Em 30 anos, os poços usados para abastecimento da maioria dos prédios de Boa Viagem devem estar salinizados. Essa é a revelação de um estudo realizado pelo Projeto Coqueiral, tocado por 40 pesquisadores de sete instituições, que apontou o mau uso das águas subterrâneas da capital pernambucana. Num cenário de um prazo mais distante, considerando as mudanças climáticas em curso, essa pesquisa indicou que o nível do mar da orla recifense subirá em 80 centímetros – colocando toda a orla debaixo d´água – e o volume de chuvas na região deve cair em 20%, além de uma elevação da temperatura de até 3°C.
De acordo com o professor Ricardo Hirata, do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas-USP) do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, o Recife é uma das cidades do País com maior concentração de poços artesianos ou tubulares. Seriam em torno de 12 a 14 mil. Como esse cenário é antigo, vários outros estudos já indicavam esse uso excessivo das águas subterrâneas. No entanto, com acesso a novas tecnologias disponíveis, os especialistas fizeram novas descobertas sobre a situação dos aquíferos da cidade.
As novidades nesse panorama se deram pelas dificuldades de abastecimento da cidade. “Devido a uma série de problemas de falta d'água no Recife, no final da década de 90 houve uma explosão de perfuração de novos poços. Milhares. Sobretudo na região mais capitalizada, na área sul. Esse é um território que tem um tipo de geologia em que a camada produtora de água não é muito espessa, que é adequada para atender condomínios e prédios”, explica. Diferente disso, na zona norte, o aquífero é mais profundo.
Aconteceu que o mau uso dos poços terminou por salinizar essas águas muito rapidamente. Isso ocorreu porque a área mais superficial do aquífero foi perdida porque a água do mar começou a entrar nela. Então houve investimentos para buscar água em poços mais profundos, entre 70, 100 ou até 150 metros. Hoje há milhares de poços nessa situação, segundo a pesquisa.
O estudo identificou que esse aquífero mais profundo, apesar da perfuração desordenada, permanece sem contaminação. “Existem várias camadas de argila que tem capacidade de protegê-lo”, diz Hirata. Se essa é uma boa notícia, o alerta fica para o futuro. Não muito distante, por sinal. Se forem mantidas as extrações de água de hoje na linha de costa esses poços serão salinizados e a água ficará salgada em 20 ou 30 anos.
“Milhares de poços foram perfurados sem respeito aos critérios técnicos e sem controle por parte da administração pública. Não me refiro apenas a poços de pouca profundidade nos bairros pobres, mas também a poços tubulares de mais de 100 metros, em condomínios ricos como os dos bairros de Boa Viagem e Pina. Em consequência disso, os aquíferos encontram-se agora seriamente ameaçados, com intrusão de água do mar. Se persistir o ritmo atual de bombeamento, os aquíferos poderão estar irremediavelmente perdidos por volta de 2035”, prosseguiu o pesquisador. Hirata indica que a solução estaria por uma melhor gestão do controle das águas subterrâneas. No entanto, como esse fenômeno aconteceu na ilegalidade, esse gerenciamento por parte do poder público foi dificultado nos últimos anos.
FUTURO. Usando tecnologias mais avançadas para estudar o clima e as águas da Região Metropolitana do Recife, a pequisa realizou algumas projeções para o Grande Recife. “No ano de 2100 o nível do mar subirá em cerca de 80 cm, com isso toda a orla atualmente estaria debaixo d'água. Além disso, irá chover menos, com isso teremos períodos secos mais repetitivos”, apontou Ricardo Hirata.
O estudo é realizado no âmbito de um acordo mantido pela Fundação de Amparo à Pesquisa em São Paulo (Fapesp) com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco (Facepe) e a Agence Nationale de la Recherche (ANR), da França. O Projeto Coqueiral teve início em 2012 e foi realizado por pesquisadores do Brasil e da França, que alia a proteção ambiental ao planejamento de gestão das águas subterrâneas.
Com um investimento de mais de R$ 4 milhões, a análise foi coordenada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade de São Paulo (USP), no Brasil, e pelo Bureau de Recherches Géologiques et Minières (BRGM), na França. A pesquisa contou, também, com a colaboração da CPRM (Serviço Geológico do Brasil), da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e das universidades francesas Lille 3 e Rennes 1, além da parceria privada da Géo-Hyd, empresa de gestão de recursos naturais e sistemas de informação.
(Por Rafael Dantas)