Ansiedade, hiperconectividade e sobrevivência

A ansiedade é o estado de expectativa diante da possibilidade de que algo aconteça. Um animal está tranquilo e de repente um silêncio, um cheiro ou um barulho ocorre e a ansiedade aparece. Ela o prepara para três saídas possíveis: imobilidade (congelamento), luta ou fuga. Se o perigo desaparece porque o animal não foi descoberto ou foi bem-sucedido fugindo e\ou lutando, rapidamente a tranquilidade retorna.

A ansiedade para os animais gregários como homens, cavalos, vacas e cães tem característica contagiosa, um membro do grupo pode tornar um grupo todo ansioso, preparado para lutar ou fugir, e passada a ameaça, o grupo tranquilizado acalma os indivíduos.

O excesso de ansiedade ou a permanência da ansiedade por períodos maiores não é comum na natureza. As exceções são as temporadas de acasalamento, as grandes mudanças ambientais e as situações impostas pelos homens, como o confinamento.
Com o desenvolvimento da linguagem e os avanços cognitivos, os humanos ganharam uma grande autonomia diante do ambiente “aqui e agora”, os pensamentos passaram a colocar o sujeito em relação a eventos que podem retroceder a seu próprio nascimento e exceder a própria expectativa de vida.

A ansiedade passou a ter possibilidades infinitas de acionamento, o que não quer dizer que ela tenha passado a ser aleatória. O que se perdeu foi a possibilidade de detectar rápida e inequivocamente o que está gerando o estado de alerta. Não somente o identificar gatilho, como: falar em público, viajar de avião ou a chegada da noite.

A clínica nos mostra que um mero medo infantil de um zumbi pode ter como cenário interno questões existenciais sobre a inevitabilidade da morte, as incertezas sobre a vida após a morte, bem como a insegurança sobre a própria vida e sobre a vida dos irmãos e pais.

As crises de ansiedade adulta repetem as temáticas infantis e acrescentam a elas questões como as do poema de Drummond: você marcha, José! José, para onde?

Superar as grandes crises de ansiedade exige mitigar os sintomas, aprender a lidar com os gatilhos e enfrentar os autoquestionamentos sobre o modo de ser e estar no mundo. Simplesmente tocar em frente com os sintomas mitigados costuma ser uma tentativa vã.

O mundo contemporâneo trouxe um acréscimo geral de ansiedade com a urbanização, competitividade, trânsito e excitação de todos estímulos. Todavia nos últimos anos os sinais de aumento de ansiedade aumentaram muito e os efeitos passaram a ser também notados nas dificuldades com o sono e o sexo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde cerca de 40% da população brasileira tem dificuldades com o sono. Os dados sobre atividades sexuais são mais difíceis de obter ou estimar, mas alguns sinais advindos da clínica chamam a atenção: jovens de menos de 30 anos que nunca tiveram uma relação sexual sem a ajuda de drogas contra impotência; aumento de número de pessoas que somente obtém prazer sexual por meio de meios virtuais, casais sem sexo por períodos enormes e a reclamação frequente da “falta de tempo” para as relações sexuais.

A principal suspeita pelo aumento de ansiedade recai sobre o uso maciço da tecnologia digital, especialmente da experiência de conexão nas redes sociais virtuais. Os programas em rede têm sido a principal forma escolhida para a comunicação no mundo contemporâneo, trazendo uma abertura fantástica de informações, possibilidades múltiplas de contato e de expressão pessoal.
O muito bom das redes sociais se transforma em ansiedade de uma maneira sutil, passa da possibilidade de mostrar uma boa imagem de si, para o desejo de mostrar a melhor imagem possível e daí para a obrigação de mostrar a imagem ideal de si. Então a ameaça pode surgir de qualquer celulite, de qualquer mecha de cabelo fora de lugar e de qualquer comentário mal-humorado mesmo que seja de um “hater” desconhecido.

A possibilidade de acessar novas informações e análises relevantes sobre elas se transforma na necessidade de acompanhar o que outras pessoas estão comentando e daí para a necessidade de ficar atualizado diante de um universo de novas informações relevantes e irrelevantes. A ameaça de estar “por fora” é atualizada a cada segundo.

Poder mostrar o que está fazendo, compartilhando com os amigos, pode se transformar na necessidade de mostrar o que está fazendo na obrigação de ser lembrado e amado sempre. Qualquer demora nas curtidas podendo ser angustiante e remeter ao medo de ser irrelevante e desaparecer.

Conforme afirma o célebre biólogo chileno Humberto Maturana mudamos escolhendo o que manter em nossa vida. O crescente desconforto com qualquer restrição ao acesso à tecnologia, em especial à comunicação em rede, revela quanto já nos adaptamos a essa forma de viver. Fanáticos pelas telas de todo tamanho teremos que lidar com o desafio do aumento de ansiedade em frentes diversas: cultivando formas pessoais de autocuidado; pesquisando e construindo mecanismos de ação pública de cuidado e, especialmente, tentando proteger as novas gerações de uma exposição tecnológica além do que as próprias crianças e adolescentes consigam suportar emocionalmente.

*Paulo Fernando Pereira de Souza, psicanalista filiado ao Círculo Psicanalítico de Pernambuco, especialista em terapia de casal e família, mestre em psicologia social pela PUC/SP.

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