análise do cenário crítico atual e fez projeções para 2025.
A agenda ambiental, antes relegada aos especialistas do assunto, tornou-se uma peça central para compreender essa era da escassez. Ao extrapolar os limites planetários, a humanidade tem enfrentado problemas como a redução dos recursos hídricos, a extinção de espécies e a devastação de ecossistemas que resultam em tragédias com frequência cada vez maior. Calamidades muitas vezes provocadas pelo homem, mas diretamente relacionadas às mudanças climáticas.
A tensão entre o desenvolvimentismo econômico e a pauta da sustentabilidade, diante de catástrofes como a vivida pelo Rio Grande do Sul neste ano, impõe uma reversão histórica de prioridades na agenda política. Essa percepção atravessou diversas considerações dos consultores e sócios da TGI Consultoria, Francisco Cunha e Fábio Menezes, que conduziram as palestras do encontro, o maior evento empresarial de final de ano no Estado.
Em Pernambuco, a falta de recursos hídricos e o aumento das temperaturas são sintomas preocupantes para o interior do Estado, que já têm 90% do seu território dentro da região semiárida. Enquanto isso, a capital sofre pelo inverso, a elevação do nível do mar e os episódios extremos de chuvas são ameaças à cidade que anos atrás já foi apontada como a 16ª mais vulnerável ao fenômeno do aquecimento global.
Essa realidade impôs ao planeta a valorização dos “créditos de carbono”. A partir deles, projetos que diminuem as emissões de gases de efeito estufa ou captam CO2 da atmosfera, geram bilhões de dólares por ano. “Queimar florestas é queimar dinheiro. Na visão clássica antiga, o ser humano tirava um recurso da natureza que não tinha nenhum valor. A partir disso transformava e se estabelecia um valor. Agora, não dá mais para ser assim, o valor vai ser estabelecido a partir do que a natureza nos fornece. Ela nos dá dinheiro, dá crédito de carbono. Isso pode se transformar em margem de lucro”, afirmou Fábio Menezes.
As resistências para não reconhecer essa mudança de perspectiva sobre a preservação ambiental é um dos grandes desafios contemporâneos. Francisco Cunha elencou fatores como o negacionismo climático (que minimiza o impacto da ação humana e dos combustíveis fósseis na crise), a postergação das metas e mesmo o discurso de que já é tarde demais para fazer algo (o doomismo) dificultam a transição do desenvolvimento global para a adoção de modelos mais sustentáveis. Uma pauta de grande peso para Pernambuco e para o Recife, devido às extremas vulnerabilidades ambientais que enfrentam.
FALTA DINHEIRO PARA O GOVERNO E PARA AS FAMÍLIAS
A mudança da matriz energética e a preparação das cidades para se tornarem mais resilientes são duas metas que por si já demandam muitos recursos. Além disso, há desafios infraestruturais e sociais históricos, como a desigualdade, que não foram ainda superados pelo Brasil e também exigem vultosos recursos financeiros.
“Uma escassez que enfrentamos está relacionada à crise fiscal estrutural que o País vive. Falta dinheiro. Somos um País que tem carências enormes e obrigações sociais muito explícitas, sobra muito pouco dinheiro para fazer investimento para infraestrutura e serviços de modo geral. Por causa dessa fragilidade fiscal, os juros tendem a ser altos, o que ‘come’ parte do dinheiro disponível”, afirmou Francisco Cunha. “O mercado está sempre pressionando para que o Governo sinalize que a dívida pública não vá explodir, pois há um grande receio de que o País não pague suas obrigações”.
Esse cenário foi duramente agravado com a pandemia da Covid-19. O enfrentamento à crise sanitária fragilizou ainda mais as contas públicas e acentuou os problemas de ordem social. A queda de renda das famílias durante os últimos anos foi apontado como um dos fatores que levam a uma percepção negativa da economia, mesmo os macroindicadores estando acima das expectativas do mercado.
Apesar de o Brasil ter um crescimento do PIB (produto interno bruto) acima do que era esperado por três anos seguidos, ter conseguido controlar a inflação e atingir recordes de redução do desemprego, as famílias não são capazes de perceber esse cenário nas suas vidas cotidianas. Essa realidade é muito semelhante à vivida nos Estados Unidos, que elegeu com sobra o ex- -presidente republicano Donald Trump, apesar dos indicadores positivos da gestão dos Democratas nos últimos quatro anos.
A célebre frase It's the economy, stupid (É a economia, idiota) criada em 1992 por James Carville, estrategista da campanha do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, passou a não responder de maneira completa a direção do voto eleitoral. Durante o evento, Fábio Menezes mencionou que apesar dos avanços econômicos atuais, o déficit deixado pela crise durante a pandemia ainda pesa duramente na realidade das famílias.
