No Teatro RioMar, consultores Francisco Cunha e Fábio Menezes analisam o cenário contemporâneo marcado pela conexão fragmentada, pela disputa hegemônica entre China e EUA e pelos impactos da inteligência artificial e das mudanças climáticas
A 27ª edição da Agenda TGI | Painel 2026, realizada na noite de 25 de novembro no Teatro RioMar, reuniu clientes, parceiros e convidados para uma leitura panorâmica dos cenários que devem marcar 2026 no mundo, no Brasil, em Pernambuco e no Recife. Organizado pela TGI Consultoria e pela Revista Algomais, com patrocínio do Banco do Nordeste do Brasil e do Governo do Brasil, o encontro trouxe o tema central: o “novo mundo híbrido”, conceito que sintetiza a convivência simultânea de antagonismos que moldam política, economia, tecnologia e relações sociais.
O novo mundo híbrido e a conexão fragmentada
Na abertura, Francisco Cunha apresentou a metáfora do guarda-chuva, que é simultaneamente guarda-chuva e guarda-sol, para explicar como fenômenos opostos passaram a coexistir de forma permanente. Da confusão entre real e virtual ao choque entre inteligência natural e artificial, passando pela convivência entre guerras convencionais e conflitos tecnológicos, o consultor destacou que a realidade contemporânea é marcada pela sobreposição de extremos que exigem novas capacidades de adaptação individual e organizacional.
Cunha chamou atenção para a contradição central desse tempo: a hiperconexão virtual, acompanhada de uma profunda desconexão humana. Ele apresentou dados sobre o crescimento do uso de dispositivos móveis e o acesso à internet, contrapondo-os ao aumento da solidão, reconhecida pela OMS como um problema global de saúde pública. “Todos nós estamos ao mesmo tempo conectados e ao mesmo tempo com uma baixíssima conexão no mundo real”, afirmou. A partir desse diagnóstico, discutiu a lógica da economia da atenção, marcada pelo imperativo do engajamento e pela disputa por visibilidade, estruturada nos mecanismos de “lacre, like e lucro”.
Geopolítica, hegemonias e o avanço da China
O consultor Fábio Menezes concentrou-se na leitura geopolítica de um cenário em transformação acelerada. Ele relembrou a previsão do analista George Friedman sobre o “século americano”, contestando sua atualidade diante da ascensão asiática. Países como China e Índia ampliaram expressivamente sua participação econômica e tecnológica, alterando as bases da hegemonia global. Fábio citou o contraste entre o PIB americano, de cerca de 30 trilhões de dólares, e o crescimento vertiginoso chinês, cuja curva ameaça antecipar uma virada histórica.

Ao abordar a instabilidade política dos Estados Unidos, Menezes destacou o impacto da chamada “era Trump”, marcada pela ruptura com organismos multilaterais e pela defesa do Projeto 2025, elaborado pela Heritage Foundation. O material, segundo ele, propõe “um plano abrangente de concentração de poder” e coloca a China como principal ameaça aos interesses americanos. A disputa sino-americana também se reflete no comércio internacional, nas cadeias produtivas e no domínio tecnológico, incluindo IA, 5G e terras raras.
Desglobalização, tecnologia e os impactos da IA
Fábio Menezes aprofundou ainda a discussão sobre desglobalização, fenômeno que ganhou força após a crise de 2008, a pandemia e a guerra na Ucrânia. Ele ressaltou que a retração do comércio internacional não é apenas consequência de crises, mas também resultado de mudanças estratégicas nos interesses das potências. Países que antes incentivaram cadeias globalizadas passaram a defender relocalizações produtivas diante da perda de competitividade.
“A globalização deixou de ser tão interessante para os Estados Unidos e aí [começa] essa discussão toda de desglobalização.”
No campo tecnológico, o consultor destacou o avanço da inteligência artificial, seus potenciais e seus riscos. A dependência crescente de sistemas automatizados, a proliferação de desinformação e o impacto da automação sobre o mercado de trabalho foram apresentados como desafios críticos. A expansão dos data centers, que demanda trilhões de dólares e exige enormes quantidades de energia, foi citada como exemplo das contradições estruturais desse modelo.
Mudanças climáticas e impasses da governança global
A agenda climática foi outro eixo central da palestra. Menezes apresentou dados sobre o aumento de dias de calor extremo no Brasil e no mundo, destacando que, entre maio de 2023 e maio de 2024, o país registrou 57 dias de temperaturas anormalmente elevadas — 47 deles diretamente atribuíveis às mudanças climáticas. Ele avaliou os resultados recentes da COP, marcados por avanços lentos, disputas entre países industrializados e emergentes e impasses financeiros que afetam especialmente nações insulares. Ao citar Henry Berry, reforçou que “a natureza não é uma herança dos nossos antepassados, mas um empréstimo dos nossos descendentes”.
