Psicanalista Marcos Lima explica fatores que intensificam o adoecimento psíquico em um cenário de custos bilionários para a economia
*Por Rafael Dantas
O Brasil enfrenta um crescimento alarmante nos afastamentos por transtornos mentais. Segundo a Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, coordenada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), os registros aumentaram 134% no último biênio, saltando de 201 mil em 2022 para 472 mil em 2024. Os diagnósticos mais comuns estão ligados a estresse (28,6%), ansiedade (27,4%) e episódios depressivos (25,1%).
O psicanalista Marcos Lima observa que esses números não podem ser vistos apenas como estatísticas. “A ansiedade pode ser entendida como expressão de conflitos internos ligados ao desejo de aceitação social e ao medo de rejeição. Quando há sensação de exclusão, a angústia se intensifica, gerando prejuízos emocionais e até físicos”, explica. Ele ressalta que a hiperconectividade digital contribui para o problema, mas não é o único fator. Privação de sono, relações afetivas fragilizadas, pressão social e incertezas sobre o futuro — acentuadas desde a pandemia — também alimentam o cenário de adoecimento.
Entre 2012 e 2024, o Brasil registrou 8,8 milhões de acidentes de trabalho e 32 mil mortes, segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho. Nesse período, 2,6 milhões de benefícios previdenciários foram concedidos em razão de doenças e acidentes, com gasto acumulado de R$ 173 bilhões. Estimativas indicam ainda a perda de mais de meio bilhão de dias de produtividade, o que equivale a um custo de R$ 468 bilhões anuais — cerca de 4% do PIB mundial.

“A ansiedade pode ser entendida como expressão de conflitos internos ligados ao desejo de aceitação social e ao medo de rejeição. Quando há sensação de exclusão, a angústia se intensifica, gerando prejuízos emocionais e até físicos” - Marcos Lima, psicanalista
Marcos Lima explica que, em muitos casos, a ansiedade se manifesta como uma “reação defensiva a ameaças vagas”, distorcendo a percepção da realidade e prejudicando vínculos sociais. Ele lembra que adultos acima de 30 anos frequentemente chegam ao consultório em busca de respostas para angústias ligadas a experiências familiares. “A ausência de afeto, mas também o excesso, pode gerar marcas psíquicas que aumentam a ansiedade”, afirma.
Para lidar com esse quadro, o especialista defende abordagens que unam autocompreensão e técnicas terapêuticas modernas. Ele destaca a terapia metacognitiva, que trabalha crenças sobre os próprios pensamentos, e a “terceira onda” da terapia cognitivo-comportamental, que ajuda na aceitação de experiências internas dolorosas. “Não se trata de eliminar sentimentos difíceis, mas de aprender a conviver comigo mesmo, com as perdas irreparáveis e os contextos sociais adversos”, conclui.
O desafio, segundo a OIT, é transformar esse aprendizado individual em políticas institucionais sólidas. Apenas 46% dos municípios brasileiros possuem programas de saúde mental, e os setores bancário, hospitalar e de comércio varejista concentram a maior parte dos afastamentos. Investir em prevenção e ambientes de trabalho mais saudáveis, defendem especialistas, é não só uma necessidade humana, mas também uma questão econômica urgente.

“Não se trata de eliminar sentimentos difíceis, mas de aprender a conviver comigo mesmo, com as perdas irreparáveis e os contextos sociais adversos” - Marcos Lima
Psicanalista Marcos Lima fala sobre ansiedade
A ansiedade é sempre algo negativo?
Não necessariamente. Ela pode funcionar como um alerta defensivo diante de ameaças, ainda que vagas. O problema é quando essa reação se torna constante, distorcendo a percepção da realidade e levando a generalizações que afetam a vida social e afetiva.
Por que tantas pessoas procuram terapia depois dos 30 ou 40 anos?
Muitos chegam ao consultório para lidar com questões ligadas à infância e aos vínculos familiares. A ausência de afeto, ou até mesmo o excesso, pode deixar marcas psíquicas que alimentam quadros de ansiedade na vida adulta.
É verdade que hoje os jovens falam demais em ansiedade?
Existe um fenômeno de “modismo”. Muitos jovens associam qualquer desconforto emocional à ansiedade, o que pode confundir o entendimento sobre o transtorno. É importante diferenciar entre ansiedade cotidiana e patológica, que exige acompanhamento clínico.
Quais técnicas ajudam a reduzir o impacto da ansiedade?
Há diversas abordagens: reestruturação cognitiva, exposição gradual, exercícios de relaxamento e terapias de terceira onda, que ensinam a aceitar experiências internas difíceis sem transformá-las em padrões fixos.
Devemos eliminar os sentimentos difíceis?
Não. O essencial é aprender a conviver com eles. Nem todas as situações têm solução imediata — perdas irreparáveis, pressões sociais e contextos adversos fazem parte da vida. A saída é desenvolver flexibilidade psicológica e ressignificar o sofrimento.