Após o Cisne Negro, Dragões (por Edgard Leonardo) - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Após o Cisne Negro, Dragões (por Edgard Leonardo)

Rafael Dantas

A atual crise deixa claro, para todos nós, que não fomos capazes de prever este “Cisne Negro” perfeito. Lembro que, graças a Nassim Taleb[1], chamamos de cisne negro um evento que não foi previsto, um ponto fora da curva, um evento que foge da normalidade. Taleb, em sua obra, nos mostra como ter humildade ao realizar previsões. Estamos acostumados a tentar modelar a realidade, propor cenários, algumas vezes até mesmo “prever”. Porém, o fato está posto. Estamos em meio a uma pandemia que não foi prevista, um cisne negro perfeito diante de todos.

Uma crise onde podemos facilmente observar um duplo choque. De um lado, a oferta global de produtos está afetada, pois as cadeias de suprimento que possibilitam a produção e distribuição estão paralisadas. De outro lado, os choques de demanda, pois as fortes restrições de circulação, com fechamento de escolas e centros comerciais, a interrupção de eventos de massa e viagens já está impactando fortemente a demanda agregada.

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Dois eventos que, ao mesmo tempo, inserem uma forte componente de incerteza e volatilidade em um cenário já caótico. Caso o Covid-19 mantenha a taxa de contaminação elevada, prolongando o isolamento, os impactos tendem a ser ainda mais críticos.

Não é possível pensar em uma saída fora da presença do Estado, fugindo da discussão simplista de Estado Mínimo ou Estado Máximo proposta por muitos, e compreendendo que precisamos do Estado Necessário. Um Estado que cumpra seu papel essencial na sociedade, protegendo os mais vulneráveis e fornecendo a necessária segurança jurídica e institucional. Sem, todavia, tolher a iniciativa privada, a liberdade e a criatividade necessárias, compreendendo como Schumpeter[2] compreendeu a importância crucial do empreendedor no desenvolvimento econômico, bem como a importância do crescimento econômico para a justiça social.

E percebendo que a economia é instável, como bem nos apresentou Hyman Minsky[3], muito embora nossa atual crise não se enquadre nos cenários previamente apresentados pelo autor, é compreensível que um dos elementos catalisadores do processo atual é certamente a complexidade de nossas relações (financeiras e produtivas) encadeadas globalmente, fazendo com que as turbulências se estabeleçam e adquiram movimento próprio no cenário internacional.

A grande questão é que, em um cenário de choques de oferta, se estes forem contrapostos por medidas de política fiscal expansionista, ou seja: aumento dos gastos do governo, com a economia parada (trabalhadores em casa), esse tipo de política tem seu efeito minimizado, eventualmente até gerando um reflexo inflacionário (na economia brasileira atual outras pressões provavelmente atenuariam tais efeitos inflacionários).

Por outro lado, choques de demanda, até poderiam ser atenuados por medidas de política fiscal, como por exemplo, uma redução importante de impostos (ou aumento combinado dos gastos). Todavia, é importante salientar que, sem elevar a produção (lembrem-se, estamos vivendo um duplo choque), não haverá produção crescente para sustentar essa maior demanda.

Mas do que nunca na história recente, empresas de todo o mundo se tornaram insolventes e, dentre as principais vítimas, temos as pequenas empresas familiares, que têm pouco acesso a crédito e capital de giro, porém empregam grande parte da massa de empregados da economia brasileira.

Nunca na história desligamos a economia e depois tentamos dar partida novamente. Um ‘shutdown’ global é algo inédito. Precisamos de medidas sérias para que o fechamento da economia seja o mais rápido possível e que, protegendo os mais vulneráveis, possamos voltar rapidamente às atividades.

Neste momento, são necessárias medidas combinadas para a sociedade continuar consumindo, como os agora já batizados “auxílios emergenciais”, que devem cumprir seu papel social e dinamizador nesse momento de crise, além de outras medidas que já vem sendo tomadas. Todavia, precisamos permitir que empresas em dificuldades posterguem o pagamento de tributos. É imperativo oxigenar a economia brasileira. Para isso, é importante reduzir o peso da burocracia estatal que onera a produção e facilitar principalmente o trânsito internacional de insumos e matéria-prima.

De forma a facilitar o financiamento a pequenas e médias empresas, é importante não apenas crédito estatal subsidiado, importante no processo. Porém, é possível reduzir, por exemplo, o imposto de renda e o imposto sobre ganhos de capital dos fundos de investimento (private equity ou de venture capital) que investirem em pequenos negócios. Isso certamente levará a um movimento maior de investimentos produtivos, gerando emprego e renda.

Soluções criativas precisam ser apresentadas e debatidas de maneira profissional. Todos já perceberam que o momento é crítico e sem precedentes na história. Lembremo-nos de que na renascença, os mapas que buscavam descrever o mundo conhecido, e também o desconhecido, eram adornados com monstros e dragões míticos, simbolizando os perigos que ainda desconhecíamos. Em 1510, no globo de Hunt-Lenox, o primeiro a conter os contornos da América, aparece a frase HIC SVNT DRACONES ("Aqui há dragões").

É bem essa a nossa situação! A pandemia e a crise já instalada pedem soluções criativas e certamente marcarão nossa história. Embora guarde semelhanças com o evento de 100 anos atrás, o evento atual ocorre em outro cenário. Seguramente, a humanidade sairá dessa crise, como já saiu de outras, porém: HIC SVNT DRACONES.

*Edgard Leonardo é economista, professor da graduação e pós-graduação do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE), mestre em Administração pela UFPE, especialista em comércio exterior, consultor e palestrante.

[1] Taleb, Nassin Nicholas. A Lógica do Cisne Negro - O Impacto do altamente improvável – Gerenciando o desconhecido. BestSeller. 2007

[2] Schumpeter J. A. (1939), Business Cycles. New York, NY: McGraw-Hill.

[3] Minsky, H. Stabilizing an Unstable Economy. New Haven: Yale University Press, 1986.

 

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