Em outras palavras, a queda da massa salarial durante a pandemia, seja pelo desemprego ou pela inflação, não teria sido recuperada pelos trabalhadores. Uma realidade que gera até hoje uma insuficiência do poder de consumo, que excluiu da classe média parcelas gigantes da população brasileira e mundial. “
A impressão é que o controle da inflação chegou muito tarde. A estimativa é que os preços subiram na pandemia em torno de 20% e a renda subiu menos de 4,5% nos Estados Unidos. Significa que as pessoas não estão conseguindo manter o padrão de vida. O que parece é que não se trata da economia dos dados mais formais. O problema está no custo de vida. As pessoas não conseguem mais comer o McDonalds que comiam antes, comprar as casas e carros que compravam antes. Elas empobreceram e não foi só nos Estados Unidos. O inflacionamento dos preços na pandemia impactou muito”, destacou o consultor.
A falta de dinheiro do poder público para investir na infraestrutura e serviços necessários aos anseios da sociedade no Século 20, nessa perspectiva, atinge de forma individualizada milhões de famílias. Frustrações macrossociais e microssociais que criam uma condição perfeita para outros tipos de escassez, como a da tolerância política.
ESCASSEZ POLÍTICA
Os complexos problemas do Século 21 demandam novas soluções que não estão sendo criadas, devido a fatores como a intolerância às diferenças e a polarização exacerbada. Os atos extremos que o Brasil assistiu em 8 de janeiro de 2023 com a invasão da Praça dos Três Poderes parece ser a fotografia dessa escassez. Mas, episódios como a recente descoberta pela Polícia Federal dos planos de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, mostram que a destruição do tecido político do País foi mais ampla do que as brigas de família por opções eleitorais distintas.
A Agenda TGI expôs que o cenário brasileiro está longe de ser também um caso isolado. A aprovação nas urnas dos mesmos discursos nos Estados Unidos, as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza são outras faces do avanço da intolerância e falta de costuras políticas pelo planeta.
Francisco Cunha em sua palestra mencionou uma frase do intelectual pernambucano Luiz Otavio Cavalcanti que contribui para compreender a lacuna presente no diálogo e no debate político no Brasil e no mundo. “Há uma crise no discurso político da modernidade. Porque há muita informação e pouco conceito, pouca consistência. Há muita internet e pouca reflexão. Há pouco propósito e muito interesse. Há muito ódio e pouca educação”.
Os consultores destacaram que o avanço tecnológico, em especial o tempo dedicado aos “debates” em redes sociais, tem contribuído para a formação de gerações ansiosas, com muita informação, mas com uma escassez de atenção. Em consonância com esse pensamento, o jornalista norte-americano Nicholas Carr destacou no livro O Que a Internet Está Fazendo Com os Nossos Cérebros, A Geração Superficial que “a divisão da atenção exigida pela multimídia estressa ainda mais nossas capacidades cognitivas, diminuindo a nossa aprendizagem e enfraquecendo a nossa compreensão”.
Um dos resultados visíveis dessa dificuldade é a rejeição da população em buscar informações. O percentual de pessoas que evitam consumir notícias cresceu de 29% em 2017 para 39% em 2024 em escala global. No Brasil, esse índice alcança 47%, representando um aumento de 6 pontos percentuais em comparação com o ano passado, quando era de 41%. Os dados são de um estudo do Reuters Institute, realizado em 47 países. As razões para essa repulsa são que a mídia é considerada repetitiva e enfadonha. Os entrevistados também se queixaram da natureza negativa do noticiário, que os leva a sentimentos de impotência e ansiedade.
No pântado nas dificuldades de compreensão dos problemas complexos do mundo e das fake news, irrigado pela influência das redes sociais que impulsionam o alcance das polêmicas, as pontes de diálogo estão sendo ano a ano destruídas. As campanhas eleitorais marcadas por discussões desconexas com a realidade e extremadas ao ponto de haver violência física – como a famosa cadeirada em um debate eleitoral em São Paulo – têm exposto os sintomas dessa escassez.
A imprevisibilidade na gestão de Donald Trump nos Estados Unidos, após uma campanha radicalizada, é um sinal de alerta para a agenda política global. Em um mundo cada vez mais conectado e globalizado, a fragilização das possibilidades de avanço de acordos internacionais dificulta o enfrentamento de problemas centrais que afetam todo o planeta.
“É preciso fazer um esforço disciplinado de prática da empatia e de manter distância dos radicalismos com base num entendimento de que num estado democrático de direito o valor maior é a convivência civilizada de adversários políticos que não precisam, nem devem, ser inimigos. A diversidade é sinônimo de competitividade em empresas, estados e países”, destacou Fábio Menezes.