“As mudanças climáticas, nós todos temos sentido isso no dia a dia na cidade, o calor extremo aumentou em 195 países por conta das mudanças climáticas", afirmou Fábio Menezes
O Brasil no cenário global fragmentado
Francisco Cunha apresentou um diagnóstico amplo sobre a posição do Brasil diante das transformações globais. Segundo ele, o país vive simultaneamente “menos dinheiro, mais eventos extremos e menos emprego”, resultado da convergência entre mudanças climáticas aceleradas, automação tecnológica e uma crise fiscal que há anos limita a capacidade de investimento do Estado. O consultor destacou que fenômenos climáticos antes raros, como tornados e tempestades severas no Sul e Sudeste, tendem a se tornar mais frequentes, pressionando ainda mais a infraestrutura urbana e os sistemas de proteção social.
Outra temática que preocupa o Brasil é sobre o impacto profundo da transição demográfica. “Estamos envelhecendo antes de enriquecer”, afirmou, lembrando que o Brasil perdeu sua janela demográfica sem ter consolidado níveis adequados de produtividade, renda e cobertura de serviços essenciais. Para ele, esse processo ocorre em paralelo ao crescimento da intolerância política e ao agravamento da violência: facções criminosas já dominam áreas inteiras da Amazônia e grandes centros urbanos, enquanto o chamado “andar de cima” do crime amplia sua infiltração em estruturas econômicas e financeiras.
Cunha ressaltou que a vulnerabilidade interna do Brasil se agrava quando combinada a um ambiente internacional cada vez mais imprevisível. Ele lembrou que o país foi o mais penalizado na política tarifária da era Trump, usado como “bode expiatório” para enviar recados à China no contexto das disputas geoeconômicas. O episódio, disse, ilustra como o Brasil permanece exposto às oscilações da geopolítica global.
PERNAMBUCO — Um Modelo em Revisão
As transformações recentes em Pernambuco reafirmam a importância dos estudos estruturais conduzidos pela TGI há mais de 30 anos, especialmente no âmbito do projeto Pernambuco em Perspectiva. Segundo Francisco Cunha, esse acúmulo técnico de discussões tem permitido compreender, com profundidade, os limites do modelo de desenvolvimento estadual concebido no século XX, fortemente influenciado pelas ideias do Padre Joseph Lebret. Para ele, o padrão industrial-portuário que marcou a estratégia econômica por décadas “mostra sinais claros de esgotamento” e precisa ser revisado diante das exigências contemporâneas.
Cunha destaca que esse redesenho só será possível com o engajamento simultâneo da sociedade, da academia e do poder público, em uma agenda capaz de reposicionar Pernambuco na transição verde, na economia do conhecimento e na adaptação climática. Ele reforça que o Estado acumula avanços, mas enfrenta gargalos que exigem novas escolhas estratégicas, mais diversificação produtiva e maior capacidade de planejamento territorial.
RECIFE — Planejamento Estruturador para um Novo Ciclo Urbano
Sobre o Recife, Francisco Cunha ressalta que a capital vive um momento singular, marcado pelo avanço de projetos estruturadores para a região central. Entre eles, destaca o plano Centro do Recife na Rota do Futuro e o recém-divulgado Distrito Guararapes, considerado o mais consistente programa de requalificação do centro desde a abertura da Avenida Guararapes. Para ele, essas iniciativas representam um passo decisivo para recuperar vitalidade urbana, atrair novas atividades econômicas e reverter o processo de esvaziamento que marcou o bairro nas últimas décadas. “Indispensável para a recuperação do centro da cidade”, resume.
Esses projetos se articulam ao Plano Recife 500 Anos, que reúne diretrizes de longo prazo e incorpora iniciativas como o Parque Capibaribe e o programa Recife Cidade Parque, desenvolvido pela UFPE em convênio com a Prefeitura. O objetivo é consolidar uma capital mais verde, resiliente e preparada para enfrentar riscos crescentes, como enchentes e aumento do nível do mar. Segundo Cunha, a visão de futuro do Recife precisa partir justamente dessa capacidade de adaptação. Mesmo reconhecendo os desafios, ele afirma manter uma visão otimista sobre o futuro da cidade.

Além das análises econômicas e políticas, o encontro contou com a participação especial da Ária Social, que mais uma vez reuniu na apresentação canto, dança e interpretação da nossa cultura, em uma mistura de clássicos da música nordestina.
A 27ª Agenda TGI | Painel 2026 revelou um cenário complexo, marcado por antagonismos estruturais que moldam o mundo contemporâneo. Ao articular tendências globais, desafios nacionais e agendas regionais, o encontro reforçou a necessidade de novas capacidades de adaptação, seja diante da aceleração tecnológica, das transformações geopolíticas, das emergências climáticas ou das mudanças demográficas. Para Pernambuco e Recife, o recado é claro: planejar com visão de longo prazo, revisar modelos esgotados e investir em inovação, conhecimento e resiliência.
