*Por Dawn Fleming
Falar sobre água é falar sobre sobrevivência. Também é falar sobre poder, desigualdade e quem realmente decide como esse recurso vital chega até a população. E é aí que entra uma pergunta urgente: onde estão as mulheres nas decisões sobre a água?
A verdade é que são as mulheres, principalmente nas periferias, que mais sentem os impactos da falta de água, de higiene e de saneamento. São elas que precisam improvisar soluções quando falta água na torneira, que cuidam dos filhos e parentes doentes por beberem água contaminada, que carregam baldes de um lado pro outro quando o sistema falha. E, muitas vezes, isso não é uma exceção: é o cotidiano de quem vive fora do sistema, permanentemente sem acesso garantido ao básico. Apesar disso, as mulheres continuam sendo invisíveis nas discussões que definem políticas públicas sobre água e saneamento. Isso precisa mudar. E os dados comprovam essa urgência.
O Brasil obteve a classificação mais baixa em equidade de gênero entre 22 países latino-americanos avaliados na inclusão de gênero em políticas hídricas. No Conselho Nacional de Recursos Hídricos, apenas 28% dos membros são mulheres. Além disso, um relatório de 2022 mostra que 74% dos entrevistados no Brasil não possuem evidências adequadas sobre a inclusão de gênero na política hídrica, e 22% afirmaram que ela é inadequada. Ou seja, a falta de escuta às mulheres é estrutural.
Felizmente, iniciativas como o projeto Água Delas, realizado no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, mostram que quando as mulheres entram na conversa, as soluções ficam mais eficientes e conectadas com a realidade. A proposta nasceu da ONG canadense Waterlution, em parceria com o Centro das Mulheres do Cabo, com apoio do Governo Federal do Canadá. O foco é claro: garantir que mulheres da periferia participem da governança da água, produzam conhecimento e influenciem políticas públicas com base em suas vivências.
Mais do que participar de oficinas, essas mulheres estão desenvolvendo ferramentas de diagnóstico, propondo soluções e dialogando com o poder público municipal, estadual e nacional. Elas não estão pedindo favores, estão ocupando espaços, com legitimidade e clareza. E estão mostrando que sabem o que precisa ser feito.
O projeto também reforça o compromisso com a Agenda 2030 da ONU, trabalhando diretamente em direção aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável): o ODS 5 (Igualdade de Gênero), o ODS 6 (Água Limpa e Saneamento) e o ODS 17 (Parcerias e Meios de Implementação). É uma ação concreta que conecta o local ao global, com impacto real na vida das pessoas.
Como afirmou a UN Women / UN Water em 2023: “Projetos de água com participação ativa das mulheres podem ser até sete vezes mais eficazes e sustentáveis.” É simples: quando as mulheres têm voz, toda a comunidade ganha.
É isso que precisamos ver mais: protagonismo feminino como política de estado. Governança da água com participação real das mulheres é um caminho para combater desigualdades, fortalecer comunidades e garantir que ninguém fique para trás. Porque, no fim das contas, quando as mulheres são ouvidas, a água corre melhor para todo mundo.
*Dawn Fleming é responsável pelos programas da Waterlution Brasil e pela inovação nos programas globais da Waterlution.