AUSÊNCIA DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA
O vácuo de uma política nacional de segurança pública tem sido aproveitado pelo crime organizado no Brasil. Embora esse problema em Pernambuco não tenha ainda a mesma gravidade de outros estados da Federação, Francisco Cunha alertou para a necessidade urgente de atenção social e política para essa pauta. “Há uma expansão desmesurada do crime organizado no País em todas esferas, seja na política, seja na administração, no judiciário ou na própria iniciativa privada. Isso se alastra de forma muito intensa. O desenho institucional da segurança pública não dá conta desse enorme desafio, pois enquanto as polícias são estaduais, o crime organizado é nacional ou até internacional. Isso coloca o Brasil em um risco de se transformar em um narcoestado”
A provocação do consultor é que o País invista de forma nacional no Sistema Único de Segurança Pública (Susp) como já faz com o Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto o SUS é uma referência global, mesmo com uma série de fragilidades, o Susp - que foi criado em 2018 - não engatou de forma concreta.
ESCASSEZ DE PLANEJAMENTO
Francisco Cunha voltou a pontuar a necessidade de planejamento. Fazendo uma retrospectiva histórica, ele relembrou a destruição de estruturas fundamentais para a região Nordeste e para Pernambuco, como a Fidem e o Condepe. Especificamente sobre o Estado, o consultor reafirmou que o modelo de desenvolvimento traçado na década de 1950 pelo padre Joseph Lebret foi esgotado. Para vislumbrar novos cenários, o Estado precisa retomar sua capacidade de planejamento, com uma visão construída para além do ciclo de um mandato político.
Dois encaminhamentos nessa pauta estão em andamento. No Estado, o consultor destacou o projeto Pernambuco em Perspectiva - Estratégia de Longo Prazo. A iniciativa, realizada pela Algomais e Rede Gestão, vem provocando uma série de discussões para fomentar as possibilidades desse novo ciclo de desenvolvimento local. “Neste momento, estamos sob a demanda de avançar num amplo debate na sociedade que permita ajudar a formular um outro modelo de desenvolvimento sintonizado com os novos e exigentes desafios da atualidade.”
Diante dos debates técnicos já realizados, o projeto formulou uma visão, que conecta alguns dos eixos estratégicos das discussões: “Em 2037, quando do aniversário de 500 anos do Recife, Pernambuco será um Estado mais próspero e com mais qualidade de vida e justiça social, adequando-se às exigências das mudanças climáticas, mas tirando o máximo proveito disto para a geração de energia limpa e mais barata para o desenvolvimento do Estado”.
A diretriz para gestar um novo modelo de desenvolvimento, segundo a pesquisa, passa por aspectos como uma gestão pública eficaz, a priorização da pauta de ciência, tecnologia e inovação e a formação de um ambiente dinâmico de empreendedorismo. Esses eixos se conectam à agenda da sustentabilidade ambiental e climática, a um processo de transformação da educação para um padrão de alta qualidade e com uma infraestrutura adequada. Atualmente, todos esses pontos estão em vulnerabilidade.
Acerca do Recife, diante do grave risco do avanço do nível do mar, Francisco Cunha vem destacando especialmente o projeto Recife Cidade Parque. “Esse é o mais importante estudo/plano urbanístico da história do Recife”. Outro instrumento também ressaltado em sua apresentação é o Recife 500 anos. No início de 2025, ele afirmou que será lançado o livro Centro do Recife na Rota do Futuro – Plano Estratégico para a área central da capital mais antiga do Brasil, pela Editora Cepe.
A reocupação da habitação do Centro do Recife e o avanço da estrutura de parques, conectadas às principais bacias da cidade serão a concretização no futuro desses planejamentos. Alguns projetos já estão instalados, como o Jardim do Baobá e o Parque das Graças. Mas, além deles, a visão da constituição da capital pernambucana como uma cidade-parque já foi traçada e tem a perspectiva de ser montada ao longo dos próximos anos.
PARA SUPERAR A ESCASSEZ
Diante de desafios tão diversos relacionados a um cenário de intensa escassez, Fábio Menezes sugeriu, na conclusão do evento, um conjunto de competências para o futuro, que já são desejadas no presente. Em um mundo cada vez mais marcado pelo avanço da inteligência artificial e das novas tecnologias, o consultor ressaltou a importância da criatividade, da reaprendizagem e adaptabilidade, da competência de análise e síntese, da força dos relacionamentos (especialmente do diálogo com aqueles com pensamento diferente) e o planejamento (que carece de agilidade, antecipação de cenários e capacidade de resiliência).
As forças contrárias à resolução dos conflitos globais e da busca por soluções coletivas cresceram, conforme a apresentação de toda a análise. Porém, frente aos efeitos dos extremismos de todas as vertentes – sejam naturais ou políticos – não é permitido perder a esperança. É no ambiente de escassez que serão encontradas as sementes de travessia dos novos desafios que se impõem no Século 21 – sem esquecer daqueles que ainda não foram superados no século passado.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)